Prazeres Circunstanciais

Prazeres Circunstanciais

Sinopse: Em “Prazeres Circunstanciais”, o cineasta Lewis Klahr traz um novo ciclo de seis filmes curtos, onde manipula materiais de origem contemporâneos para contemplar poderosamente o atual zeitgeist.
Direção: Lewis Klahr
Título Original: Circumstancial Pleasures (2020)
Gênero: Experimental
Duração: 1h 5min
País: Estados Unidos

Prazeres Circunstanciais

Filme de Plástico

Desde a sinopse, “Prazeres Circunstanciais” traz o experiente realizador e professor norte-americano Lewis Klahr em sua firme proposta de contemplação do atual zeitgeist. Todavia, vale uma observação existencial sobre nossa total falta de controle sobre o zeitgeist dos últimos tempos, principalmente a partir de março deste ano. Uma sociedade que se viu impedida de realizar trocas diretas, que precisou se adaptar a desenvolver quase todas as suas atividades dentro de casa, através de um ecrã. Porém, o cineasta nos fornece ferramentas de consolidação do momento no qual passamos – e que, no caso dos Estados Unidos, terá em 2020 dois grandes eventos fundamentais.

O primeiro já passou, ocorreu de forma espontânea. O movimento Black Lives Matter, que há alguns anos vem aumentado sua penetração nos debates públicos, explodiu de vez com o assassinato de George Floyd pelo policial Derek Chauvin, em Minneapolis. O filme de Klahr não poderia deixar de abordar a questão racial em suas colagens – mesmo que ela surja de maneira residual, já que a intenção da criação aqui pareça seguir o viés mais econômico. Portanto, a tensão relacionada à raça aparece por força dos indicadores sociais, também expressão velada do racismo da sociedade norte-americana.

O segundo evento tem data marcada e acontece a cada quatro anos. Dia 3 de novembro saberemos se Donald Trump seguirá como Presidente do país de Klahr e outras trezentas e trinta milhões de pessoas. “Prazeres Circunstanciais” surge, então, como um grande panorama do que define a sociedade na qual se insere. Seus elementos de destaque nas sequências curtas que compõe o todo já seriam o suficiente para compreendê-la. Vale destacar dois. Um barril de petróleo surge de forma constante, nas mais diversas proporções em relação ao restante da criação cênica do diretor. Uma commodity que tempo nenhum diminui a relevância. Todavia, ao longo do governo do agente laranja, a exploração de petróleo e gás ganhou uma importância crucial para os Estados Unidos. E, vejam bem, seguindo políticas pensadas pelo administração anterior, de Barack Obama. Vale a menção ao nosso texto sobre o filme “A Nova Era do Petróleo“, que assistimos durante a cobertura da 9ª Mostra Ecofalante de Cinema e que desenvolve essas questões.

Outro elemento é a pílula. Várias, de todas as cores, alinhadas a outras formas de entorpecimento da população, legais ou (ainda) ilegais. A indústria farmacêutica virou peça-chave na contemporaneidade, porque estamos todos doentes. Das mais diversas maneiras. O psicológico que afeta o corpo, que não deixa a mente se curar. Um looping de dores e angústias – e auto-mediação. Sensação recriada por Klahr na trilha, que se vale da noise music, tal qual outra obra assistida ao longo do Festival Ecrã, chamada “CidadeFantasma“. Aliás,as duas produções dos Estados Unidos dialogam entre si. Isto porque “Prazeres Circunstanciais” se utiliza da simbologia norte-americana como protagonista, tal qual o média-metragem de jonCates. Porém, enquanto o faroeste da sessão anterior traz os símbolos clássicos, aqui estamos diante de uma criação mais cosmopolita – e mais moderna.

As provocações do diretor vão quase sempre no sentido da economia. Atrela o consumo à radioatividade e traz algumas vezes metáforas da precarização do trabalho, com braços esmagando pontos de fábrica. Uma política que nos serve e nos destrói. Permite que produtos se mantenham a preços atraentes, garantindo maior lucro da classe empresária. Mas, ao mesmo tempo, acaba com a saúde do trabalhador, diminui seus ganhos – e mais adiante lhe tira o sustento.

O realizador também usa a semiótica para subverter (e tornar subversivo) o vermelho. Se pensarmos no que a cor representa (e Klahr de forma genial faz toda a relação), a perspectiva pode torná-la amiga ou inimiga de Trump. Geralmente parte da dicotomia entre os partidos Democrata (azul) e Republicano (vermelho), mas também se relaciona à Rússia, China e Coréia do Norte, um eixo que a política norte-americana tende a colocar do outro lado da mesa. Há, ainda, um espelhamento, que aborda o ódio aos imigrantes com a reconstituição de vistos negados no trecho inicial para alcançar a Estátua da Liberdade sem cabeça ao final. “Land of the free” para quem?

O último dos seis filmes de “Prazeres Circunstanciais” é o mais impactante, visto que o cineasta se aprofunda na simbologia e insere todas as criações anteriores em um ritmo mais intenso. Além disso, a canção escolhida torna essa parte final uma espécie de ópera surrealista que, com o auxílio de filtros de plástico-bolha rapidamente inseridos e retirados, nos faz pensar se, algum dia, o audiovisual tradicional dos Estados Unidos irá desplastificar suas representações, tal qual o cinema alternativo e experimental de criadores como Lewis Klahr faz de forma tão brilhante.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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