Sinopse: Ainda se debate se a Humanidade mudou irreversivelmente o planeta ou não. Hoje, o progresso é nossa razão de ser, proporcionando a eterna promessa de uma melhor qualidade de vida. Mas por trás da impressionante história do progresso, esconde-se outra história. Uma história escrita pelos poderosos: lideranças políticas, industriais, químicos, lobistas e financiadores que, ao longo de dois séculos, modelaram o nosso modo de vida. Mas eis que surge de uma nova era, trazendo consigo as sementes da mudança climática: o antropoceno. “Breakpoint: Uma Outra História do Progresso” se propõe a traçar a linha do tempo que nos trouxe até aqui.
Direção: Jean-Robert Viallet
Título Original: L’Homme a mangé la Terre (2018)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 38min
País: França
A Aula que Você Já Esqueceu
“Breakpoint: Uma Outra História do Progresso“, documentário francês dirigido por Jean-Robert Viallet é, até agora, o mais carregado de didatismo dentro da programação da 9ª Mostra Ecofalante de Cinema. Traça, ao longo de mais de noventa minutos, uma linha argumentativa para atingir o momento ao qual vivemos, a era antropocêntrica, onde a Humanidade substitui de vez a Natureza como definidora dos aspectos ambientais do planeta. Fica a impressão de estarmos diante de uma grande aula de História, pois a montagem linear e a maneira como os fatos são apresentados e se sobrepõem são pensados na medida para quem não tem familiaridade com assuntos sócio-políticos – ou quer apenas pensar em perspectiva.
Uma frase chama a atenção nos primeiros momentos do longa-metragem. “Tecnologia é a imaginação humana convertida em realidade“. Um slogan que sedimenta o caminho da construção de uma fórmula difícil de se contra-argumentar: progresso = conforto + destruição. A Humanidade conseguiu inaugurar uma nova era geológica sob a desculpa de avançar e facilitar sua rotina. Produção de riqueza, mas de miséria na mesma proporção. Esse ineditismo do comportamento do clima da Terra suscita dúvidas sobre nosso futuro, mas a Economia parece não ligar muito.
O filme, então, inicia sua jornada mostrando como as desculpas para o caos travestido de progresso sempre foram utilizadas. Retorna ao período da Revolução Industrial, mais precisamente quando a exploração do carvão como fonte de energia foi apresentada com uma solução para o desmatamento incontrolável dos séculos anteriores na Europa. O aumento exponencial da população faria com que as florestas não aguentassem a demanda. A Humanidade comprou a ideia e abriram-se as portas para políticas econômicas de incentivo ao consumo, crescente exploração do homem pelo homem até que as máquinas viessem para cumprir esse papel.
“Breakpoint: Uma Outra História do Progresso” deixa bem claro – e assim verbaliza – que o progresso tem seus vencedores e perdedores. O mais excepcional é que eles são facilmente identificáveis e, mesmo assim, a harmonia quase sempre reina entre esses grupos. Retoma a eleição do petróleo como grande riqueza e sua relação com a abundância da matéria-prima em território americano, um assunto que ganhou novos contornos nos últimos anos e pudemos tratar em nossa crítica sobre “A Nova Era do Petróleo” (2019). Antes do fordismo e do uso de guerras como fomento à economia, ganha destaque no documentário a substituição dos transportes de massa nas grandes cidades.
Aqui está um ponto que nunca foi, de fato, debatido. Quando as metrópoles começavam a se tornar mais complexas, com demanda cada vez maior de circulação de pessoas (e por períodos mais extensos ao longo do dia), o Ocidente desmontou quase todas as redes de bondes e substituiu por carros e ônibus. Assim como nos Estados Unidos, aqui no Brasil a forma antiga era, além de tudo, originária de empregos e incentivadora ao empresariado pequeno. Digo isso porque meu avô chegou a juntar por anos o que tirava de sua pequena loja a fim de comprar uma “lotação”. Hoje, tanto no Rio de Janeiro quanto em todo o Brasil, o transporte público urbano está nas mãos de uma máfia de poucos – um grupo, por sinal, intocável. Quando encontra vias alternativas, é oprimida por uma nova máfia informal.
O longa-metragem segue sua trajetória como uma espécie de “História da Riqueza Contemporânea das Nações”. Traz a crise do final da década de 1920 e a consequente ascensão do nazismo alemão em 1933 e para aqueles que se interessam por esses assuntos, é quase como uma revisão. Há espaço para desenvolver questão paralelas muito interessantes, claro. A principal delas fica por conta da origem do conceito do subúrbio americano, aquele que Hollywood enfiou na nossa goela a partir da Era de Ouro e deixa todo mundo encantado por morar em ruas muito bonitas, em casas que nem cerca têm. A realidade é que esse processo uniu a solução para o déficit habitacional dos Estados Unidos nos anos 1950 com a possibilidade de criar endividamentos eternos com o sistema de hipotecas. Bolhas imobiliárias estouram – e seguirão estourando – até hoje por lá.
Outro destaque também dialoga com esse período mágico e colorido da década de 50, os Anos Dourados. Por sinal, um período da História que segue romantizado até hoje e que, como podemos ver no filme, tem peso fundamental no aprofundamento de alguns problemas estruturais com graves consequências atualmente. Ali os pesquisadores já traziam possibilidade de exploração de energia limpa e renovável, como a solar e a eólica. A Humanidade perdeu a oportunidade por conta do esmagamento de grandes corporações, que estão até hoje nos fornecendo energia, como a General Electric. A parte final de “Breakpoint: Uma Outra História do Progresso” se preocupa em qualificar as garras do imperialismo ianque, algo também inexplicavelmente fácil de se impor.
Em relação ao agronegócio, a América do Norte por meio de seus magnatas incentivou a exploração de áreas em países de grande proporção e uma densidade demográfica ainda baixa. Boa parte da América Latina e da Índia foram invadidas por Rockefeller e representantes da Monsanto – que começou com uma aspirina e passou a ditar os rumos da alimentação no planeta. No Brasil não foi diferente e o filme nos ajuda a entender essa máxima ufanista que nos leva a crer que, aqui, “tudo o que (os Estados Unidos quer que) se plante dá”. Já a Europa aceitou a cooptação cultural e mudou drasticamente seus hábitos de consumo na segunda metade do século XX. Com a globalização, estava aberto o caminho para o antropocentrismo.
Assim a roda do mundo gira, com Presidentes norte-americanos brincando de achar Comunismo em outras civilizações. Para os parceiros, pregam liberdade econômica para os outros, enquanto aplicam o protecionismo para a sua indústria. “Breakpoint: Uma Outra História do Progresso” não avança muito a partir do governo Jimmy Carter e a primeira crise do petróleo na década de 1970. Ali talvez tenha sido a última chance deste modelo econômico ser abandonado. Ao contrário, ele foi aprimorado. Mesmo com o nascimento e crescimento sustentável de lutas por causa ambientais, hoje passamos do consumo de um milhão de barris de petróleo por dia. Tanto que o “Fantasma do Comunismo” está cada vez mais sumido porque ele é, na verdade, um processo natural de conscientização de uma sociedade em crise. Mas a solução encontrada pelo Capital foi brilhante: ninguém percebe o quão atolado na lama está nesse momento.