Sinopse: Aproveitando sua grande chance de estudar em uma prestigiada instituição de ensino, Nian busca refúgios em sua escola atual para conseguir estudar sem maiores problemas, já que um grupo de alunos possui o costume de agredir grupos mais fracos. Depois de um encontro inesperado com Trickser Bei, os dois acabam considerados suspeitos depois que um valentão da escola some misteriosamente.
Direção: Derek Tsang
Título Original: Shaonian de ni | Better Days (2019)
Gênero: Drama
Duração: 2h 15min
País: Hong Kong | China
Prevenção e Reparação
“Better Days” (usaremos o título internacional porque ainda não sabemos se a expressão jotaquestiana “Dias Melhores” será a tradução quando da estreia no Brasil) é o representante de Hong Kong na categoria melhor filme internacional dentro os indicados ao Oscar de 2021. Foi com ele que terminamos nossa maratona, que permitiu que todas as 56 produções recebessem comentários em textos próprios aqui na Apostila de Cinema. Independente do tema ou da qualidade técnica, a obra dirigida por Derek Tsang escancara um embate sobre a leitura política em cima das decisões da Academia – algo que já pudemos falar brevemente no episódio do podcast Lente Latina sobre os latino-americanos injustiçados na premiação.
Quem acompanhou nossos comentários sobre o curta-metragem documental “Do Not Split” também sabe do que estamos falando. Quando o longa-metragem sobre bullying nas escolas chinesas ocupou uma das cinco vagas, há quem tenha se impressionado. Há um componente de tornar a China como antagonista de uma forma de vida que os EUA estabeleceram como correta – e como sua. Mas, acho que esse assunto rende mais se trouxermos em um artigo, pluralizando o debate com outras obras dos últimos anos. Por trás desse passo calculado da indústria, há um bom drama, estrelado pela popular atriz Dongyu Zhou.
Em “Better Days” ela é Chen Nian, jovem que precisa manter o foco no vestibular, mas sofre vários tipos de violência. Não bastassem as humilhações promovidas por seus colegas de turma, ela precisa testemunhar na investigação sobre o suicídio de sua amiga. O prólogo – que deve ficar esquecido por quem se envolve com a narrativa – a mostra como professora, dando aula de inglês. Fala da sensação de perda que a conjugação “costumava ser” permite. Em seguida somos levados a Aqiao, sessenta dias antes da prova que decidirá o futuro dos adolescentes. Uma forma de teste parecido com o Brasil (que gerou o bom documentário “Atravessa a Vida” ano passado). No meio da rigidez e das cobranças da instituição de ensino, das frustrações naturais da idade e do trauma da morte, a protagonista não pode contar com sua mãe ao lado. Com problemas financeiros, a progenitora atua como contrabandista em Pequim, correndo o risco de ser presa a qualquer momento.
O início do filme, que foca no suicídio e como as notícias e imagens chocantes se espalham junto a uma geração altamente tecnológica, parece fazer o longa-metragem dialogar com outros, que lidam com essas representações no Ocidente (aqui na Apostila falamos, por exemplo, em “O Professor Substituto“). O cineasta aplica uma narrativa que usa o flashback estilizado para avançar na história de crítica do sistema educacional chinês. Aos poucos as outras instituições de proteção ao cidadão também entram nessa análise, principalmente os órgãos investigativos.
A ideia por trás da trama é trazer um problema sem solução. Nian não é ouvida, vive em uma sociedade que não se preocupa com a prevenção de crises nem com e a manutenção da saúde mental de seus adolescentes. Porém, a base fundante é a sanha meritocrática, algo que em nada difere de outras potências mundiais. Quando traz o poder de polícia para a trajetória periférica da protagonista, somos apresentados a um leque de personagens que não se enxergam como responsáveis diretos sobre as tragédias do cotidiano. Desamparada e cada vez mais vulnerável, ela aceita a proteção informal de Xiao (o popular cantor Jackson Yee).
Há dois usos paralelos de abordagem com a câmera. Na primeira, mais próxima de manifestações artísticas orientais (desde o cinema até as artes visuais contemporâneas), a imagem aposta em uma observação um pouco mais distante. Planos com o equipamento rente ao chão ou captações do alto dos cenários são as opções em boa parte das cenas. Porém, no segundo uso, identifica-se uma alta exploração nas cenas mais chocantes. Há uma predileção por não ser tão violenta e impactante, estamos diante de uma narrativa pensada para jovens. Apesar de não podemos afirmar que “Better Days” é um filme para adolescente, todos os elementos confluem para criar uma identificação – que só eles conseguem ter, dado o recorte geracional.
Chegam a acontecer alguns debates sobre o bullying ser um fenômeno atual (ou na proporção em que está). Há quem pense que ele sempre ocorreu e agora seu combate virou prioridade porque os discursos chegam aos mais velhos. Em uma época onde terceiros usam nossos dados e deturpam nossas palavras, podemos acabar nos tornando algozes de nós mesmos. O medo de Nian justifica suas buscas por ajuda. Ela não pode deixar de perseguir o objetivo que a sociedade impôs como condição para sobreviver e apela para a solução mais alcançável. O drama ganha intensidade no terço final, o expediente utilizado é o da criação de empatia, no ritmo próprio desse tipo de longa-metragem.
O filme adapta um romance de Jiu Yue Xi, popular escritor de literatura young adult no país. Uma obra que apresenta um longo arco, que usa a notoriedade no mercado interno de seu elenco e que ganha projeção pelo tema que abarca. Além disso, é baseado em uma história real, que fez com que a discussão sobre prevenção ao bullying se tornasse pauta. A obra é capaz de trazer a questão para um público que desconhece o assunto ou acha que ele está superdimensionado no mundo atual. É eficaz ao tornar complexos quase todo os personagens, mostrando que o ciclo de violência no qual estão jamais se baseia em bondade ou maldade pura, absoluta. Anal, passado o período em que (dizem) nosso destino é traçado, nosso esforço – assim como nosso futuro – será arquivado, por uma sociedade que só se desenvolve alimentando uma lógica meritocrática e de merecimento.
O governo chinês colocou o filme na lista daqueles que não quer que sua população veja. Por sinal, falam que a cerimônia de amanhã do Oscar deve sofrer censura nesse território. O que faz “Better Days” ser coerente e uma boa representação é que sua crítica não se ergue em transformações sobre uma realidade que está longe de mudar. Não esqueça que, por trás desse sentimento de viver em liberdade por ter aceso a uma produção mal vista no país de origem, há um diálogo com o seu cotidiano. Não adianta dizer, tal qual os personagens, que o problema é dos outros e ignorar que precisamos da sua parcela de contribuição para tentar mudar alguma coisa.
Veja o Trailer:
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