Sinopse: Bia volta para casa, só que junto com ela retorna algo que não permite que este lar possa voltar a ser o mesmo de antes. Um sentimento de deslocamento face à realidade cotidiana acompanha a personagem, e o encontro dela com Jean parecerá somente tão palpável quanto os games, mensagens no whatsapp ou posts do Instagram com os quais ambos interagem. Assim, os comparsas da produtora O Quadro seguem com sua investigação sobre como fazer um cinema de ficção jovem, que consiga filmar seus personagens à altura dos olhos e com sinceridade, sem condescendência nem julgamentos.
Direção: Wellington Sarri
Título Original: Bia Mais Um (2021)
Gênero: Drama | Romance
Duração: 1h 11min
País: Brasil
Mais Um: O Jovem Cinema
“Bia Mais Um” é outro representante do cinema sulista feito para jovens que encontramos nos recortes regionais de seus festivais. Assim como “Ten-Love” (2020), “Os Pássaros de Massachusetts” (2019) e “Contos do Amanhã” (2020) no Festival de Gramado, o 10º Olhar de Cinema deu, na Mirada Paranaense, um espaço que muito significa ao cinema de Wellington Sarri. Não à toa, a consultoria de roteiro de Ana Johann (que exibiu na Mostra de Cinema de Tiradentes, “A Mesma Parte de um Homem“, que segue um dos melhores filmes brasileiros de 2021) encontra um equilíbrio nas representações de Bia (Gabrielle Pizzato) e Jean (Gustavo Piaskoski) – um dos “mais um” do título.
Claro que a distância geracional não me fornece todas as ferramentas possíveis para um mergulho ainda maior na obra. Porém, as experiências nas sessões das produções já citadas criam um universo de uma Curitiba (ou Porto Alegre) que traz melancolia às trajetórias cada vez mais individualizadas e solitárias dos novos agentes que transitam pelas cidades. Bia tem para si seu próprio mundo, recheado de referências que só ela acessa na tela do telefone celular ou via fone de ouvido. Na leitura de um livro de Svetlana Alexijevich (e é a segunda vez que ela surge em nossos textos da cobertura do festival), às descobertas de uma banda russa e possíveis paralelos musicais com um grupo local.
Para quem avista de longe Bia, parece que sua vida opera em flashes. Pixelada por constantes interrupções e notificações que afetam a capacidade de concentração. Na contemporaneidade, quase nunca estamos com a mente ocupando o mesmo lugar do corpo. Aquela acessa outras gavetas, de forma paralela, parecendo que a absorção de um conjunto seja mitigado. Nos corredores da loja de artigos de casa, a menina analisa o que poderia levar como decoração para a sua casa ao mesmo tempo que reflete sobre arte e a representação do feminino.
Veja o Trailer:
Nesse ponto – e justamente por trazer a criança que a protagonista espera como a outra possibilidade de soma ao invés de Jean, “Bia Mais Um” dialoga com mais força com outras duas produções do Sul. “A Primeira Morte de Joana“, exibida há algumas semanas em Gramado, usa uma estética parecida, de observação melancólica com um toque de onírico para falar sobre experiências íntimas de uma adolescente. Enquanto que “Raia 4” nos fala da competitividade e da forma como as mudanças do corpo e da cabeça de uma jovem mulher operam em sua vida.
Entretanto, Sarri cria outra perspectiva para seu longa-metragem. Pelo olhar de Jean, as dinâmicas familiares que tornam a convivência do garoto com seu pai na beira do impraticável. Quando eles se encontram, essa troca de interesses (mesmo que Bia precise traçar paralelos nerds para se fazer entender) socializa suas angústias. O cineasta, então, caminho pelo terreno do insólito para atravessar o portal de mudança daqueles dois. Por mais que toda essa estética e a formatação direcione a um público-alvo no qual não me encontro, o filme é mais um que permite uma grande experiência sensorial mesmo àqueles que não se conectam diretamente com tais dramas.
Essa é uma das grandes qualidades dessa cena (jovem e para jovens), que informalmente Wellington é representante e Eduardo Valente trouxe no início da conversa entre eles no vídeo que você assiste abaixo, disponível no canal oficial do Olhar de Cinema no YouTube. Não mencionamos outros recortes territoriais, de raça e gênero nos exemplos mencionados ao longo do texto, mas eles também possuem ótimos representantes no audiovisual brasileiros dos últimos anos, incluindo destaques do ano passado como “Valentina” (2020) e “Cabeça de Nêgo” (2020).
Por mais que tenha sido pensado antes da pandemia, não dá para não refletir sobre o impacto que o confinamento trouxe para quem vivia no arco final da adolescência. Mesmo com o distanciamento e a sociabilidade atravessada enquanto característica comportamental, “Bia Mais Um” nos mostra que as trocas e os afetos ainda ocupam um papel importante na vida dos jovens – que também estão bem servidos de filmes que transportam as suas realidades para as telas.
Assista à conversa entre Eduardo Valente e Wellington Sarri sobre “Bia Mais Um”: