Botando pra Quebrar

Botando pra Quebrar

Sinopse: “Uma mistura de rock’n’roll e blues é o segredo para uma rebelião bem-sucedida”, diz o cineasta. Quando Lech Kowalski, conhecido por seus filmes sobre a era punk, levou sua câmera para a pequena cidade de La Souterraine, no interior da França, onde a fábrica GM&S ameaçava encerrar suas atividades para sempre, sentiu que algo de extraordinário estava por acontecer. E aconteceu. E se tornou “Botando pra Quebrar”. “A letra foi escrita por trabalhadores que não aguentavam mais! A melodia foi composta por pessoas sem medo de ir até contra as próprias regras da revolta! O volume era alto o bastante para atrair a mídia. O seu show operário se propagou por toda a França como um incêndio. Fiquei fora do quadro, câmera na mão, filmando como se pescasse peixes num barril”.
Direção: Lech Kowalski
Título Original: On Va Tout Péter (2019)
Duração: 1h 53min
Gênero: Documentário
País: França

Botando pra Quebrar

O Som da Resistência

Poucas foram as obras que trouxeram o filme como experimento na 9ª Mostra Ecofalante. Com uma programação que privilegia os documentários mais tradicionais, apostando em uma pluralidade de objetos e discursos para debater a sociedade, não há tanto espaço para exercícios cinematográficos. Com “Botando pra Quebrar” é ligeiramente diferente. Ainda que se valha da linguagem do gênero comum a quase todos os selecionados, o diretor Lech Kowalski deixa o público em estado de suspensão durante toda a duração do longa-metragem (um dos mais longos da mostra, por sinal).

O filme conta a história de um grupo de 277 funcionários de uma fabricante de componentes automobilísticos no interior da França chamada GM&S. Com a diminuição da demanda, provocada pelas montadoras locais, um juiz determina que – caso não haja aquisição por um novo proprietário – a fábrica deveria fechar as portas. Os trabalhadores, entretanto, ocupam o parque industrial e dizem que, caso seus direitos (ao emprego ou a uma justa indenização) não fossem respeitados, eles fariam o que os bons franceses fazem. Ou seja, tacariam fogo em tudo.

Não foram poucas as produções que tocaram na precarização do trabalho que se tornaram objetos de textos aqui na Apostila de Cinema. Na Ecofalante, então, já não cabe nas mãos. “O Custo do Transporte Global” (2016) é uma delas. Todavia, é um tema que ultrapassa a formatação estética e de linguagem. Já tivemos a oportunidade de trazer ao centro da questão em “Na Fila do Sus/Episódio 6: Uberização da Vida” (2020), episódio da websérie da Bombozila e até mesmo dentro do cinema experimental no excelente “Prazeres Circunstanciais” (2020), assistido ao longo do Festival Ecrã. Não tardará e teremos a destruição da dignidade laboral como mote de produções ficcionais com mais frequência.

Já em “Botando pra Quebrar” há certa imprevisibilidade no ar – e, por que não?, esperança que o final seja feliz para os oprimidos. Kowalski começa mostrando como, naquela região francesa, a pesca de carpas – tradição cultural inglesa – foi incorporada. É como se criasse uma ponte para outra importante mudança de hábitos que os britânicos exportaram para todo o mundo na Revolução Industrial. Trata-se do fato gerador da grande reconfiguração dos territórios e das dinâmicas econômicas dos últimos séculos – e que perdura até hoje. Porém, de forma acelerada, essas relações estão mudando. Justamente pela precarização do trabalho já mencionada. Que não ocorre na mesma velocidade em países da Europa – de índice de escolaridade alto e população mais politizada – do que em nações que, em meio a constantes crises econômicas, usam a desculpa da modernização para tornar mais difícil a vida da classe operária.

É nesse contexto que os trabalhadores da GM&S se encontram. Com a produção de peças migradas para o México, onde as relações trabalhistas mais frágeis e a remuneração inferior barateiam o custo, eles testemunham o fim dos seus empregos. Ao fazer uma resistência espontânea, eles conseguem atenção midiática e governamental, a ponto do Presidente Emmanuel Macron se dirigir pessoalmente à cidade de La Souterraine na tentativa de diálogo. Como se olhássemos com uma lupa para a sociedade européia, que também possui seus castelos de areia, o documentário nos mantém presos em negociatas e falsas promessas do Estados, da Justiça e dos empresários.

Aos operários resta o trabalho de conscientização. Este, apesar de toda a modernidade, ainda se utiliza de elementos tradicionais como a música. O longa-metragem consegue captar muito bem as maneiras de se reinventar dentro de uma batalha que nunca parece completamente perdida – mas ao mesmo tempo quase impossível de ser vencida. Afinal de contas, o que aquelas pessoas – que trabalham há vinte, trinta anos, naquela empresa querem é respeito – um direito quase tão inegável quanto um copo d’água.

Botando pra Quebrar” sintetiza sua luta quando um dos entrevistados chega a uma genial conclusão. O que está em jogo ali não é apenas a proteção ao emprego ou a um término de relação justa. Aquelas 277 pessoas brigam para defender uma forma de vida, uma dinâmica social. Só que, infelizmente, ela não existe mais. Talvez seja muito tarde para resgatar o que fomos perdendo nos últimos anos. O mês vira, as contas chegam, a opção que ficou é seguir trabalhando – do jeito que dá. A não ser que a profecia verbalizada na parte final do filme – uma das grandes sentenças deste leque muito interessante de obras da Ecofalante – se concretize: “o lucro para os poucos significar o fim do futuro para todos“.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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