Sinopse: Esta é a história do linguista negro norte-americano Lorenzo Dow Turner, responsável pelo gravar e fotografar os terreiros de Candomblé, na Bahia entre 1940 e 1941, gerando um acervo inédito.
Direção: Gabriela Barreto
Título Original: Memórias Afro-Atlânticas (2019)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 16 min
País: Brasil
Língua e Tradição
Se apresentando como um documentário sobre o linguista negro norte-americano Lorenzo Dow Turner, “Memórias Afro-Atlânticas” entrega bem mais que isso. Ao fazer um percurso por alguns dos principais terreiros da Bahia, o pesquisador Xavier Vatin traça uma relação entre as línguas africanas e as religiões, além de uma genealogia destas no Brasil.
Vatin conversa com diversos filhos de santo dos mais tradicionais babalorixás e mães de santo e mostra como a cultura permanece viva e pulsante nesses espaços. Ainda que tenham ocorrido algumas modificações (afinal, as culturas e as línguas são vivas), as nações, os cânticos e as rezas continuam a ser cultuados e respeitados em terras brasileiras.
É interessante pensar como Turner inicia seu processo de documentação dos cânticos e tradições encontrados nos terreiros da Bahia a partir de uma observação no Sul do próprio país. Ao visitar a Carolina do Sul e a Geórgia, o pesquisador entra em contato com a nação gullah geechee, descendentes de escravizados que ainda mantinham as suas tradições. A partir da década de 40 , começa uma pesquisa grande e consistente sobre essas sonoridades e histórias.
Vatin, então, retoma em “Memórias Afro-Atlânticas” a obra de Turner tentando retraçar o percurso do linguista e encontrar possíveis rastros do que foi documentado em meados do século XX em Salvador e no Recôncavo Baiano. A extensão da pesquisa de Turner(lembrando que no documentário temos acesso à somente uma parte dela), é impressionante pela inovação e pelo território que conseguiu cobrir, chegando efetivamente a visitar a África. Antes de Verger, um dos pioneiros no que se trata das fotografias de terreiros e de tradições de religiões de matriz africana, Lorenzo já registrava esses espaços e tentava traçar paralelos entre as línguas faladas e sua origem em África(afinal, tratava-se de um linguista). Xavier enfatiza que há também um olhar mais próximo do linguista norte-americano que transparece nas imagens registradas. Um olhar de irmandade que faria com que seus registros adquirissem uma particularidade em relação aos documentados por europeus.
O depoimento da linguista Yeda Pessoa de Castro vem para reforçar o papel da língua na manutenção de vínculos e tradições africanas. Para a linguista, o que sustenta o candomblé é a língua, sacralizando os objetos e marcando as diferentes identidades étnico-culturais das religiões.
Ainda que hoje possamos pensar que o idioma nesses espaços funcione mais como uma manutenção simbólica, a sonoridade e o poder da língua permanecem demarcando espaços e referências. Vatin lembra que iorubá e bantu foram termos criados no século XVIII para designar línguas parecidas. Podemos assim pensar que dentro do iorubá e do bantu, muitos idiomas vivem.
Os depoimentos das filhas de Mãe Menininha do Gantois, dos filhos de João da Goméia (tratado na Apostila de Cinema no documentário “Joãosinho da Goméa: O Rei do Candomblé“) e de Dona Cici (que guarda a história da produção fotográfica e da vida de Verger) são todos no sentido de uma manutenção viva e necessária dos ritos e cultos de origem africana. “Memórias Afro-Atlânticas” reforça o elã, palavra utilizada por Dona Cici que retomados aqui, dessas culturas que, em território brasileiro ,tiveram que se reconfigurar, mas conseguiram através dos séculos resistir às mais diversas tentativas de silenciamento.
Veja o Teaser: