Sinopse: Um retrato de São Paulo a partir da vida de quatro de seus habitantes: um economista e analista do mercado financeiro, um metalúrgico da Volkswagen, um motoboy e um metroviário. Cada personagem destaca um aspecto da economia em um período de tensão social: as três semanas que antecedem a abertura dos jogos da Copa do Mundo de futebol. A diretora constrói o filme a partir da observação do cotidiano dos personagens, sem utilizar entrevistas ou comentários. Futuro Junho busca refletir sobre esse momento histórico e sobre a forma como o atual modelo econômico determina as relações sociais e humanas.
Direção: Maria Augusta Ramos
Título Original: Futuro Junho (2015)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 40min
País: Brasil
Os Pequenos Eventos
Há uma parte da crise política brasileira que foi ampliada por um desmonte econômico. Em certo grau, fabricado. Por mais que a situação mundial, a desvalorização das commodities e o avanço de demandas judiciais envolvendo casos de corrupção – por muitas vezes inviabilizando o trabalho de empresas de grande peso no mercado – um setor da sociedade uniu esta fórmula útil às suas intenções agradáveis de retomar o neoliberalismo no país. Aliou-se a uma parcela conservadora, insatisfeita com a ocupação de espaços antes reservados a uma classe privilegiadas. “Futuro Junho“, então, é um desses documentários que – no calor dos acontecimentos dos eventos esportivos tão aguardados – se tornou registro do espiral de destruição e auto sabotagem no qual o Brasil criou para si.
A cineasta Maria Augusta Ramos – que em “Morro dos Prazeres” (2013) trouxe a análise microscópica sobre a política de segurança pública no Rio de Janeiro em uma comunidade-modelo, desenvolve este longa-metragem tal qual um tripé, agora em São Paulo. Na introdução, se encontram em montagem paralela: trabalhadores sindicalizados dos setores secundários e terciários, o capital especulativo e a opinião pública. Em uma época pós-manifestações de 2013, onde o entendimento sobre a luta proletária se tornou ainda mais confusa. Tínhamos um Partido dos Trabalhadores no poder há mais de uma década, mas certas demandas pareciam ignoradas.
Pensando de forma crítica, a classe média brasileira nunca compreendeu as engrenagens do sindicalismo. Acostumada a ouvir discursos que deslegitimavam o confronto, geralmente vinculada a um suposto aparelhamento “pelego”. Nos grandes centros urbanos, quem olhava de fora e via as paralisações anuais dos bancários e de funcionários da educação – quase sempre com várias pautas e, dentre elas, um ganho salarial acima da inflação local – ficava com a sensação de que aquilo era parte de um processo, uma liturgia teatralizada. O patrão pode subir 10, então ele anuncia 5 para o sindicato pedir 20 e os trabalhadores terem uma falsa sensação de vitória.
Quem vive uma realidade de um parente sindicalizado sabe que não é bem assim. O audiovisual brasileiro já nos deu meios importantes para elucidar essa leitura atravessada, de “ABC da Greve” (1990) a “Dias de Greve” (2009). Porém, nos casos de Leon Hirszman e Adirley Queirós, estávamos diante de obras com ambientação específica, focando neste objeto. “Futuro Junho” não, ele contextualiza e torna plural. Tenta encontrar impactos da movimentação de uma parcela da sociedade em outra, aparentemente oposta ou contraditória.
Com isso, um trabalhador do mercado de ações ganha frente e, no meio de discursos tecnicistas, resume o que o país vivia em junho de 2014, há poucos dias da abertura da Copa do Mundo em Itaquera: a economia desaqueceu porque estava muito aquecida. Seu retrocesso gerou focos de protestos, que ultrapassaram o sindicalismo tradicional e conseguiu capilaridade na população a partir do Movimento Passe Livre. Não deveria haver motivos para pânico, nem tampouco pessimismo – a hora era de focar nos benefícios que os grandes eventos poderiam trazer. Porém, suas ideias foram atropeladas por uma burguesia que optou pelo caminho mais fácil de aumentar seus lucros: repassando o prejuízo para o seus funcionários.
A cineasta segue bem a partir de uma triangulação. Nesta abordagem inicial, consegue até mesmo conceituar a mais-valia ao mostrar um trabalhador da Volkswagen, logo após as falas sobre a queda na venda de carros motivada pela frota rejuvenescida, já que boa parte do povo conseguiu adquirir veículos nos últimos anos. Ele, não. Ele chega na sua residência e na garagem tem um de, pelo menos, dez anos. A partir dali a diretora segue seu estilo, de captação de cotidiano, segura o que poderia trazer dinamismo ao filme e o faz com ares de encenação. Boa parte de quem é ouvido por Maria Augusta Ramos pensa antes de falar, até mesmo entre os seus. Isso torna as percepções mais sóbrias – mas também mais sólidas.
Tanto que, mesmo aqueles que não concordam com a visão pessoal da documentarista, dificilmente se arrependem de ter feito parte de suas produções, até mesmo na forma como foram retratadas (e falamos disso em nossas críticas de “Justiça” e “Juízo“). Aqui o espectador consegue confirmar suas teses ou questioná-las. Há espaço para tudo. Uma percepção pessoal me leva a indignação de um Estado que se mostrava cada vez mais consciente de que deixava de prover o básico para sua população. Da operadora de telemarketing de um plano de saúde a uma vendedora de jazigos para que, no meio da luta diária de colocar comida na mesa, ter aonde “cair morto”.
Nas fábricas, o medo da manutenção do ciclo de crise econômica. Parece quase uma escolha de Sofia: manutenção dos empregou ou precarização do trabalho? Os grandes empresários queriam os dois – e visto com sete anos de distância do período, podemos dizer que eles conseguiram. É difícil identificar o momento, o ponto em que tudo começou a ruir. Nunca saberemos e a História terá suas correntes para explicar. Sem dúvida, “Futuro Junho” será fonte. Os brasileiros e o governo da época venderam para si que Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos eram festa popular. Nunca foram. Caímos na armadilha populista e patriótica enquanto o capital especulativo mudava de lugar suas ratoeiras. Caímos em berço esplêndido.
Veja o Trailer: