Sinopse: “Big Jato”, adaptação de obra autobiográfica do jornalista Xico Sá, traz o recorte de uma fase na vida do menino Francisco, aspirante à poeta, transitando entre acompanhar o pai no caminhão-pipa em que presta serviço de desentupimento de fossa e seu tio, um radialista que defende ideias anarquistas.
Direção: Cláudio Assis
Título Original: Big Jato (2015)
Gênero: Drama
Duração: 1h 37min
País: Brasil
Crônica de uma Felicidade Comprada
Xico (Rafael Nicácio), protagonista de “Big Jato“, em determinado momento faz lembrar Clarence (James Stewart), que no clássico hollywoodiano “A Felicidade Não se Compra” (1946) lamenta não conseguir sair da região onde vive e ter o mundo nas mãos. À época em que lançou o longa-metragem mais reassistido no Natal dos estadunidenses, Frank Capra já era conhecido por seus dramas familiares, personagens edificantes e narrativa envolvente. Claudio Assis jamais seguiu esse caminho trilhado pelo cineasta italiano, radicado na América do Norte desde a infância.
Após três obras com ferramentas estéticas e de linguagem bem marcantes (devidamente abordadas em nossas críticas de “Amarelo Manga” de 2002, “Baixio das Bestas” de 2006 e “Febre do Rato” de 2011), o diretor se afasta de boa parte delas – ou carrega menos nas tintas – para adaptar o texto autobiográfico do escritor e jornalista cearense Xico Sá. Peixe de Pedra, a cidade fictícia de “Big Jato”, nada mais é do que a histórica região do Crato, terra-natal do próprio Xico e de Padre Cícero.
O protagonista nos diz que desde sempre sabia o que era ser preso, denotando que a busca pela liberdade (um conceito aberto) é o mote da trama. Se valendo de belas imagens, uma direção generosa que se vale da magnitude territorial do país, “Big Jato” aproxima sua narrativa com a de um road movie tipicamente brasileiro (e a produção nacional nos entrega alguns excelentes há décadas, como “Cinema, Aspirinas e Urubus” de 2005). Aposta na exploração das relações familiares, o que traz uma doçura à obra jamais vista na filmografia de Assis. O protagonismo masculino é representado de maneira mais natural do que as incansáveis buscas pela satisfação da libido dos filmes anteriores.
Nicácio tem a companhia de Matheus Nachtergale, que interpreta o pai e o tio de Xico. O primeiro é dono do caminhão-pipa que dá nome ao longa-metragem e com ele o adolescente terá a cumplicidade e a franqueza da relação entre pai e filho. Conversas escatológicas ou sobre o despertar da sexualidade, em um olhar franco e curioso. A marcação da montagem é precisa e, ao final de um terço de projeção, uma espécie de fim de sonho pode ser identificada. O pai do protagonista, bêbado, discute com a esposa – interpretada por Marcélia Cartaxo.
Parecia que entraríamos em um portal lynchiano e testemunharíamos uma espécie de ritual de iniciação sexual que nos colocaria no universo criado por Cláudio Assis. Aliás, talvez o condicionamento a uma lógica nas obras do cineasta pode não apenas afastar o espectador de uma pretensão ou frustrar quem procure coerência em uma manifestação livre como o Cinema. A parábola real de Xico é diferente de tudo o que se viu antes, mas também é a maneira única como Cláudio Assis contaria essa histórica.
Inclusive, a quebra de expectativa se amplia na própria não-poetização da representação da infância de um homem que já se vê poeta, ao contrário de toda uma construção nesse sentido nas obras anteriores. Assusta ao imaginar dramas tão duros como violência e estupro sob um verniz que beira a romantização. “Big Jato” aposta na intimidade da casa de família, no discurso anarquista de um tio que prega o abandono da CLT (abandonamos, mas em prol de um liberalismo ainda mais esmagador) e traz uma vida pintada por um menino que não deixou a falta de perspectiva lhe cortar as asas. Assim como Clarence, Xico também entendeu que a felicidade não é um bem que se encontra em uma vitrine – e sua história é um conto açucarado de quem se moveu das montanhas e saiu, nas palavras de quem lhe envolvia, de uma vida de merda.