Sinopse: Em “Era uma Vez um Sonho” uma chamada urgente puxa um estudante de Direito de Yale de volta para sua cidade natal em Ohio, onde ele reflete sobre três gerações de história da família e seu próprio futuro. Baseado no livro de memórias best-seller de J.D. Vance
Direção: Ron Howard
Título Original: Hillbilly Elegy (2020)
Gênero: Drama
Duração: 1h 56min
País: EUA
As Contraindicadas
Não adianta, Ron Howard não deixará de fazer filmes tão cedo. Quando “Era uma Vez um Sonho” foi lançado, o cineasta já tinha outros quatro longas-metragens anunciados (sem contar a série de TV que revisita a terra da magia Willow). Ele perdeu um pouco a sensibilidade no trato com o drama nos últimos anos, isso é notável. Talvez acreditando que sua carreira seguia outro caminho com as adaptações bem-sucedidas dos livros de Dan Brown, a última grande construção narrativa dele foi “Frost/Nixon” (2008), que mencionamos em outra crítica de produção da Netflix, “Os 7 de Chicago“.
Aqui ele entrega uma obra que não chega a ser irregular porque não encontra bons rumos em nenhum instante. Howard parece refém de uma tentativa do estúdio de emplacar indicações a prêmios para Amy Adams e Glenn Close (as duas foram lembradas no SAG Awards e a segunda no Globo de Ouro). Porém, muitos se surpreenderão ao descobrir que a história gira em torno de J.D. (Owen Asztalos quando criança e Gabriel Basso quando adulto), um estudante de Direito que vive entre a preocupação com a chance de conseguir a vaga de estágio da sua vida e a internação de sua mãe Bev (Amy Adams) após uma overdose de heroína.
Baseado na história do J.D. Vance real, que publicou o livro autobiográfico “Era uma Vez um Sonho: A História de uma Família da Classe Operária e da Crise da Sociedade Americana” em 2016, observa-se que a redução do nome do filme já é capaz de limar toda essa proposta que o subtítulo da obra literária permite. Howard, ao lado do montador James Wilcox (vasta experiência em séries, nenhuma em longas-metragens), entrega uma trama estilingada, que precisa transitar em dois planos temporais para equilibrar as atuações das duas atrizes de peso e garantir a elas tempo de tela.
No meio dessa proposta confusa, não há espaço para a criar de afetividade com o público. Quem imagina encontrar uma grande história de vínculos entre gerações da mesma família, em que Mamaw (Glenn Close) precisa agir quando sua filha começa a sofrer problemas pessoais, tendo um filho pequeno para criar, se decepciona. O público não encontra tempo, não permanece o suficiente para desenvolver empatia. É quase o oposto do que James L. Brooks faz em “Laços de Ternura” (1983), em que se come pelas beiradas para melodramatizar a parte final de forma inapelável.
Não ficamos de joelhos em “Era uma Vez um Sonho” porque Ron Howard só quer explorar esse drama – que remontá-lo de forma a nos manter em constante estado de crise. É como se encontrássemos um amigo na rua e ele contasse um caso que aconteceu com um conhecido dele – o qual não fazemos ideia de quem seja. Acostumado a entregar produções que focam em protagonistas, ao contrário da representação espalhada das adaptações de grandes romances americanos – em que uma comunidade é o personagem principal e as pessoas que ali convivem são manipulados por um sentimento comum – é com pesar que dizemos que o estilo do cineasta não de adequa ao que se quer contar.
Ano passado o austríaco “O Chão sob Meus Pés” (2019) trazia um dilema parecido com Lola (Valerie Pachner), protagonista do excelente filme da diretora Marie Kreutzer. J.D. tem um embate dentro de si, em que seu crescimento profissional pode ser prejudicado por problemas familiares. Aqui com sua mãe (lá era com a irmã). Só que, enquanto a produção europeia se assume fragmento de um tempo, aplicando as questões contemporâneas e se tornando porta de entrada para um debate sobre a pós-modernidade, “Era uma Vez um Sonho” é um bolo de massa crua, que não consegue ser histórico, mas falha ao tentar ser atemporal.
Começamos a acompanhar a trajetória de J.D. em 1997 e a voz de um pastor materializa a teoria da prosperidade, a luta meritocrática que atingirá a chamada “crise da sociedade americana” que Vance enquanto escritor usa de pano de fundo de seu livro, que se passa em Jackson, cidade no Estado de Kentucky. Depois disso, poucas são as situações que suprem essa demanda. A “elegia caipira” (como o título original bem classifica) é um acessório, uma trivialidade no meio da já criticada múltipla exploração dramática. O jovem, enxergando a possibilidade de um futuro de sucesso nos salões de Yale, precisa conviver com rituais de etiqueta de uma elite que, como demonstração de poder, gasta uma dúzia de talheres por refeição. Sempre que parece que daremos passos adiante nessa desconstrução de ideal americano, um novo flashback mostra qualquer diálogo perturbado de Close e Adams suplicando os Oscars que a Academia sempre lhes renegou.
“Era uma Vez um Sonho” vai se tornando um jogo de empurra, um time que se contenta com o empate e toca a bola para o lado. Provavelmente Glenn Close conseguirá sua oitava indicação – e Amy Adams a sua sétima. Porém, caso elas queiram aumentar suas chances de finalmente levantarem o troféu, a melhor dica é convencer alguns votantes a não assistirem ao filme.
Veja o Trailer: