CineOP | Cine-Escola
A décima quinta edição do Cine OP – Mostra de Cinema de Ouro Preto, que acontece entre os dias 3 e 7 de setembro de 2020, tem um recorte de obras selecionadas para fomentar debates. Sendo esta a função principal da Apostila de Cinema, que sempre procura no audiovisual formas de entendimento da sociedade, do indivíduo ou de coletividades, não poderíamos iniciar de maneira diferente a cobertura completa do festival. A Sessão Cine-Escola conta com sete obras (um longa-metragem e seis curtas). O texto curatorial oficial assim a define:
As sessões Cine-Escola são pensadas para faixas etárias específicas e com temáticas que buscam refletir o cinema como ferramenta pedagógica. Mesmo a CineOP realizada remotamente, a proposta é manter a proximidade com os estudantes das várias idades atendidos pela Universo Produção: eles são parte essencial da preocupação do evento em formar novos olhares e novos espectadores para o cinema brasileiro. Entre os filmes exibidos em 2020, estão vários curtas-metragens que se relacionam às ideias das temáticas e à busca por reflexões sobre a importância do audiovisual no processo de educação.
Seguem nossas análises das sete obras que compõe o recorte Cine-Escola desta edição:
CineOP | Cine-Escola
Índice de Filmes
(clique em seus nomes e seja direcionado ao texto correspondente)
Antes que vire pó
Dela
Renascida das águas
Tem um monstro na loja
Torcida Única
Trincheira
Ficha Técnica da Mostra Cine-Escola
CineOP | Cine-Escola
Antes que vire pó
(Danilo Custódio, 2020)
O curta-metragem “Antes que Vire Pó“, do diretor Danilo Custódio, abre nossas análises da Sessão Cine-Escola com uma obra ótima para apresentação de mensagens além daquelas inseridas dentro da narrativa. Pensado no recorte do festival para crianças entre 8 e 10 anos, trata-se de uma história simples, de um menino que encontra um filhote de passarinho no quintal de sua casa em Curitiba e decide cuidar do animal. Nas lições diretas do filme, se destaca o estranhamento da crianças por saber que as mães de algumas espécies deixam os filhos encararem o mundo muito mais cedo que nós, humanos. Em contrapartida, sua vontade de “ensinar” o pássaro a voar é frontalmente rebatida pela sua mãe, que dá a entender que, para ensinarmos algo, precisamos ter domínio sobre o assunto.
Por sinal, um recado que precisa ser absorvido por muito adulto que acha que consegue doutrinar em questões que não possui o devido preparo. Por fim, o curta-metragem se revela uma grande alegoria sobre o entendimento acerca da morte, de uma forma que não potencializa na criança um evento traumático. Mas, além de tudo isso, “Antes que Vire Pó” adiciona a possibilidade de troca com os pequenos sobre o próprio fazer audiovisual. Uma obra que se vale de boas e simples premissas de linguagem, como a trilha sonora – em forma de canção do cantor Douglas Dakombi – que aparece na abertura e encerramento do filme e como momento-chave no desenvolvimento. As elipses, passagens do tempo e montagem com reação x apresentação do fato no clímax da trama. Além disso, a narrativa metaforizada se desenrola em um roteiro com a complicação na medida certa para trazer em uma sala de aula uma introdução sobre as grandes possibilidades que essa manifestação artística nos permite (Jorge Cruz).
CineOP | Cine-Escola
Dela
(Bernard Attal, 2018)
Poético curta-metragem exibido na Sessão Cine-Escola, “Dela” do realizador Bernard Attal começa em um fade out, iniciando em uma imagem do mar da Bahia que adentra a Ilha de Itaparica. Fazendo uma conexão com a chegada dos navios negreiros ao Brasil, a obra retoma nossa história inicialmente falando sobre essa chegada de africanos ao país até o século XIX e depois explorando as dificuldades enfrentadas pela protagonista Mandela.
Em uma ficção que explora o preconceito racial ainda enraizado em nossa cultura, o diretor narra a descoberta identitária da menina. A partir de algumas situações iniciadas em episódios de racismo, Mandela Lima começa a entender suas origens a partir da conversa com o pai que explica de onde surgiu seu nome e a importância de Mandela para o combate ao racismo e valorização da cultura negra.
Dela vive situação semelhante à de muitas crianças negras no país. A maneira jocosa como seu nome é recebido pelos demais alunos e as piadas feitas com seu cabelo são, infelizmente, pontes para se discutir ocorridos equivalentes no cotidiano de muitas outras crianças.
Ao mostrar o nascimento da autoestima e da compreensão da importância de outros negros, como Nelson Mandela, o filme pode, em poucos muitos, iniciar um debate importante nas salas de aula: trazer um pouco da história da (re)construção do território do país a partir da chegada dos portugueses e da vinda forçada de africanos. Pode, ainda, iniciar esse processo de autovalorização em crianças que, como Dela, começam a descobrir a partir do reconhecimento do valor do outro seu próprio valor. (Roberta Mathias)
CineOP | Cine-Escola
Renascida das águas
(Julio Quinan, 2019)
“Renascida das Águas“, uma animação dirigida por Julio Quinan, tem dupla via educacional. A primeira é sobre o processo de criação coletiva, por se tratar de um curta-metragem desenvolvido em sala de aula, a partir de um curso de formação nesta linguagem audiovisual. A segunda é sobre o objeto em si da obra. O filme conta a história da cidade de São Simão, no sul de Goiás, que sofreu deslocamento territorial e refundação na década de 1970, quando se instalou uma usina hidrelétrica na região.
Com faixa etária sugerida de cinco a sete anos, é uma história simplificada do que seria – à primeira vista – um avanço, mas que possui seu custo. Não se esquiva das tensões sociais causadas por quem não concorda com a desocupação de suas casas e reconfiguração da cidade onde mora e aborda o que seria a contrapartida do empreendimento, ao possibilitar o surgimento da Nova São Simão. Alinhado com a proposta de desenvolvimento de um pensamento crítico, expõe sem fazer juízo de valor os fatos, ao mesmo tempo históricos mas que seguem ocorrendo como política de Estado em nome do processo. (Jorge Cruz)
CineOP | Cine-Escola
Tem um monstro na loja
(Jaqueline Dulce Moreira, 2019)
Em “Tem um Monstro na Loja” as crianças poderão ter acesso, de forma lúdica, às carrancas, tipo de escultura de madeira que virou tradição do artesanato brasileiro no final do século XIX e tem um Pirapora, município de Minas Gerais (onde o curta-metragem se passa) um dos principais pólos de produção. A diretora Jaqueline Dulce Moreira traz a personagem Ana Galocha, uma menina que ajuda a família na loja de produtos artesanais em sua cidade, Paçoquinha. Um dia, ela se assusta com a presença de um monstro, que depois descobre ser uma carranca. Uma animação que se vale da narração em off por todo o tempo e acaba se assemelhando aos livros infantis que fazem com que as crianças formem suas narrativas a partir da voz do responsável pela leitura.
Além do didatismo em relação a esta manifestação cultural brasileira, há uma bonita lição sobre troca de conhecimento, materializada quando a protagonista convoca os colegas de escola a ter contato com as mesmas informações que ela recebeu no dia anterior. Há um grande potencial serialístico na personagem, assim como a Isah do curta-metragem “Sonhos da Isah: O Baú do Papai“, que se destacou no Festival de Cinema do Meio do Mundo e participou da mostra popular do Festival Taguatinga de Cinema. Esperamos rever Ana Galocha e suas interessantes aulas sobre cultura popular em breve. (Jorge Cruz)
CineOP | Cine-Escola
Torcida Única
(Catarina Forbes, 2019)
“Torcida Única” nos transporta para o final de novembro de 2008, quando o São Paulo conquistou pela terceira vez consecutiva o Campeonato Brasileiro de futebol. Catarina Forbes traz uma obra de expectativa sobre a partida que daria o título. A família do curta-metragem se programa para assistir ao jogo no Morumbi, mas nem todos irão. Trata-se de mais uma obra que dialoga com as referências infantis, seu contato com o futebol (e em um recorte de classe e territorial a relação com o estádio de futebol) – ao mesmo tempo que possibilita o destrinchamento da linguagem audiovisual aos mais jovens. Boa passagens de tempo, uso de enquadramentos fechados e planos-detalhes com didatismo e funções bem claras para a narrativa.
Todavia, o que provocará mais discussão no filme é essa relação com a protagonista feminina, ausente do estádio. Vendo o jogo pela televisão, frustrada por não estar com o pai e os irmãos homens (e também com a mãe que não se interessa em assistir com ela a partida) – ela reconfigura o conceito de torcida única (que em São Paulo é a regra quando os dois clubes são do Estado como medida de prevenção à violência). A abordagem de questões culturais que deixam as mulheres do lado de fora da realidade do futebol é fundamental. Não apenas como torcedoras, mas como árbitras, jogadoras, narradoras, comentaristas, jornalistas. O esporte mais popular do Brasil – praticamente sem concorrentes na questão econômica – ainda é predominantemente masculino. Para aquela menina, apaixonada pelo São Paulo, o jogo parece ter terminado antes mesmo de começar. (Jorge Cruz)
CineOP | Cine-Escola
Trincheira
(Paulo Silver, 2019)
O curta-metragem ficcional “Trincheira”, do cineasta Paulo Silver, mostra a inventividade de Gabriel, que faz um aterro de lixo em Alagoas se transformar a partir de suas brincadeiras.
Acompanhando as narrativas inventadas pelo menino, nos perguntamos a quantidade de lixo capaz de ser produzida por um ser humano diariamente. Localizado nos fundos do condomínio no qual mora Gabriel, a quantidade de objetos abandonada é tão diversificada que torna possível a criação de diversos universos paralelos.
Assim, a obra fala sobre a ressignificação dos resíduos, mas também não deixa de ser uma crítica ao modo como interagimos com os objetos que nos cercam e à capacidade de descarte desses no mundo.
O diretor aborda a relação homem/ natureza de maneira semelhante a alguns filmes da Mostra Ecofalante, que segue com cobertura por Jorge Cruz aqui na Apostila de Cinema. O tema, cada vez mais urgente, precisa ter entrada para espectadores de todas as idades. (Roberta Mathias)
Ficha Técnica Cine-Escola
Antes que vire pó (Danilo Custódio, 12min – 2020)
Sinopse: Luan é um garoto sensível que acolhe um passarinho. A partir daí, começa a refletir sobre a fragilidade da vida e se depara com o fato de que nada dura para sempre, ao mesmo tempo em que descobre que o máximo que podemos fazer a respeito é cuidar de tudo com muito amor, antes que vire pó.
Dela (Bernard Attal, 8min – 2018)
Sinopse: Dela mora na Ilha de Itaparica com seu pai, Agenor. Na escola nova, os colegas acham seu nome estranho e seus cabelos esquisitos. A menina questiona seu pai, e a história que ele conta muda a forma como ela vê a si mesma!
Renascida das águas (Julio Quinan, 3min – 2019)
Sinopse: Para a construção de uma das maiores hidrelétricas, uma bela paisagem deve ser destruída. No meio do caminho, uma pequena cidade resiste à mudança.
Tem um monstro na loja (Jaqueline Dulce Moreira, 11min – 2019)
Sinopse: Filme que conta a história da Ana Galocha, uma personagem infantil criada para contar às crianças sobre a cultura, hábitos e tradições da vida rural, principalmente do estado de Minas Gerais. Neste filme ela descobre sobre a carranca e em meio às confusões e mistérios, ensina sobre o valor cultural das carrancas e da importância das crianças saberem sobre as peças históricas da sua terra.
Torcida Única (Catarina Forbes, 9min – 2019)
Sinopse: Na penúltima rodada do Campeonato Brasileiro de 2008, o São Paulo jogaria com o Fluminense no Morumbi por uma vitória para ser campeão. No meio disso, acompanhamos a família de Laura e a expectativa dela, do pai e dos irmãos para ir ao Morumbi acompanhar o jogo, o qual supostamente, todos compareceriam.
Trincheira (Paulo Silver, 14min – 2019)
Sinopse: Num aterro de lixo, um garoto observa o imponente muro de um condomínio de luxo. Gabriel usa de sua imaginação para construir seu mundo fantástico.
Clique aqui e assista aos filmes na página oficial do evento.
Clique aqui e acompanha a cobertura completa do CineOP 2020 pela Apostila de Cinema.