Maligno

Maligno Crítica Filme James Wan Poster

Sinopse: Em “Maligno”, Madison passa a ter sonhos aterrorizantes de pessoas sendo brutalmente assassinadas e acaba descobrindo que, na verdade, são visões dos crimes enquanto acontecem. Aos poucos, ela percebe que esses assassinatos estão conectados a uma entidade do seu passado chamada Gabriel. Para impedir a criatura, Madison precisará investigar de onde ela surgiu e enfrentar seus traumas de infância.
Direção: James Wan
Título Original: Malignant (2021)
Gênero: Terror | Thriller | Mistério | Fantasia
Duração: 1h 51min
País: EUA | China

Maligno Crítica Filme James Wan Imagem

Sem Amarelar

Para fãs de filmes de terror vacinados ou corajosos, a volta ao cinema em 2021 ficou marcada por “Maligno“, novo longa-metragem de James Wan que passou pelas salas do circuito comercial há algumas semanas e agora chegou ao catálogo da HBO Max. Como a Apostila de Cinema – por mais que esteja vivendo o período final de imunização com alguns dias da segunda dose – não se imagina ainda esse ano retornando ao seu lugar favorito, prestigiamos de casa mesmo. Ainda mais na pressa dos exibidores de São Paulo no período da 45ª Mostra SP e do Rio de Janeiro (se antecipando ao Festival do Rio, confirmado para se iniciar em 9 de dezembro) abrindo a porteira dos 100% de lotação. Mas, vamos deixar isso de lado por enquanto.

O thriller do ano para a turma mais empolgada – e que gosta de ir “na boa”, assistindo potenciais ícone da cultura pop do futuro – é a união divertida entre fantasia e violência, desafiando quem busca coerência e traços de realidade nas obras audiovisuais. Muitos fãs do trabalho do cineasta vincularam as representações na história estrelada por Annabelle Wallis ao giallo, gênero literário italiano – que se tornou cinematográfico desde que as gerações de Mario Bava e Dario Argento usaram as revistas pulps como inspiração.

Para além dessa convenção muito cara aos admiradores do horror e das vertentes como slasher e splatter, Wan faz de “Maligno” mais do que isso. Investe até menos nos desdobramentos das tramas policiais que unem o sobrenatural e a dobradinha entre detetives e videntes. Em algum momento da história, o passado da protagonista, Madison, reunirá esforços de sua família e da polícia. Adotada após a primeira infância e tendo esquecido o que aconteceu nos primeiros anos de sua vida, ela se vê em experiências extracorpóreas ou de clarividência, testemunhando assassinatos em tempo real.

Sua irmã, então, lembra que esses eventos fantásticos são comuns em distritos direcionados a investigar mortes suspeitas, sobretudo violentas. A televisão norte-americana teve, no início do século XXI, uma profusão de seriados com essa temática (talvez “Medium“, no ar por sete temporadas, tenha sido o mais bem-sucedido dentre eles). No novo terror de James, porém, o sangue e os ossos estalando e se quebrando são as prioridades – e ele evita o risco de cair na trama genérica para seguir o caminho da exaltação maneirista.

Por isso, se você quer entretenimento referencial (ou fan service, sem que seja uma conotação negativa aqui) guardará “Maligno” com carinho na lista de melhores do ano. Tudo o que o cineasta faz conecta homenagens às boas saídas para avançar na narrativa. Começa no prólogo, em 1993, no qual uma médica não consegue cuidar de Gabriel – o nome misterioso por trás dos acontecimentos do presente – emendando nos créditos iniciais que desenvolvem todo o arco sobre as origens do problema que encontraremos, de cara, no primeiro ato. Por sinal, um expediente clássico de Hollywood que a Marvel sabe usar muito bem.

Madison aparece em cena grávida, porém, em um conturbado relacionamento. Seu marido a agride e bate sua cabeça com violência na parede e – ao final do dia – ele terá seu corpo todo retorcido pelo assassino, na primeira das diversas imagens agressivamente violentas que o diretor nos proporcionará. Wan cuida do processo de contar a história com muito esmero, encaixa os elementos como se o filme fosse um jogo de blocos – sem que soe como algo mecanizado. Ao final da sessão fica o sentimento de que merece ser revisto algumas vezes, até para registrar novamente os virtuosismos bem-vindos do sei diretor.

Um exemplo é o teto vazado da casa em uma sequência de perseguição toda no plano zenital. Tradicional, referencial e plasticamente bonita. Aos poucos, ele traça rotas alternativas para encaixar o exagero, a fantasia e a ruptura do verossímil. A primeira delas está no close falsamente dramático e deliciosamente incongruente que ocorre quando Madison conta para a irmã que é adotada. O realizador usará essa ferramenta mais uma ou duas vezes, com uma trilha que nos induz a virar uma página, inaugurar um novo capítulo. Até que convencionamos apenas a existência de uma protagonista, já que passamos a navegar por um mar em que tudo é possível.

Por trás dessa fantasia, há uma personagem que usa memória e esquecimento como mecanismo de defesa. Ao ponto de tornar seu passado um quebra-cabeças até para si mesma. Por mais que ela não queira desembaralhar essas peças, os danos à sociedade exigem que autoridades e família façam isso. Isso ocorre a partir de registros de cuidados médicos e VHS encaixotadas desde o início da década de 1990, lembrando de um tempo em que colocar uma fita dessas em um aparelho de vídeo trazia quase a certeza de uma obra carregada de criatividade e inventividade como esse longa-metragem.

O trecho final do filme também traz um toque de atualização. No clímax cheio de ação, com uma estética ainda mais violenta, a câmera viajante e os efeitos visuais abandonam um pouco o saudosismo e usa meios de modernos de arrematar a narrativa. “Maligno” é uma das poucas produções recentes que não lamentamos a possibilidade de continuação. Dentro dessa mitologia que deseja criar para si, de união de corpos com uma lógica de possessão parecida com a utilizada por Voldemort em Quirrell (era horcrux ou não era? Fica o questionamento), James Wan consegue dialogar até com o que não pretende ou gostaria, no seu giallo de luxo que ganhou os mundos pelas mãos da Warner.

Veja o Trailer:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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