Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica

Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica Crítica Animação Filme Disney Pixar Pôster

Sinopse: “Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica” se passa em um mundo transformado, no qual as criaturas não dependiam mais da magia para viver. É onde dois irmãos elfos recebem um cajado de bruxo de seu falecido pai, capaz de trazê-lo de volta à vida. Inexperientes com qualquer tipo de magia, Ian e Barley não conseguem executar o feitiço e acabam gerando uma criatura sem cabeça. Para passar mais um dia com seu pai, eles embarcam em uma jornada fantástica. Ao perceber a ausência dos filhos, sua mãe se une à uma lendária manticora para encontrá-los.
Direção: Dan Scanlon
Título Original: Onward (2020)
Gênero: Animação | Aventura | Comédia
Duração: 1h 42min
País: EUA

Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica Crítica Animação Filme Disney Pixar Imagem

A Magia Permanece

Apesar de Cinema não ser esporte e cinéfilo não ser torcedor, a temporada de prêmios costuma nos levar a um clima de final de campeonato. Entre aquelas opiniões polêmicas, é preciso dizer: “Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica” é a grande animação da Disney do último ano. Usando boa parte dos elementos que pautam a narrativa de “Soul: Uma Aventura com Alma“, favorito a levar o Oscar na categoria, o longa-metragem dirigido por Dan Scanlon consegue ser muito mais envolvente e, na dosagem de sua aventura e das lições a ela vinculadas, emocionar o espectador.

Sobre a linguagem, vale salientar que são duas obras muito parecidas. Feito sob medida para o público jovem da atualidade, quase nos transportando para um jogo de diversas fases. A missão aqui é bem mais “tradicional”: Ian (Tom Holland) e Barley (Chris Pratt) são dois irmãos. O primeiro não chegou a conhecer o pai, que morreu antes dele nascer. O segundo possui alguns flashes de memória, pois era muito pequeno. Quando Ian completa dezesseis anos, sua mãe, Laurel (Julia Louis-Dreyfus) entrega um presente do pai, guardado para essa ocasião. Trata-se de um cajado, uma pedra rara e orientações de uma magia que faria com que ele se materializasse por 24 horas, realizando o sonho do garoto de conversar, tocar, abraçar o homem.

Ambientado em um mundo onde a magia foi abandonada, “Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica” é um recado direto para a sociedade. Envolvida em inovações tecnológicas e nas possibilidades de realizações em um mundo que caminha em ritmo frenético, estamos esquecendo da fantasia. Na verdade, estamos terceirizando essas sensações a alguns espaços (sendo a Disney a maior beneficiada, por sinal). A proposta do texto de Scanley (ao lado de Keith Bunin e Jason Headley) é pautar novamente a desumanização das relações. Para isso, constrói personagem que se aproximam dos humanos, mas permite ser ligeiramente distante da realidade. Ou seja, para as crianças, renova de certa maneira a magia perdida, sem deixar de enviar mensagens aos adultos.

Ao usar a fantasia como importante ferramenta narrativa, o drama aqui se vincula mais à saga de Harry Potter ou até mesmo às animações do estúdio Ghibli, bem mais eficiente em suas construções dramáticas do que a ingenuidade unidimensional do tempo das clássicas animações da Disney. Não que o longa-metragem da Pixar se revele uma obra-prima, ele está mais perto da média. Porém, ao articular bem as mudanças de cenários e a transição da missão dos protagonistas, é bem mais divertido de assistir do que “Soul” e sua profusão de cores desequilibrada com a melancolia incutida em Joe (na voz original de Jamie Foxx).

Somos levados pela emoção e criamos empatia com Ian desde o início, quando ele escuta uma fita gravada com a voz do pai. Uma saudade que dói de imediato no peito de quem perdeu um ente querido. Por sinal, três dos cinco prováveis indicados ao Oscar de melhor animação já assistidos pela Apostila de Cinema (além de “Soul” já publicamos sobre “A Caminho da Lua“) usam a morte como mote – uma triste coincidência em um ano em que a vida se esvaiu de forma célere e cruel em todo o mundo. Projetar a ideia de ter por mais um dia a pessoa que amamos ao nosso lado é fundamental para a identificação, principalmente aqueles que não conseguiram se despedir do outro, um evento traumático que torna mais difícil a superação dessa perda.

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Em “Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica” a inexperiência de Ian faz com que apenas metade do feitiço funcione. Portanto, somente as pernas do pai se materializa. Então, ele e Barley precisam buscar outra pedra para repetir o feitiço. A comédia é bem menos rasgada do que a provocação de riso fácil das primeiras obras da Pixar. Boa parte delas envolve a forma como os irmãos tentam solucionar a estranheza de ver metade de uma pessoa andando descontrolada pela rua – fazendo com que seu pai pareça o Bernie (Terry Kiser) de “Um Morto Muito Louco” (1989).

Os alívios cômicos pretendidos com Corey (Octavia Spencer) e Bronco (Mel Rodriguez) são pouco sacados, porque o desenvolvimento da trama se sustenta sem a necessidade do artifício. Já a ação esporádica, como ciclos de uma missão, também se revela eficiente. O antagonismo de um grupo de fadas gera uma cena de perseguição de carro que está entre as mais interessantes e bem executadas dentre as animações dos últimos anos.

Já Barley traz um equilíbrio entre as personalidades e tem o poder de identificação com uma geração de maturidade tardia, aquela que levou a fantasia às suas pretensões. Aqueles que são cobrados por ainda morarem com os pais no início da vida adulta e são lidos pelas pessoas próximas como “inúteis” – palavra usada no próprio texto. Todavia, o mesmo Barley não tem medo de se jogar nas aventuras – ao contrário de Ian que, movido pelo receio de novas perdas, se pauta na introspecção. O filme não reinventa a roda, sabemos que esse intercâmbio de comportamentos em uma situação-limite fará com que os protagonistas desenvolvam novas atitudes e abram a mente para formas de solucionar seus problemas.

O que fica marcado é como nosso passado, as vivências (ou não-vivências) conseguem pautar nossos atos, moldar nossa personalidade. Mais do que a dicotomia medo x coragem, “Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica” usa a velha lógica das “lições que aprendemos durante a jornada”, para mitigar os objetivos, mostrar que não devemos supervalorizar momentos grandiosos – e sim aproveitar as trocas cotidianas, já que a vida nem sempre será um RPG e o amor pode ser declarado, mas vir também nos pequenos gestos.

Veja o Trailer:

 

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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