Sinopse: Uma janela para um processo de treinamento raramente visto, “Cuidadoras a Caminho” revela os meandros de um centro de treinamento na Indonésia para trabalhadoras domésticas que buscam ser empregadas no exterior. A cada ano, milhares se inscrevem nesses centros para conseguir trabalho em Hong Kong, Singapura ou Taiwan, onde têm chances de conseguir uma remuneração que lhes permita prover para suas famílias, que ficam para trás. São muitas as razões para essa escolha – necessidade, imposição da família, desejo de emancipação. O documentário procura explorar algumas delas.
Direção: Ismail Fahmi Lubis
Título Original: Help is on the Way (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 30min
País: Indonésia
Por Contra Própria
Dentro do recorte sobre trabalho no panorama internacional contemporâneo na 10ª Mostra Ecofalante de Cinema, “Cuidadoras a Caminho” se inicia com dois dados. Quase 3,5 milhões de indonésias migram temporariamente de seu país, deixando para trás família, por vezes marido e filhos, para obter uma renda maior em outras nações. A média do salário dessas mulheres é seis vezes maior do que em sua terra natal. A partir daí, a narrativa imersiva criada por Ismail Fahmi Lubis passa pela curiosidade e pela troca de experiências. Porém, o grande pilar da abordagem é como a oferta de material humano permitiu que as crises fabricadas pelo Capitalismo atingissem de forma direta os trabalhadores.
Como vem ocorrendo nas não-coincidências entre as janelas de exibições de filmes dos festivais e a realidade de um Brasil que está se auto implodindo (falamos disso na crítica de “Curral” e a tentativa de retorno do voto em papel nas eleições de 2022), ao término da sessão online do documentário as manchetes dão conta de que uma nova reforma trabalhista aprovada na Câmara dos Deputados – tornando permanentes algumas medidas excepcionais e temporárias de manutenção do emprego – nos levará à criação de uma classe trabalhadora sem CTPS assinada, décimo terceiro e férias, dentre outros retrocessos. O futuro da América Latina começa a ser desenhado e pode ser vislumbrado de forma ainda segmentada em alguns setores. E é sombrio, claro.
A migração das mulheres da Indonésia mostrada em “Cuidadoras a Caminho” é reflexo claro da uberização. Uma das faces mais destruidoras dos anos recentes de globalização, a relação de oferta e demanda não envolve mais produtos e sim pessoas – sempre pelo argumento da competitividade. Ou melhor, não tardará o momento em que será mais fácil chamar os trabalhadores (que passaram a ser prestadores, depois autônomos – e agora são empreendedores) de produto mesmo. Com isso, casas de família da Malásia, Taiwan, dentre outros territórios, passam a empregar essas migrantes, devido ao baixo custo e à fidelidade e dependência de quem aceita se deslocar milhares de quilômetros de casa pelo desespero de dar perspectiva de futuro para a família.
A montagem de Nick Calpakdjian traz ao final uma conclusão ainda mais desoladora, ao mostrar um casal de idosos refletindo sobre o que se tornou a Indonésia pelo olhar da filha que se despediu. Um legado derrotista que toca fundo neles – e que já começa a gerar sentimentos parecidos por essas bandas. Sendo assim, o filme acompanhará uma espécie de cooperativa que promove o treinamento e agenciamento dessas futuras profissionais. Além de cadastrá-las de acordo com pesos, medidas e proficiência em idiomas, elas ainda recebem importantes conselhos sobre como se portar e como evitar que a experiência no novo país não provoque um deslumbramento.
A ideia é fazer dinheiro e voltar, mas algumas seguirão outros caminhos. Ao chegar nesses territórios, procuram estudar, escrever ou criar outras oportunidades que não tornem aquelas vivências uma missão flagelante. Lubis transita entre dois mundos, apresentados de forma paralela. Não apenas pela ótica de quem se prepara para sair, mas pela observação de quem está em Taiwan, em diversas etapas deste percurso. Algumas falas em javanês ou orações em árabe propositalmente não são legendadas, quase como se preservasse o único direito que resta, mesmo que de forma mitigada, àquelas pessoas: a privacidade.
Em “Cuidadoras a Caminho” fica claro que a massa de estrangeiros é vista pelo prisma estereotipado, tanto cultural quanto comportamental. Nessa ponte área constante, o longa-metragem mantém uma conexão e torna mais nítida a diferença entre o que elas esperam e o que elas encontram. Visto como números ou seres disformes que carregam consigo características, viramos todos nós uma plataforma.
Não há mais patrões, não há mais empresas. São todos facilitadores. O que parece ser ali uma tentativa de preservação cultural das mulheres, na verdade é uma forma de mantê-las dentro de uma caixa, para que os produtos cheguem aos clientes da forma prevista. Não tenha dúvida de que, se você já não se sentiu assim, não tardará o dia.
Veja o Trailer:
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