“Beavis e Butt-Head: Detonam o Universo” é destaque no Paramount+. Leia a crítica!
Sinopse: Beavis e Butt-head vão em uma missão de ônibus espacial em 1998, caem em um buraco negro e ressurgem na Terra em 2022, onde são perseguidos pela NSA e duas versões altamente inteligentes deles mesmos.
Direção: Albert Calleros e John Rice
Título Original: Beavis and Butt-Head Do the Universe (2022)
Gênero: Animação | Comédia
Duração: 1h 27min
País: EUA
Saudoso Saudosismo
“Beavis e Butt-Head: Detonam o Universo” deve ser uma das tentativas mais arriscadas de resgate de ícones da cultura pop na produção atual, pensada pelo olhar bem mais próximo do family friendly da indústria consolidada dos serviços de streaming norte-americanos. Gostaria que a recepção fosse tão positiva aqui como foi o lançamento incomum de “Tico e Teco: Defensores da Lei” (2022), obra que traz uma ligeira anarquia às fórmulas desgastadas do catálogo do Disney+. Aqui a Viacom, dona dos personagens roqueiros, da MTV e do Paramount+, aposta na mistura entre saudosismo dos adolescentes dos anos 1990 e da renovação de público para as esquisitas figuras de Beavis e Butt-head.
O argumento da história é um pouco parecido com a comédia de Rebel Wilson, “De Volta ao Baile” (2022), que estreou há algumas semanas na Netflix. O anacronismo latente dos protagonistas bocas-sujas e sem vergonha(m) do final do século XX deve ser revisitado de maneira bem diferente do que transportar o que era criado naquela época agora. Isso faz com que este crítico traga das próprias memórias um pouco de ter sido criado, dentre outros aspectos, enquanto “geração MTV“. Beavis e Butt-head tinham lugar cativo no sofá da sala em algumas noites em que – o que vinha depois da novela da Globo – não era tão interessante assim.
“Beavis e Butt-head: Detonam o Universo” me fez lembrar desses momentos com meus pais, em que nos divertíamos vendo o uso indiscriminado de palavrões e piadas podres relacionadas a sexo em meio a comentários dos videoclipes do momento. Algo que a MTV no Brasil refez pela figura de João Gordo (e teve uma tentativa de desenvolver, a partir da sua personalidade, uma animação própria com Garganta e Torcicolo). Mais do que isso, eu estava na sala de cinema, com meus dez ou onze anos, assistindo “Beavis e Butt-head Detonam a América” (1997), conhecida de muitos pelo regravação de “Love Rollercoaster” pelos Red Hot Chilli Peppers.
Havia um processo problemático de naturalização do sexo e dos palavrões em curso. Esta semana na bolha brasileira do Twitter (cada vez mais tóxica) viralizou uma thread que afasta, com vídeos e fatos, a ideia de que os Mamonas Assassinas seriam bolsonaristas se estivessem vivos. Além do exercício insuportável de pensar qual seria o posicionamento de pessoas que não estão mais aqui desde 1996 – como se a existência deles não gerasse desdobramentos incalculáveis entre o dia da morte e hoje – muito desta preocupação se dá porque o politicamente incorreto e a agressão verbal se tornaram muletas argumentativas e modus operandi de uma ala fascista da sociedade.
Portanto, quando Beavis e Butt-head ganham vida em uma animação de 2022, carrega naturalmente um olhar de preocupação. A escolha idêntica de Rebel Wilson, de criar um vortex temporal que coloca aqueles adolescentes de 1998, data em que o programa foi cancelado, diretamente em nossa era, parece ser a forma mais certa de criar um choque positivo (mesmo que aqui seja menos propositivo). Não apenas do público de agora com eles – mas também deles com nossa sociedade. A forma como Judge faz isso é brilhante, já que cria uma narrativa de ficção científica para levar os adolescentes para o espaço e caírem em um buraco de minhoca que desemboca aqui.
Apesar de tudo isso, boa parte da retórica carregada de palavrões da dupla foi abandonada. Eles soam como subversivos bem mais controlados do que aqueles que nos acostumamos a ver. A teoria de realidades paralelas nos traz outras versões menos idiotizadas de Beavis e Butt-head, quase como se fosse algo mágico, uma proposta de novos personagens que garante boas piadas. Os encontros com a tecnologia também, já que mostra como nossos celulares faz qualquer bobalhão como eles sobreviver por um bom tempo em uma grande cidade. Porém, essa forma menos agressiva de se expressar acabar trazendo o contraponto das risadas constrangedoras (que era uma quebra importante de ritmo de suas falas) como algo bem mais artificial. Isso ao ponto de Judge usar cada vez menos no desenvolvimento da trama.
“Beavis e Butt-head: Detonam o Universo” é uma mistura de reencontro com uma pequena cobertura de frustração. Talvez porque a comédia da Netflix já citada ainda ouse mais atrair mais elementos contemporâneos para a narrativa, haja uma perda na comparação. O longa-metragem aqui é muito focado na busca por Serena Ryan (Andrea Savage), a astronauta que virou governadora e, na visão dos protagonistas, deixou clara sua intenção em fazer sexo com eles. Não que este foco esvazie a trama, mas ele já é o suficiente para fazer com que os personagens não envelheçam tão mal assim. Há algo na antissociabilidade de Beavis e Butt-head e nos seus desconfortos sobre a virgindade que ainda é capaz de atrair identificação de gerações mais jovens, sabidamente menos sociáveis.
Ou, então, permanecer mais tempo na época de 1998. Isso porque o início da animação é insana, mostra caos e destruição na escola, um engraçado treinamento deles na NASA depois que sua obsessão por enfiar objetos fálicos em buracos poderia ser de grande valia no espaço e como os Estados Unidos gosta de usar a ala ordinary peeople como ferramenta de propaganda de grandes feitos de seus políticos e poderosos. Depois disso, há um apego no caminho a ser percorrido por eles que soa menos interessante.
Por isso o desenvolvimento e conclusão de “Beavis e Butt-head: Detonam o Universo” faz a obra virar refém de algumas gags. A confusão entre a inteligência artificial Siri e Serena feita por eles é uma delas. O ressurgimento de Cornholio como o líder de um motim no presídio e o tão esperando reencontro deles com o velho sofá daquela casa (que ganha algumas explicações) também. Talvez a fuga pela anarquia enquanto proposta narrativa tenha gerado um peso maior no processo de higienização dos ícones pops do que o necessário polimento na agressividade deles. Ainda assim, ainda foi um dos melhores exercícios saudosistas que tive nos últimos anos em meio a essa guerra de streamings.
Veja o Trailer: