Cabaret Mineiro

Cabaret Mineiro Filme Brasileiro Crítica Pôster

Sinopse: Durante uma viagem de trem pelo norte de Minas, o aventureiro Paixão conhece Salinas, por quem se apaixona à primeira vista. Os dois se amam na cabine leito e, de manhã, ao acordar, ele percebe que ela não está mais lá. Paixão irá viver as mais diversas aventuras amorosas, enquanto sonha com a amada que desapareceu de sua vida.
Direção: Carlos Alberto Prates Correia
Título Original: Cabaret Mineiro (1981)
Gênero: Musical | Drama
Duração: 1h 8min
País: Brasil

Cabaret Mineiro Filme Brasileiro Crítica Imagem

Road, Sexy and Crazy Movie

Vencedor do Festival de Gramado de 1981, a nona edição do evento, “Cabaret Mineiro” traz a junção de referências e linguagens de seu tempo. De um Cinema Brasileiro que clamava por uma libertação desbundante através dos corpos. Visto quarenta anos depois, em uma revisitação da Apostila de Cinema de quatro obras que ganharam o prêmio máximo como preparativo para a mostra de 2021, o filme de Carlos Alberto Prates Correia pode soar datado, objetificante, de alegorias atravessadas – como não deveria deixar de ser quando atraímos narrativas deste período para uma visão contemporânea.

Porém, se fizéssemos isso cairíamos no próprio reducionismo que o cineasta evitava quando de sua apresentação. Hoje com oitenta anos, foram poucos os longas-metragens de Correia. A este projeto exitoso se seguiram outros três na mesma década. Porém, após “Minas-Texas” (1989), ele lançou apenas o documentário “Castelar e Nelson Dantas no País dos Generais” (2007). O realizador aqui parece refletir bem uma era de desolação. Não apenas do cinema enquanto linguagem, em uma guinada da pornochanchada que fez do audiovisual nacional popular um pouco mais óbvio. O desgaste da ditadura militar e a crise econômica aprofundada, transformou os entusiastas do Milagre Econômico inconsoláveis viúvas.

O júri de Gramado comprou as provocações de “Cabaret Mineiro“. Não apenas o prêmio de melhor filme foi dele, mas também direção, ator (para Nelson Dantas, empatado com José Dumont por “O Homem que Virou Suco“), atriz coadjuvante (para Tânia Alves), a edição de Idê Lacreta, a trilha sonora de Tavinho Moura e a fotografia de Murilo Salles (em prêmio duplo, apresentando “Eu te Amo” na mesma edição). Este também seria lembrado com um candango no Festival de Brasília de 1980 – e já mencionamos por aqui seu trabalho quando de nossa crítica de “Árido Movie” (2005).

Pela lista de laureados, temos uma boa percepção do que funciona no filme. O diretor entrelaça uma narrativa a partir do onírico em um improvável e pouco óbvio musical. Inicia pela trilha, vai criando sequências de apresentações de cabaré e termina na forma clássica e direta, tendo a talentosa Tânia Alves como figura central. Apesar de uma composição que usa pontos distantes de uma história, flertando com a dúvida entre real e sonhado, a montagem de Lacreta torna uma aparente confusão esfuziante em uma obra compreensível, palatável – usando o prazer como agregador. Ela, que esteve aqui na Apostila de Cinema como responsável pela edição de “Zimba” (2021), iniciava sua carreira com esta ficção para, depois de se destacar ainda mais no período da Retomada, equilibrar em seu portfólio o documental.

“Cabaret Mineiro” é um road e sexy movie, que satiriza a figura do cowboy (com a bandeira dos Estados Unidos ao fundo e uma raquete de tênis nas mãos) e entrega o protagonismo ao matuto. Usa como base o conto “Sorôco, Sua Mãe, Sua Filha” de Guimarães Rosa – e ganha força na maneira como Nelson Dantas usa a poética em texto empostado, quase como se enxergássemos nas representações a visão turva entre o marginal e a pornochanchada – sendo política de forma residual, mas não deixando de ser. No léxico de Rosa, sororocar seria algo como agonizar – e Paixão, protagonista do filme, revive as experiências de Sorôco, ao parecer quase um moribundo em uma realidad.e onde ele perdeu seu bem mais precioso, a família – aqui o amor de Salinas (Tamara Taxman)

Correia atualiza a visão acerca da leitura, ressignificada para um Brasil próximo, porém diferente do início dos anos 1960, quando o escritor botou luz sobre seu escrito. Do conformismo e necessidade de adaptação do prólogo, em que um senhor passa sua dentadura em uma rapadura a qual não conseguirá comer, ao fascínio e medo do desconhecido do homem que é perseguido por um disco voador – algo até um pouco parecido com o estranhamento do início de “Bacurau” (2019). Mantém a áurea de narrativa confusa e difusa de Rosa, que faz de seu conto uma história imprecisa de um testemunho atravessado, daqueles que “ouviu dizer”. Como uma boa fofoca ou notícia que atravessa o tempo pela comunicação verbal (e mutável para que o receptor a compreenda da melhor maneira). Algo que o Cinema não consegue fazer porque suas criações e representações são estanques. O estranhamento do espectador em 2021  não será o mesmo do dia 1981 – são várias leituras, mas com fonte primária única.

Ao seguir a ordem de um musical fluido, multilinguagem e – nas palavras de uma das canções – de bunda virada, Correia torna a obra mais divertida, ampliando o conceito de sacanagem ao nos lembrar da goleada da Argentina sobre o Peru na Copa do Mundo de 1978. Se o regime militar usou o título de 70 como arma de propaganda de uma economia que ia bem, aquela sequência de gols esquisitas que nos tirou da final oito anos depois sem dúvida consta nas páginas de um novo ciclo de decadência da nação. A partir de nova versão de “Para Esquecer / Nunca… Jamais” de Noel Rosa à canção-título, em que Tavinho Teixeira transforma em música  poema de Carlos Drummond de Andrade da década de 1930, passando pelo clássico de Roberto Carlos, “Lady Laura”

Nos sonhos de Paixão começamos pela carne e pela esperança de que aquele prazer de outros tempos nos reencontrará, em algum momento e mesmo que sob novas formas. Filmado em Montes Claros, Contria e Grão Mogol, é com um folguedo que o filme se encerra. Assim como a “Rosa Tirana” (2021) de Rogério Sagui o fez pela ótica da inocência, “Cabaret Mineiro” é uma ópera popular, de simbologias culturais do Brasil de dentro pela ótica da safadeza. Feito para um país que precisava voltar a acreditar que tudo era possível e que chegava mais um momento de se libertar.

Veja Tânia Alves cantando “Cabaret Mineiro”:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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