Kunhangue Arandu: A Sabedoria das Mulheres

Kunhangue Arandu: A Sabedoria das Mulheres Documentário Brasileiro Filme Crítica Imagem

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Sinopse: O documentário Kunhangue Arandu – A Sabedoria das Mulheres foi realizado na Terra Indígena Jaraguá, no município de São Paulo, no Brasil, nas aldeias Tekoa Ytu, Tekoa Pyau, Tekoa Itakupe, Tekoa Yvy Porã e Tekoa Ita Endy. Revela o universo das mulheres indígenas Guarani, em sua luta pela transmissão e perpetuação de sua cultura, e as formas de resistência para manter o nhandereko, o modo de ser Guarani.
Direção: Alberto Alvares e Cristina Flória
Título Original: Kunhangue Arandu: A Sabedoria das Mulheres (2021)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 12min
País: Brasil

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Entre o Ser e o Estar

Encerrando a cobertura da produção contemporânea nacional dentro da 16ª CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto, o documentário “Kunhangue Arandu: A Sabedoria das Mulheres“, parte do recorte curatorial “Indígenas e as Imagens: Entre o Passado e o Presente”. Assim como “Xadalu e o Jaguaretê“, pelo qual Roberta Mathias produziu um texto crítico, a co-direção alia um indígena a um não-indígena, no caso os cineastas Alberto Alvares e Cristina Flória. Uma união de olhares que foi destaque na 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes com “Esta Terra é Nossa!“, com a representatividade maxakali e chega ao outro festival mineiro por realizações de representantes guarani.

Com uma ótica que se debruça na quebra do binarismo e na estrutura de poder baseada nas figuras masculinas, o filme inicia sua abordagem territorial questionando, de maneira retórica, o conceito de posse da terra. Por mais que as demarcações de áreas indígenas sejam fundamentais para a proteção à sua cultura, fato é que as várias configurações de Brasil e os diversos tipos de exploração do capital humano tornaram a definição de vulnerabilidade bem mais ampla. Nestes atravessamentos de questões, que partem dos povos originários aos escravizados, pouco se discutiu sobre a proteção de estruturas e formas de vida que não aquela esmagada em nome do progresso.

Isto talvez explique o pessimismo de parte dos testemunhos, que assistem a “cidade” tomar conta da paisagem de forma inapelável. Essa questão, envolvendo o povo Guarani MBaya e a Reserva de Jaraguá em São Paulo, entrecortada pelo Rodovia dos Bandeirantes, foi objeto de um texto que inclui o curta-metragem “Caminhos Encobertos“. Nele, percebemos o quando esta configuração de cenário, ou percepção acerca de uma interação imposta, serve de combustível para a renovação de lideranças, que esperamos que sejam ouvidas no futuro em um discurso que une o conhecimento ancestral com o acesso à informação que a era tecnológica permite. No presente, não há nenhuma chance de receber respeito dos atuais governantes.

Nesta união que traz para perto ferramentas modernas, reside parte das queixas sobre preconceito socialmente aceito em relação aos povos originários. Deslegitimam suas causas argumentando sobre as roupas que vestem ou a maneira pela qual se comunicam. Um tema que perpassa parte de sua produção audiovisual e que precisa ser verbalizado porque ainda é utilizando em uma fundamentação estúpida. Respeitar culturas e preservar modos de vida não guardam qualquer relação com a absorção de meios e formas – até porque a decisão sobre isso cabe ao próprio grupo. Parecem incomodados com essa ideia de “apropriação cultural reversa” que, obviamente, não existe.

Dentro das tradições que “Kunhangue Arandu: A Sabedoria das Mulheres ” nos faz observar, algumas merecem indicações cruzadas de outras produções. Na questão da habitação, a construção de uma Opy fez lembrar outro ótimo curta-metragem, “Opy’l Regua“, de Júlia Gimenes e Sérgio Guidox, que trata da construção de um templo para Nhanderú, o deus-luz, criador do mundo para os Guarani Mbaya. Abordagens paralelas ao grande assunto do documentário, que traz a representatividade feminina como atravessamento, para além da engessada divisão de funções de outras épocas.

Exercendo a responsabilidade de ser cacique (que lembram que não são, apenas estão) ou parte das discussões políticas e de emancipação do povo, elas surgem em falas que ganham força em uma montagem que quebra os testemunhos com uma contemplação do ambiente da aldeia. Seja no trato com o milho ou dos peixes, seja na demanda por tratamento diferenciado – incluindo no atendimento da saúde pública, parte da premissa trabalhada ficcionalmente em “A Febre” em uma interação, esta sim, importante entre poderes institucionalizados.

Quebrando a ideia de gêneros, “Kunhangue Arandu: A Sabedoria das Mulheres” nos mostra uma comunidade que mantém seu ciclo de desenvolvimento de consciência com muito mais coerência e força do que aquele representado por um amontoado de asfalto que serve de caminho para transitarmos pelo mundo ser percebermos o que deve ser valorizado.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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