Memórias de Izidora

Memórias de Izidora

Sinopse: No cotidiano de uma ocupação urbana espontânea autoconstruída na Região Metropolitana de Belo Horizonte e conhecida como Izidora, subsiste uma comunidade de cinema formada por uma pluralidade de sujeitos que filmam a vida política e cotidiana daquele território, salvaguardando a sua memória coletiva. Este filme é uma montagem dessa memória audiovisual na perspectiva de quatro personagens cineastas.
Direção: Vilma da Silveira, João Victor Silveira de Paula, Kadu de Freitas, Edinho Vieira e Douglas Resende
Título Original: Memórias de Izidora (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 54min
País: Brasil

Memórias de Izidora Imagem

Despejos e Desprezos

Memórias de Izidora“, como não poderia deixar de ser, é uma construção coletiva. Leva ao máximo a ideia de trazer um olhar e faz isso a partir de quatro moradores do conjunto de ocupações Esperança, Rosa Leão e Vitória, que contava à época com a participação de quase oito mil famílias na região da Grande Belo Horizonte. O fato gerador já é revelado logo no início da obra, por mais que o Poder Público diga que não: trata-se uma área que tornou-se mais valiosa ao mercado especulativo em virtude da zona aeroportuária. Nas últimas semanas, uma notícia passou despercebida pelo turbilhão de tragédias que nos assola. A BH Airport inaugurou uma extensão a qual chamou de “o primeiro aeroporto industrial do Brasil” e isso mostra que a expansão continua a pleno vapor.

No meio de todo esse social media engraçadinho das grandes corporações há uma senha desenfreada da classe empresária por mais lucro. Por mais que as ciências sociais e os urbanistas atestem inapelavelmente que o trabalhador sempre procurará áreas próximas da oferta de emprego – daí os estabelecimentos de comunidades em áreas consideradas “ricas” – a especulação imobiliária grita. O média-metragem, entretanto, dá visibilidade a uma articulação a favor da função social da propriedade de grande monta. Iniciada espontaneamente, as transformações e ganhos econômicos da região trouxeram o esmagamento por parte do opressor.

Nesse cenário, “Memórias de Izidora” é co-dirigido pelos quatro moradores. O primeiro que aparece é João Vitor, da Ocupação Vitória. Um menino, mas que possui um olhar de criança muito mais consciente que o rol de argumentos desumanizadores de quem quer tirar seu teto. Edinho, o segundo que constrói suas imagens, é um jovem que se converte à arte da fotografia. Não apenas como denúncia ou registro histórico, mas como ferramenta de autoconhecimento e combustível para aguentar tanto rojão. Com uma traumática perda do irmão, ele fala como se um grande mestre do ofício fosse sobre a “função da imagem”.

Sob essa perspectiva, a obra traz seus momentos mais inspirados. Em que os meandros das ocupações revelam a riqueza das propriedades familiares, com sua variedade de alimentos – além do artesanato. São longas caminhadas, nas já tradicionais ladeiras de Belo Horizonte. Subidas e descidas que não deixam dúvida de que aquela terra é daquelas famílias. Passado o meio da projeção, uma sequência importante em que uma reunião de moradores mostra as múltiplas funções de uma resistência. Mais do que organizar, é preciso explicar, contextualizar, debater e, principalmente, incentivar o povo a defender seus direitos.

A vida adulta é mostrada pelos olhos de Kadu, em um compilado de imagens que pudemos assistir em sua integralidade na abertura da Mostra Lona: Atravessamentos. Lá Roberta Mathias fala da dor de ver “Na Missão, com  Kadu” e como o Estado age de forma desproporcional quando seu intento atinge os mais humildes. Vale a pena resgatar o que foi dito ali, porque toda aquela abordagem ganha um teor contextualizante se imaginada logo após a reunião citada no parágrafo anterior.

Após trazer os olhares infantis, juvenis e a trágica consequência na vida adulta, “Memórias de Izidora” ainda encontra espaço para mostrar que a luta continua na terceira idade. Vilminha, em imagem que ilustra nosso texto, traz a visão de quem se acostumou com batalhas perdidas. Lembra de situações de um passado que via se perdendo, com apagamento que esperamos não ter mais por conta de iniciativas como a própria Mostra Lona. Há algo que transita entre a tristeza e a resignação pelo que ela assiste nos noticiários. É apenas o lamento de quem, após tanto viver e lutar, testemunhar que não há interesse em se solucionar coisa alguma. O capital quer manter, até o final da nossa existência, uma rotina cruel de despejos e desprezos

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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