Sinopse: Eugênio é um escritor de western em dificuldades. Seu personagem mais famoso, Jesus Kid, está indo mal de vendas. Então aparece o que poderia ser a sua salvação: ele é contratado para escrever o roteiro de um filme.
Direção: Aly Muritiba
Título Original: Jesus Kid (2021)
Gênero: Comédia
Duração: 1h 28min
País: Brasil
Alegoria e Alegria
Encerrando a mostra competitiva de longas-metragens brasileiros do 49º Festival de Cinema de Gramado, a comédia “Jesus Kid” usa fórmula parecida com o postulante (e quando esse texto for ao ar, já sabemos, vencedor) “Carro Rei“. Adaptando história de Lourenço Mutarelli, a união com Aly Muritiba é uma confluência de talentos muito bem-vinda ao audiovisual brasileiro. Entretanto, o filme acaba indo pelo caminho da crítica política alegórica, com situações, representações e palavras colocadas de forma estratégica para um desbunde que nunca se consolida. Soa preguiçoso para quem gosta e acompanha o cinema do país e um pouco ininteligível para o espectador oriundo de uma possível formação de plateia.
Não que essa tática não permita um grande resultado enquanto história. Até porque, se há algo que a obra aqui não pode ser acusada de ser é pouco divertida ou uma experiência negativa. Todavia, as construções de mensagens não soam orgânicas, parece que estamos diante de uma releitura de um clássico sob o olhar contemporâneo. E se há algo muito contemporâneo em nosso meio artístico hoje são os discursos pelo fazer de Mutarelli e Muritiba. Se pensarmos em um exemplo irretocável nesse sentido, “Voltei!” (2021), que Ary Rosa e Glenda Nicácio apresentaram na 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes no início do ano, os cacos de sátira política que aparecem no filme de ambiente único se colocam a favor da narrativa.
Já em “Jesus Kid” não, porque nem sempre. Aliás, parece que esses avisos soam ainda mais necessários, mas as percepções aqui se formatam dentro de uma subjetividade. Se funciona à perfeição, para quem amou e cotou cinco estrelas, está tudo bem #ÉSobreIsso. Porém, o futuro nem tão distópico do roteiro se coloca de forma telegrafada. Do outdoor em que um fuzil é anunciado como produto do momento às notícias que confirmam a privatização da Petrobrás. Cada vez mais as expressividades do nosso cinema, à luz da crise social e política do Brasil, estão se colocando sob um manto de temporalidade. Talvez não atinja de forma perene o que outros momentos de explosão de criatividade de outros tempos conseguiu – e isso é uma perda em relação ao seu diálogo com a sociedade.
Soa um pouco como uma esquete pensada para um produto de consumo imediato. Assim como o vídeo que fez piada com o fim da MTV, passados alguns anos será preciso um glossário na tela para que todas as alegorias sejam compreendidas. Isso torna qualquer julgamento sobre obras assim uma mistura de sensações. Há uma notável genialidade e inteligência na sátira, que se exibida em horário nobre na televisão aberta surge como um material potencialmente popular, a partir do deboche. Porém, soa um pouco como algo que já nasce com prazo de validade.
Dito isso, um dos acertos é não se preocupar tanto em atacar várias frentes, como fez o filme de Renata Pinheiro – e que, veja bem, agradou a comissão julgadora do festival no último nível. Pelo contrário, ancora sua comédia na revisitação de gêneros como o faroeste ou o reprodução do drama de um autor com bloqueio criativo e prazos a cumprir. Traz de forma direta suas referências aos irmãos Coen na menção, por mais de uma vez, a “Barton Fink – Delírio de Hollywood” (1991) e quer se alinhar com o uso da neurose de seus protagonistas como faz Woody Allen, na tentativa de pensar o realismo fantástico.
Quando se aproxima da realidade de 2021, tem a faca e o queijo na mão para ser brilhante, para aproveitar que (ainda) não há censura institucionalizada para enfiar três dedos nas feridas. Mas, prefere piscar o olho para o público. Mostra como a liberdade de um escritor parece tolhida pelas novas diretrizes do novo Ministro da Educação, “Olavo”. Já o exílio acidental em um quarto de hotel também é uma fuga para não escrever a biografia do “Presidente”. Ainda tem um careca de paletó verde chamado de algo parecido com Hang.
Ou seja, “Jesus Kid” tira o melhor de seus criadores. Um bom argumento para o humor involuntário, boa direção para tornar os trabalhos de Paulo Miklos e Sergio Marone parte da diversão e o embasamento capaz de gerar reflexão crítica ao ambiente político brasileiro. E para. Trança sua narrativa nesse exercício, que se repete até o filme acabar.
Veja o Trailer:
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