Sinopse: Em “Crônica do Espaço”, Dighu (interpretado por Neel Deshmukh), um calado e observador menino de oito anos, não sabe se um dia voltará a morar em sua cidade natal, Pune, de onde partiu com sua mãe e irmã rumo à região de Konkan, na chuvosa costa oeste indiana. Ele tampouco sabe para onde foi seu pai, ou mesmo quando ele irá retornar. Os dias se encadeiam como notas soltas em um diário, como o rio que inevitavelmente corre em direção ao mar. Nessa crônica sobre o amadurecimento e o luto, são as lacunas, as incompreensões, os sonhos e distrações, próprios do período da infância, que nos guiam pela passagem do tempo e seus mistérios.
Direção: Akshay Indikar
Título Original: Sthalpuran (2020)
Gênero: Drama
Duração: 1h 25min
País: Índia
Magnitude da Ausência
Sair do território que você chama de lar sem saber se um dia estará de volta. “Crônica do Espaço” surge, em um dia sete de junho qualquer (ou especial), com a dúvida do menino Dighu: voltaremos a Pune? Akshay Indikar constrói um longa-metragem com a aplicação clássica do olhar de uma criança sobre um fase potencialmente traumática da vida. Exibido no mostra Outros Olhares do 9º Olhar de Cinema, nos remete de certa forma ao curta-metragem “Lacrimosa“, de Matheus Heinz, selecionado para a mostra gaúcha do Festival de Gramado deste ano.
Exibido no Festival de Berlim, o filme do cineasta Akshay Indikar – de apenas 27 anos – dificilmente não será um assíduo frequentador do circuito. Seu terceiro longa-metragem, o segundo usando a ficcionalidade, comunga com o entendimento de que o poder da imagem tem aumentado de proporção em confronto com a palavra. Talvez no audiovisual humanizado, sem a ditadura das cifras, a forma como os talentosos artistas vêm se opondo aos discursos de ódio é, sempre que não houver necessidade, suprimi-los.
É possível que “Crônica do Espaço” seja emblemático nesse sentido. Começando por seu próprio título. Há quem se pegue desavisadamente acreditando se tratar de uma obra que flertaria com o fantástico. O menino no pôster, com um fundo que não se identifica, olha ligeiramente para o alto. Aos poucos as ideias por trás das palavras ganham vida. Tirando o verniz do sobrenatural – que naturalmente buscamos no cinema – o espaço pode ser o ponto do mundo que lhe cabe, que você pode dizer que é seu. Dighu precisa aliar essa perda de um espaço à busca de outro – sem compreender porque não possui mais a companhia de uma pessoa tão fundamental. Já o nome da cidade de onde ele sai, Pune, em sânscrito significa “cidade da virtude”, provavelmente por sempre ter concentrado áreas de meditação em seu entorno. Ao sair desse território, o protagonista talvez se liberte um pouco dessa imposição por virtude, de um comportamento moral que lhe seja exigido.
A maneira como essa forma infantil de observação se apresenta é carregada de uma humanidade, na face mais sensível. O protagonista a todo instante surge como um indivíduo em formação, seja na alfabetização, aprendendo a olhar as horas em relógios de ponteiros ou fazendo questionamentos fundamentais e ao mesmo tempo complexos para os adultos superarem (por que o dia tem 24 horas?, ele pergunta, por exemplo). A magnitude da ausência da figura paterna não depende de costuras dramáticas e verbalizações gordurentas. Pelo contrário, Indikar aposta na leveza e no onírico para traçar sua narrativa.
Em entrevista aos curadores do Olhar de Cinema, o diretor tratou da importância de sua participação em quatro construções do filme: roteiro, direção, montagem e design de som. Entende que cada fase revela uma história diferente. Principalmente quando estamos lidando com o protagonismo de uma criança. Ao mesmo tempo, ele parece ter ciência de onde se ganha esse jogo. “Crônica do Espaço”, se tivéssemos uma versão presencial do Festival Internacional de Curitiba, poderia ser vizinho de sessão de “Um Filme Dramático“, documentário francês que compõe a mostra competitiva. Eric Baudelaire assume a intenção de aplicar o olhar das crianças, deixando com elas a própria captação das imagens. Na produção indiana há uma perspectiva parecida, sob a desculpa de ser uma passagem da existência do protagonista uma grande aventura desenvolvida por ele mesmo.
Passando pela amizade com a irmã, Dighu abandona a simplicidade – em todas as suas concepções. Daquela que fornece segurança de uma família harmoniosa e sólida à troca do região onde vive em Pune pela monstruosidade do centro da cidade, onde ele vai atrás do pai. Todavia, o que o torna “Crônica do Espaço” tão envolvente é justamente as possibilidades de troca de perspectiva, algo mais difícil sob o manto documental da outra produção. Somos Dighu, mas há momentos em que nos afastamos – para, em outros, buscarmos junto com ele o olhar. Somente na função de direção essa condução consolidada na montagem seria possível, fazendo com que a aceitação da realidade fosse o grande objetivo em comum de espectador e personagem.
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