Me Sinto Bem Com Você

Me Sinto Bem Com Você Filme Crítica Amazon Prime Video Poster

Sinopse: Cinco histórias de amor em tempos de quarentena. Cinco amores de diferentes formatos e origens. Cinco histórias sobre a importância de uma companhia que te faça sentir bem em meio ao caos. Pessoas, em meio ao isolamento social, fazendo de tudo para se manter próximas. Um filme sobre conexões: virtuais e reais.
Direção: Matheus Souza
Título Original: Me Sinto Bem Com Você (2021)
Gênero: Drama | Romance | Comédia
Duração: 1h 43min
País: Brasil

Me Sinto Bem Com Você Filme Crítica Amazon Prime Video Imagem

Circo Sem Palhaço, Namoro Sem Amasso

Estreou esta semana no Amazon Prime Video a produção brasileira “Me Sinto Bem Com Você“, escrita e dirigida por Matheus Souza. Usando o isolamento social como mote de histórias de relacionamentos à distância, o filme pretende resgatar as narrativas episódicas, em mosaicos sobre o amor. Comum no início do século XXI e que, por coincidência, também foi resgatado por Dennis Dugan, no filme “Amor, Casamento & Outros Desastres“, que chegou ao circuito comercial do país também na última quinta-feira.

Pra não dizer que não falei das flores, vale mencionar que as histórias reúnem os dilemas e frustrações do que têm sido a rotina dos últimos meses de boa parte da população. Ambientado já no contexto da pandemia, consegue gerar identificação daqueles que tiveram relacionamentos dificultados ou interrompidos pela distância. Ainda mais nos jovens, vivendo a fluidez e o esgotamento de suas energias – e nos solteiros em geral.

Ao contrário do elogiado seriado “5x Comédia” (2021), também do Prime Video, que amplia os recortes de idade e classe social, aqui o foco é naqueles que não conseguem viver a plenitude do amor – ou do romance apenas em representações envolvendo gênero e sexualidade. Outro elemento pouco explorado, mas que existe de certa maneira, é que estamos diante de uma geração produtora de imagens e que se vê presa em um looping onde os dias permanecem iguais. A tecnologia, que tantas oportunidades criou, virou uma ferramenta de sobrevivência que, finalmente, se revela não ser o suficiente.

Há duas questões que se tornam inafastáveis à luz do resultado final da obra, estrelada pela cantora e influenciadora digital Manu Gavassi, que voltou aos holofotes do espectador popular após sua participação ano passado no reality-show Big Brother Brasil. Uma diz respeito à forma como o cineasta quer desfilar suas representações. A outra vai mais fundo e questiona os princípios que regem as escolhas dos projetos pela plataforma de streaming do conglomerado de Jeff Bezos. Se estivéssemos em uma mesa de bar, eu perguntaria: qual delas você quer que eu fale primeiro? Mas, não estamos, seguimos vivendo em nossas bolhas privilegiadas de isolamento social, cobrando e lamentando que outros não a respeitam – fazendo com que mais alguns, que querem respeitar, não possam pelo binômio necessidade e urgência.

Portanto, após um sorteio não auditado de tema, vamos prosseguir falando da linguagem perseguida pelo cineasta. “Me Sinto Bem Com Você” se perde – ou, melhor, não se encontra – por apostar somente no roteiro fabricado pelo próprio Matheus, com o apoio de Manu. Quando os gurus que desvendam os segredos do audiovisual em cursos exclusivamente oferecidos a milhares de seguidores batem o pé na expressão reducionista e ligeiramente problemática “o roteiro não é a alma do filme”, este longa-metragem acaba servindo como um bom exemplo. Estamos diante de um punhado de diálogos que, no papel, podem formar uma interessante leitura sobre cinco tramas que envolvem o confinamento. Na prática, não se estabelece porque exige uma artificialidade do elenco, focado em expor as palavras de Matheus e Cia.

Há um recorte geracional tanto dentro quanto fora da obra. Do lado de fora será marcada pelos apaixonados seguidores de Gavassi e pelos adolescentes que amplificam suas demandas e absorvem qualquer drama juvenil com uma carga inalcançável do alto de nossa pilha de boletos. Esses, em sua maioria, gostarão genuinamente do filme. Um divisor de água em suas existências condenadas pelos pais e responsáveis preocupados com a pandemia, que os prendem em suas casas.

Dentro de “Me Sinto Bem Com Você”, Souza tenta explorar uma pluralidade, com reflexões básicas sobre representatividade. Com isso, o curioso romance casual entre dois jovens movidos pela intensidade sexual, precisando reinventar um relacionamento que, dependendo do ponto de vista não existia se estabelece. Já em outra ponta, uma turma de meia-idade ganha forma. Uma dupla é formada pela duplinha da pesada Manu e Matheus, como um casal de ex-namorados que, em meio às horas infinitas de “vários nada” a serem realizados em casa, se reaproximam virtualmente.

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Thati Lopes, sem dúvida muito amiga de alguém, é a única a evocar a naturalidade, dividindo cena ao lado do humorista Victor Lamoglia. Acostumada a transformar exercícios de comédia através de textos, como no Porta dos Fundos e Parafernalha, o casal em crise por certo esgotamento de uma relação que exige vínculo 24/7 é o que chega mais perto de entreter em “Me Sinto Bem Com Você”. O restante dos encontros aqui partem do tédio, configuram bem seus personagens, mas acabam transportando este tédio para o outro lado da tela. Como quase sempre acontece em um “filme de roteiro” (e esta não é uma definição científica, não me denunciem ao seu coach crítico, por favor).

Todas as intenções de transitar entre o drama, o deboche e aquela ironia que conduz os diálogos, tornando o humor imprevisível, não se concretizam. E não acontece porque o texto aprisiona a obra, torna boa parte das sequências um leitura de peça de jovens dramaturgos ou aspirantes a realizadores audiovisuais. Isso não é privilégio de Matheus Souza, o cinema brasileiro vez em sempre traz ao centro das atenções produtos desta natureza.

Em “Histórias de Amor Duram Apenas 90 Minutos” (2009), por exemplo, o diretor Paulo Halm fazia algo parecido. Já Matheus lançou em 2008 “Apenas o Fim” e em 2012 “Eu Não Faço a Menor Ideia do Que Eu Tô Fazendo Com a Minha Vida“, que se valem dos mesmos expedientes. Merecendo até uma revisão, mas refletindo sobre “Pequeno Dicionário Amoroso” (1997) – roteiro do mesmo Halm – vem a vaga lembrança de que temos um nicho tipo exportação que se repete e parece sempre encontrar um público carioca que começa na ponta da zona norte e vai até a Barra da Tijuca, uma classe média que gosta de revisitar seus próprios problemas com a tal leveza que “o momento pede’.

Até que aquele amigo com hora marcada pediria seu último chope e me perguntaria: mas não tinha uma outra questão que você ia falar? Sim, ela está relacionada à maneira como as gigantes do streaming se relacionarão com o Brasil. E, ouso dizer, com produções como “Me Sinto Bem Com Você”, a Amazon começa problemática, quase como um subsidiária da Globo, no que há de projetos menos interessantes da própria empresa (que, justiça seja feita, nunca focou apenas nesses tipos de representação).

Sem regulamentação do setor, sem mudanças na lei que exijam contrapartidas à indústria do audiovisual, deixando aqui parte do que se arrecada com a receita do serviço prestado (não esqueça que você paga por isso), as escolhas de Netflix e derivados se basearão apenas na famigerada livre iniciativa. Uma mistura neoliberal requentada de pesquisa de mercado e a clássica panelinha, bem Cinema, bem Brasil.

Nisso, o longa-metragem está pronto, reembalado para o público-alvo da empresa que distribuirá o filme. Até o punhado de referências de uma cosmologia pop, inseridas, claro, artificialmente nos diálogos, se atualizaram. Foi do rock indie para o k-pop. Afinal, as rugas do Gregório já não conseguem mais esconder que ele não é mais tão jovem. É preciso renovar.

Portanto, Amazon, digo-vos o mesmo: é preciso renovar. Dar vida a qualquer obra audiovisual é motivo de honra. Assistir e falar delas, prestigiando o setor e seus empregos, mais ainda. Só que essa não é a prioridade deste player (para usar o vocabulário que eles gostam). No mesmo aplicativo, algumas dezenas de obras nacionais relevantes permanecem escondidas, preteridas por qualquer seriado norte-americano de vinte anos atrás. A escolha aqui é movida por interesses tão diretos, que não tinha como evitar apontá-los – e “Me Sinto Bem Com Você” escancara tudo isso.

Veja o Trailer:

 

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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