Sinopse: Após o golpe de 1964, o grupo jornalístico Diários Associados organiza a campanha “Ouro para o Bem do Brasil”, exortando a população a doar riquezas para o governo militar. Alianças simbolizam a campanha, forjando uma união povo/Estado. O filme examina os restos mortais dos milhões coletados e nunca revertidos à população.
Direção: Chaim Litewski
Título Original: Golpe de Ouro (2021)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 20min
Nacionalismo Bovino
Disponível na mostra O Estado das Coisas do Festival É Tudo Verdade 2021, a Apostila de Cinema programou “Golpe de Ouro” em sessão dupla com outro filme, de outro golpe: “Alvorada“. O documentário dirigido por Chaim Litewski resgata a história da campanha do Diários Associados, grupo comandado pelo empresário Assis Chateaubriand e sua campanha para arrecadar fundos para o governo golpista brasileiro, recém auto empossado.
Com produção executiva de Cleisson Vidal – que dirige uma das obras da mostra competitiva, “Paulo César Pinheiro – Letra e Música“, o filme reúne imagens de arquivos e novos depoimentos de quem fez parte daquele movimento. Doadores, representantes do governo e artistas criam um panorama didático que transforma uma importante aula de História em algo leve.
Todavia, esses elementos de leveza, de quebra de narrativa, incorporados em “Golpe de Ouro“, nem sempre atingem o objetivo almejado. Uma trilha sonora que tenta registrar a música da época nos traz uma surf music instrumental deslocada. A narração, que faz às vezes de leitora de algumas correspondências ou notícias de impressos, além de um pouco caricatas não sofrem nenhuma edição ou mixagem. Uma limpeza de estúdio que se contrapõe à dinâmica das imagens históricas que ganham a tela.
Só que, ultrapassadas tais questões, o que Litewski entrega é um excelente arsenal de argumentos. Principalmente sobre os Apoiadores da Ditadura Militar de Primeira Ordem (as maiúsculas parecem transformar em uma liturgia maçônica e a sacada, vocês verão, é válida). Mais do que escancarar os defensores do autoritarismo, o documentário mostra que eles seguem como importantes agentes da sociedade, sem qualquer traço de arrependimento. O governador do Rotary Club é um dos que seguem simulando uma premissa patriótica para esconder a raiva que se tem no Brasil por qualquer política que tente promover igualdade.
Pela ótica do jornalismo, a obra traz a figura que anda um pouco esquecida de Ney Gonçalves Dias, há anos na Rede Brasil de Televisão – enquanto pessoas como Boris Casoy e Alexandre Garcia, da mesma geração e, bem… as opiniões deles estão por aí, seguem ocupando importantes bancadas. Os Diários Associados, que teve seu auge com a TV Tupi, revista O Cruzeiro e o Jornal do Commercio, ainda existe. No Rio de Janeiro, por exemplo, é uma das líderes no setor radiofônico com a própria Tupi (mesmo com histórico de greves motivadas por grandes atrasos de pagamentos de salários). Seu foco se justifica porque, além de promover uma das campanhas mais ordinárias que já se teve notícia nesse território, a participação de 20% na arrecadação comprova por vez a grande motivação da empresa.
Até hoje não se sabe para onde foi todo o ouro arrecadado, em valores atuais próximo a trinta milhões de dólares. A “enxada de Castello Branco” dá uma pista. O documentário, então, nos oferece o “arroz de festa” Delfim Netto, presente em quase todos os documentários sobre o período, assim como Nelson Motta nos relacionados à música. Inclusive, ele está em “Ouro para o Bem do Brasil“, curta-metragem de Gregory Baltz apresentado na edição passada do festival – que segue uma linha mais de cinema de guerrilha. Junto a ele, outros agentes apresentam como a classe média pequeno-burguesa foi convencida a partir de duas frentes: o medo do comunismo e a ideia de as oportunidades para a retomada do crescimento dependia apenas do pagamento da dívida do Brasil.
Adiciona documentos sobre os sindicatos patronais e empreendedores de médio porte, mostrando que quem embarcou nessa canoa tupiniquim golpista tinha quase tanto a perder quanto o povo – que nunca teve ouro para doar. Com isso, a segunda metade é mais certeira na montagem e na trilha sonora, atingindo um equilíbrio no dinamismo.
São esses os elementos mais preocupantes de “Golpe de Ouro” – que é simples, porém cirúrgico. Não apenas em relação às disputas de narrativa, que seguem vivas na sociedade. A imprensa alinhada com o capital financeiro, então, é o famoso “pule de dez”. O que mais assusta é que a classe empresária brasileira segue burra e perigosa. Burra porque acredita que o aumento da desigualdade e da pobreza no país é favorável aos seus interesses. Perigosa porque usa as mesmas desculpas, os mesmos argumentos: comunismo e endividamento público que freia o crescimento.
Esse segundo será ampliado quando as reformas precarizantes de trabalho e outros direitos sociais não conseguirem mais sustentar a mentira. A diferença em relação a 1932 e 1964 é que as novas doações de riqueza do gado alienado será ampla, já que a tecnologia se tornou uma ferramenta potente de desinformação e crise. Quem dera que a repetição da História se fosse apenas uma “Criptomoeda para o bem do Brasil” vitimando os nacionalistas 3.0 que querem manter seus privilégios.
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