Eyimofe (Esse é Meu Desejo)

Eyimofe (Esse é Meu Desejo) Arie Esiri e Chuko Esiri Filme Crítica Mostra SP Pôster

Logo Mostra SP 2020Sinopse: Acompanhamos a rotina dos protagonistas Mofe, funcionário de uma fábrica, e Rosa, uma cabeleireira, em Lagos, na Nigéria. Depois que Mofe perde a sua família e Rosa não consegue cumprir uma promessa, os planos de viagem que eles tinham fracassam, forçando-os a reconsiderar a vida no exterior. Conforme o tempo passa e as feridas cicatrizam, os dois aprendem que o futuro que procuram desesperadamente pode ser construído em casa. Com uma narrativa dramática, mas em tom cotidiano, o longa explora o primeiro degrau da escada socioeconômica, no qual status, cor da pele, estruturas familiares e dinheiro estão entrelaçados.
Direção: Arie Esiri e Chuko Esiri
Título Original: Eyimofe (2020)
Gênero: Drama
Duração: 1h 50min
País: Nigéria

Eyimofe (Esse é Meu Desejo) Arie Esiri e Chuko Esiri Filme Crítica Mostra SP Imagem

Sem Limiar

Eyimofe (Esse é Meu Desejo)” pegou muita gente de surpresa com o grande prêmio do júri da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. O formato online fez da experiência de participar de um festival em que não é possível assistir a mais do que 50% das obras selecionadas um garimpo silencioso. Com muita ânsia de maratonar as produções e pouco tempo para trocar ideias, o boca-a-boca não correu tanto quanto no formato presencial. Menos mal que boa parte dos filmes retornaram para um breve período de repescagem, dentre eles, a estreia na direção em longa-metragem dos irmãos nigerianos Arie Esiri e Chuko Esiri.

Uma obra sobre o cotidiano e a proximidade da morte, de novas vidas e recomeços. Ambientada na área periférica de Lagos, cidade da Nigéria localizada no Golfo da Guiné e conhecida por ser uma região yorubá com mais de vinte milhões de habitantes, torna impossível não considerar as imagens daquele território uma narrativa a parte. Sempre há algo no entorno acontecendo, nos exigindo a divisão de atenção – o que, na análise geral, torna mais eficiente o trabalho imersivo. Já o trato da imagem em película (parceira com a Kodak) torna impreciso o recorte temporal.

O texto, desenvolvido a partir do roteiro de Chuko, até brinca com isso em um momento. Quando um homem pede que alguns documentos que ajudem na retirada do visto de Mofe protagonista do primeiro terço de “Eyimofe (Esse é Meu Desejo)” – interpretado por Jude Akuwudike, que, apesar de nascido na Nigéria, tem aqui seu primeiro trabalho no país. Ele pede que o faça isso por Whatsapp, momento em que o personagem olha para ele um pouco intrigado. Isso, em um contexto em que há meses parecemos viver dias iguais, soa como uma ligeira poética em meio a uma produção que se pauta na construção do real, na crueza das relações.

Tanto Mofe quanto Rosa (Temiloluwa Ami-Williams), que desenvolverá o protagonismo mais adiante, alimentam um sonho de imigração europeia. Os irmãos Esiri, entretanto, apresenta uma realidade que se sobrepõe aos planos. As tratativas e providências circundam a trama, mas a roda da vida segue girando e de forma que revela inafastável a ação deles como agentes de uma comunidade. Em relação ao primeiro, a morte da irmã e dos sobrinhos em acidente doméstico. Já a segunda precisará dar acolhimento à filha Gloria (Mary Agholor), adolescente que precisará de atendimento médico.

A forma como a narrativa de “Eyimofe (Esse é Meu Desejo)” se sobressai foge da apontada pelo próprio trailer que deixamos abaixo dessa crítica. Uma realidade que não se vale de montagens elípticas ou trilhas incidentais condutora de emoções – quando elas são utilizadas é quase como se diegéticas fossem, dada a conexão. Uma posição de aliada ou fragmento e não de timoneira ou subversiva. Os Esiris, enquanto cineastas, se encontram quase como complementos. Enquanto Arie tem forte apego à imagem, por ter estudado Fotografia em Paris, Chuko completou o curso de Direito e depois migrou para o audiovisual. O resultado é um alinhamento entre as representações e uma trama humanista de primeira qualidade. Uma obra que impressiona pela forma como nos coloca em um terreno onde, aparentemente, as relações são pautadas pela fugacidade e pela desvalorização do outro. Porém, ao nos depararmos com protagonistas tão conscientes do peso de seus atos, aos poucos aquele compartilhamento de existência vai se tornando uma divisão de sentimentos.

Trata-se de um filme de forte carga empática e, novamente dissemos, sem se valer de elementos de linguagem que nos conduzem de maneira clássica a esta vivência. A especialização em roteiro por parte de Chuko Esiri em seu mestrado na NYU (New York University) salta aos olhos, visto que “Eyimofe (Esse é Meu Desejo)” desde o início se propõe a debater várias frentes da sociedade nigeriana – mais uma vez, de forma sutil. Mofe, eletricista, tem uma relação de trabalho duramente exploratória, enquanto Rosa acaba se rendendo ao patriarcado e tentando se valer da opressão e da misoginia para obter qualquer benefício à ela e Gloria. Por vezes parece que estamos no limite da existência daquelas pessoas – mas é curioso como eles mesmos não se sentem assim. Há uma mistura de aceitação, sobriedade e regularidade – uma simbiose perfeita entre todos os elementos do filme.

Resultado de três anos de tratamento do roteiro e isolando as figuras masculinas e femininas com a intenção (confirmada em entrevistas) de não misturar protagonismos sob risco de promover apagamentos. Curioso que, sem saber disso previamente, quando boa parte da crítica estava pronta, notas de produção de nossa pesquisa apontam que Chuko, de certa forma, se inspirou em Dublinenses de James Joyce e na ideia de colocar um espelho sobre sobre aquela cidade e seu povo. Já mencionamos um conto desse livro em nosso texto sobre “Arábia” e sempre que possível reiteramos que uma das faces mais atraentes do audiovisual do século XXI (incluindo o brasileiro) é essa ideia de representação com representatividade e, no grande cerne da questão, a ideia de nos colocar diante de espelhos.

Portanto, não tinha como “Eyimofe (Esse é Meu Desejo)“, depois de assistido, surpreender pela escolha do Júri. Um prêmio sem dúvida muito merecido. Colocando o território como personagem, apresentando uma região e personagens característicos de um espaço mas que condensam uma narrativa de apelo universal, este é um dos grandes filmes da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Surgiu tão silencioso quanto sua abordagem, mas fez com que a gente se despedisse do festival com sua mensagem gritando aos nossos ouvidos.

Veja o Trailer:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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