Boa Noite

Boa Noite Documentário Cid Moreira Crítica É Tudo Verdade Pôster

Sinopse: Aos 91 anos, Cid Moreira abre as portas de casa e de seu inconsciente, revelando facetas surpreendentes do homem que entrou nos lares de milhões de brasileiros todas as noites, por quase 30 anos. A voz mais famosa do Brasil narra a própria história, desconstruindo sua imagem mítica e conduzindo o espectador por um labirinto de memórias. Lembranças e imagens de arquivo traçam um panorama de sua vida, que se confunde com a história da televisão brasileira.
Direção: Clarice Saliby
Título Original: Boa Noite (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 14min
País: Brasil

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Chronos Midiático

Uma voz inconfundível e um dos momentos mais divertidos do Festival É Tudo Verdade 2020 abrem o documentário “Boa Noite“, da diretora Clarice Saliby, vencedora do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro pelo curta-metragem do mesmo gênero “Efeito Casimiro” (2013). Acontece quando o jornalista, que completou 93 anos no dia da exibição do filme na mostra – neste caso, infelizmente, virtual, pois o lançamento pedia uma sala lotada de pessoas homenageando Cid Moreira – configura a assistente de telefone celular Siri. Ali está um profissional que nunca se conformou com o bom, que soube se reinventar mesmo após décadas de exercício de uma função que tem nele um dos grandes expoentes.

A cineasta, com a possibilidade de se valer de mais de sete décadas de experiência, boa parte registrada em um dos maiores acervos de televisão do mundo, opta por nos aproximar do biografado – não apenas no tempo, mas também no espaço. Cid é convidado, então, a ser o narrador de sua própria vida e é curioso como até mesmo ele, sem conseguir manter um distanciamento emocional, por vezes não encontra seu eixo. De radialista por acidente aos dezessete anos até se tornar o rosto do Jornal Nacional por quase trinta anos, chama a atenção como parece que ele segue – em sua cabeça – um profissional em formação. Na revisão de arquivos, por exemplo, observa-se uma constante autocrítica.

Até que Saliby nos transporta para imagens de bastidores de um jornalista no auge, quando acumulava a apresentação do JN com as narrações do Fantástico aos domingos. Ali ele já cobrava a perfeição. Acusado de ser, ao lado de Hilton Gomes e depois Sergio Chapelin, apenas um leitor de teleprompter, Cid Moreira foi a cara não apenas de uma mídia que não mais existe – foi de uma instituição e, ao ser aquele que fornecia a informação, a voz de um país para milhões de brasileiros. O que “Boa Noite” demonstra é que, por trás de uma potência vocal que não se abalou e uma vitalidade que o mantém na ativa em encontros, palestras e trabalhos, encontra-se uma pessoa que desenvolveu um autocontrole fundamental para seu ofício.

A mudança no jornalismo nos últimos anos ocorre por necessidade mercadológica. A ampliação dos meios de divulgação de notícias (nem sempre verdadeiras), o descontrole sobre nosso próprio tempo e o imediatismo das relações, fez com que o ritual de sentar no sofá por volta das 8 da noite e esperar um telejornal que condense tudo o que aconteceu no mundo naquele dia se tornou injustificável. Quando dizia aos meus amigos há quinze anos que o jornal impresso esportivo acabaria porque ia chegar um momento em que não compraríamos um resumo do que já sabíamos, o mesmo vale para qualquer tipo de veículo atualmente. Por sinal, gostamos de assistir ao Jornal Nacional quando já sabemos o que será dito – geralmente algo que nos agrade (como a edição com aquela denúncia de um político ideologicamente não alinhado conosco).

Nesta transformação do fazer jornal, alterou-se também a apresentação, mais impressionista ou até escancaradamente opinativa. Cid Moreira hoje na bancada talvez não se pautasse tanto no distanciamento que o marcou. Sua leitura com voz impostada e suas infinitas formas de refazer vinhetas (que parecem genialmente narradas desde o primeiro take) não teriam espaço na TV de hoje. Só que o documentário comprova que, como profissional capaz de desempenhar seu trabalho da melhor forma, sua adaptação não seria custosa. Ele seria o mesmo Cid em uma linguagem moderna e não é porque virou um símbolo de uma forma que não seria brilhante na outra.

Lembrando da saída dele do Jornal Nacional fica a sensação de que poderíamos ter sua companhia diariamente por muito mais tempo. “Boa Noite“, então, resgata a reinvenção ao mesmo tempo lucrativa e capaz de ampliar a ideia de Cid Moreira como grande voz brasileira. Em seis anos ele gravou toda a Bíblia e para uma geração ficará assim marcado. Porém, se há algo que provoca inveja a um workaholic e que tenta viver uma rotina metódica e ultra organizada é o fato dele anotar em uma agenda tudo o que fez no dia. Há décadas. É como se ele pudesse ter o controle total de seu tempo, com a certeza de que – por muitos anos – sua voz controlou e comandou o nosso tempo.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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