É Tudo Verdade 2020 | Curtas Brasileiros | Sessão BR1

ETV Curtas Nacionais

A primeira sessão de curtas-metragens brasileiros do Festival É Tudo Verdade 2020, chamada de Sessão BR1, foi apresentada nos dias 26 e 30 de setembro. Segue nossas breves críticas das cinco obras, sendo que uma delas tem o texto de nossa cobertura do Festival Taguatinga de Cinema aqui replicada:

Índice de Filmes
(clique em seus nomes e seja direcionado ao texto)

ChoVer
Movimento
Metroréquiem
Filhas de Lavadeiras
Sem Título # 6: o Inquietanto

Ficha técnica da Sessão BR1


ChoVer

ChoVer Curta-Metragem É Tudo Verde 2020 Sessão BR1

O curta-metragem que abre a sessão BR1 do É Tudo Verdade é “ChoVer“. Nele, o cineasta Guga Millet nos leva a Cabaçeiras, município do Estado da Paraíba, na região do Cariri. Zé Vaqueiro aparenta ser um senhor com bem mais do que os seus 59 anos. Os últimos sete, sob forte estiagem. A seca, típica dessa área do Brasil, sempre foi uma característica inerente ao território. Todavia, a tendência é que os períodos sem chuva sejam cada vez maiores.

O diretor, então, faz o resgate dessas lembranças de um cotidiano a partir de fotografias em preto e branco. Deixa para as imagens em movimento a poética chegada das nuvens mais escuras. Mesmo que a abordagem não seja tão clássica, sue objeto o é. Por isso, os nove minutos que inauguram a competição de produções mais curtas nos lembra do peso do registro de sociedade de um documentário. Não há nada mais básico do que nossa dependência de água para manutenção da vida. No plano mais profundo, é esse o retrato que Millet nos traz. Infelizmente, não há por trás da experiência de assisti-lo, o vislumbre de que o objeto de uma obra calcada na preocupação ambiental  algum dia envelheça.

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Movimento

Momento Curta-Metragem É Tudo Verde 2020 Sessão BR1

Movimento” nos coloca no Ceará em novembro de 2018. O diretor Lucas Tomaz Neves a partir de frases que surgem na tela, faz um ritual de contato, talvez de reaproximação. Não há clareza, porque mesmo com trinta e três anos de morte, é como se a mãe nunca estivesse longe. A avó, que criou dezessies filhos, está na rede – uma composição de memórias imagéticas atuais.

Toda a trajetória do curta-metragem de Neves deixa uma sensação de captação fundamental – como se urgisse a necessidade de encapsular as visões em vias de serem perdidas. Closes de mãos e de pés, uma linda poética que nos lembra como o Alzheimer e outros males cognitivos podem partir mais do que lembranças, rachando famílias também ao meio.

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Metroréquiem

Metroréquiem Curta-Metragem É Tudo Verde 2020

Metroréquiem“, de Adalberto Oliveira, faz um diálogo com o irreverente “Tem Coisas que só Acontecem no Japeri“, só que muito mais vinculado à documentação clássica – enquanto que no curta-metragem de Isadora Aventureira o elemento provocativo era fundamental. A obra é uma viagem de pouco mais de dez minutos em um vagão do sistema ferroviário recifense.

Registro clássico de um tempo, podemos observar o trânsito de foliões no Carnaval, as alterações no território da capital pernambucana e a estrutura das estações, que se forjaram de maneira indiferentemente unificada em todo o país pelos consórcios de obras da Copa do Mundo de 2014. Oliveira abre alas para os grandes personagens desse microcosmo de uma grande e complexa cidade: os agentes e suas abordagens violentas, cumprindo ordens de usar seus aparelhos de eletrochoques para coibir a tentativa de vendedores e artistas de obterem algum ganho naquelas viagens e a massa trabalhadora.

Um vagão de trem é um ambiente que comporta vários tipos de sensações e depende diretamente de nossas projeções sobre uma fase de nossas vidas ou até sobre aquele dia em específico. Pode ser um território de transição que lhe dê esperança pelo que será encontrado no destino final; pode ser um potencializador do cansaço de um dia estafante; pode ser a alegria da volta para a casa depois de algum ganho. O diretor, então, ciente que a simples construção imagética daquele espaço terminaria por provocar indiferença à sua obra, escolhe um caminho: o da melancolia. Aquela melancolia com a cara de um Brasil, que apanha sorrindo e segue sem rumo em um trem ouvindo “Smile” lindamente tocada por um violinista.

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Filhas de Lavadeiras

Filhas de Lavadeiras Curta-Metragem

Inspirado na obra homônima de 2002 da pedagoga e ativista Maria Helena Vargas da Silveira (falecida em 2009), “Filhas de Lavadeiras” fala de negritude e ancestralidade também pelo viés do trabalho. A diretora Edileuza Penha de Souza reúne um grupo de mulheres, como Ruth de SouzaConceição Evaristo e Benedita da Silva, para falar do ofício exploratório, muito mais penoso em um época onde não havia aparelhos para lavar e passar. Flerta com o lúdico nos primeiros momentos, com uma construção poética a partir dos versos “El Reflejo” da cineasta Everlane Moraes para criar não somente o diálogo sul-americano mas para promover a construção de belas imagens. Quase como se romantizasse a atividade que será tratada dali em diante – como quando “pequenas lágrimas dos lençóis” nos traz uma coberta estendida no varal ao sol.

Só que “Filhas de Lavadeiras” consegue criar com muita naturalidade um diálogo entre três gerações. A de Ruth, Conceição e Benedita (além de outras mulheres ouvidas na primeira metade) se mostrou uma geração que muito buscou afirmação e que, muitas vezes, teve o reconhecimento de parte da sociedade infelizmente tardio. Elas contam as histórias de suas mães, seja no interior de Minas Gerais ou entre a Urca e o Leme e suas incontáveis horas de um trabalho que não admitia erros. Fizeram parte dessa luta por sobrevivência e por dignidade. Juraram para si jamais terem que passar por isso. Grandes atrizes, intelectuais, escritoras, assistentes sociais e parlamentares, elas não vilipendiaram aquelas que não tiveram a mesma voz – mesmo que ainda muito silenciada. Edileuza Penha de Souza constrói bem essa ponte em que – na geração seguinte – as lavadeiras se tornaram as empregadas domésticas.

Os anseios eram iguais: dar uma vida digna à família e fazer de tudo para que as filhas não precisassem seguir o caminho de um trabalho precarizado. Quase como uma contação de histórias, essas construções paralelas traçam muito bem um panorama – que tenta quebrar a ressignificação do que seria um espaço reservado àquelas mulheres. Por isso é tão fundamental a chegada de uma terceira geração, começando na fala de Hellen Batista, uma jovem que em seu depoimento obtém a imediata aproximação com o espectador. Iniciando falando do status de quem, na sua escola, conseguia ter livros em casa – até chegar a tão importante ocupação do espaço acadêmico. “Filhas de Lavadeiras“, aquelas que em 2002 tanto necessitaram das palavras de Maria Helena Vargas da Silveira hoje tem suas próprias filhas que, com a lição na ponta da língua, seguem a incessante busca pela dignidade. (Texto originalmente escrito na cobertura da Sessão 02 da mostra paralelo do Festival Taguatinga de Cinema 2020. Leia a análise completa da sessão clicando aqui).

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Sem Título # 6: o Inquietanto

Sem Titulo #06 Curta-Metragem É Tudo Verde 2020 Sessão BR1

A sessão BR1 do É Tudo Verdade se encerra com o experimentalismo de “Sem Título # 6: o Inquietanto“. Carlos Adriano faz uma composição com imagens de filmes de várias épocas do cinema, dialogando principalmente entre o japonês “Uma Página de Loucura” (1926) e “Ilha do Medo” (2010). Por fazer parte de uma série ensaística do cineasta, é arriscado uma análise que não leve em consideração essa visão em perspectiva.

Porém, chama a atenção essa inquietude provocada pela união do arquivo em preto e branco de uma obra obscura, que naturalmente no intrigaria, com rostos conhecidos de Hollywood. Marcando como referência do próprio diretor em sua sinopse os escritores Robert Walser e Antonin Artaud, o curta-metragem é uma espécie de imersão sobre si do primeiro com o debruçar no surrealismo cru do segundo. Com a ideia de ressignificar o próprio cinema, Adriano quer provocar um turbilhão de sensações que transitam entre o poético e o histórico.

Sua forma de se expressar no filme acaba por atingir a libertação da imagem, tão importante para o atual modo de fazer audiovisual e de documentar uma realidade cada vez mais dependente da linguagem ficcional. É como se a ancestralidade fílmica estivesse se vingando daqueles que – em nome do abandono da pureza da imagem – busquem desnecessariamente a formulação de narrativas que possam contemplar as montanhas de arquivos que nos cercam.

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Ficha Técnica Sessão BR1 de Curtas Nacionais

ChoVer (Brasil, 9‘)
Direção: Guga Millet
Sinopse: A região do Cariri, no sertão paraibano, ficou sete anos sob seca. Em 2018, a estiagem acabou, com uma sequência de chuvas constantes que surgiam no horizonte. Com depoimento do morador local Zé Vaqueiro, o filme fala desse lugar e dessa chuva, que, quando acontece, faz com que as pessoas saiam para ver a água que cai do céu e se espalha pela terra.
Movimento (Brasil, 23‘)
Direção: Lucas Tomaz Neves
Sinopse: Ao acompanhar o reencontro de sua mãe com a família após 33 anos de separação, Lucas vivencia situações que se transformam em memórias ancestrais. Um filme sobre o tempo, suas danças e conjunturas.
Metroréquiem (Brasil, 13‘)
Direção: Adalberto Oliveira
Sinopse: O cotidiano no metrô do Recife transcende os dias, mas nunca o corpo marginal.
Filhas de Lavadeiras (Brasil, 22‘)
Direção: Edileuza Penha de Souza.
Sinopse: Histórias de mulheres negras que, graças ao trabalho árduo de suas mães, puderam ir para a escola e refazer os caminhos trilhados por suas antecessoras. Suas memórias, alegrias e tristezas se fazem presentes como possibilidade de um novo destino, transformando o duro trabalho das lavadeiras em um espetáculo de vida e plenitude.
Sem Título # 6: o Inquietanto (Brasil, 15’)
Direção: Carlos Adriano
Sinopse: À companhia de Antonin Artaud e Robert Walser, um convite ao abismo, familiar e desconhecido. O mistério da memória e do amor, além da alma; o inesperado da angustiante estranheza; o que retorna outrora. Laços e lapsos poéticos do ensaio-documentário, entre um filme experimental japonês (1926) e um filme industrial americano (2010). Da série “apontamentos para uma auto cinebiografia (em regresso)”.

Clique aqui e acompanhe nossa cobertura completa do Festival É Tudo Verdade.

Clique aqui e visite a página oficial do evento.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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