Mostra Olhar do Ceará | Sessão 2 de Curtas
Individualidades Coletivas
Personagens reais e ficcionais que nos instigam e promovem a reflexão estão na Sessão 2 de curtas-metragens da Mostra Olhar do Ceará do 30º Cine Ceará. Apresentando histórias com foco em uma pessoa ou um núcleo familiar, somos confrontados com questões e crises cotidianas ao longas das quatro produções que a compõe.
“Luna e Sol“, de Dado Fernandes, abre a sessão em uma narrativa que provoca a dubiedade a partir de estudo de personagem. O cineasta faz isso de forma curiosa, uma maneira de aplicar um cinema de permanência em uma sessão de terapia. O resultado é um trânsito incomum por uma cena que tende a ser dinâmica, recheada de diálogos e um conjunto de intenções, da relação entre as duas personagens da sequência.
Sol (Larissa Goes) inicia sua trajetória falseando uma dificuldade comum, a de que nós temos quando devemos nos descrever na primeira sessão de terapia. Ao revelar uma admiração mal resolvida pela irmã gêmea, a história do curta-metragem começa a ganhar ares de thriller. Uma forma de propor um abordagem sobre psicopatia social que, com um pouco de exagero no desenvolvimento tomado pela cadência, tem bem menos impacto quando nos conduz à conclusão aberta.
Quando assistimos “A Gaiola“, de Jaildo Oliveira, criamos uma conexão direta com “Vó“, curta-metragem de Felipe Coelho que venceu a Mostra Zona Norte de Cinema no Rio de Janeiro, organizada pelo Ponto Cine para produções realizadas no início do isolamento social causado pela pandemia do novo coronavírus. Inclusive, tivemos a oportunidade de entrevistar o realizador, que tratou das motivações do desenvolvimento de seu roteiro. Aqui, a ambientação é parecida. Lúcia Rolim, que estrela o filme de Jaildo, mora região do Cariri e, em sua casa, tem a companhia de seu pássaro.
Um animal doméstico capaz de ampliar a percepção de prisão. Ao mesmo tempo que pode ser visto como um companheiro, é inegável que confinamos esse ser a um espaço muito pequeno com o objetivo de admirá-lo. Sem ignorar quem entenda que é uma forma de proteção, já que muitas espécies não conseguiriam sobreviver ao ar livre. E é justamente essa dicotomia que podemos nos vincular no momento em que fomos convocados a permanecermos dentro de nossas residências. Uma obra curta e reflexiva.
Já “Aqui Entre Nós“, de Alexia Holanda e Daniel Sobral, retoma a narrativa clássica do primeiro curta-metragem da sessão, porém de montagem mais tradicional. Nos coloca em uma festa de família rica, centrando seu roteiro no núcleo familiar da fotografia acima. É uma trama que se baseia no velho mote do choque geracional e na tendência de não seguirmos o que nossos pais entendem para nós como futuro.
Com isso, personagens batem cabeças diante do fato de não se comportarem mais no mesmo espaço. É uma obra sobre o amadurecimento de ideias, sobre a verbalizações de anseios. O fim da vida cor-de-rosa, como pensado pela construção da edição que usa a clássica “La Vie en Rose” de Edith Piaf como ponto de quebra. A falta de abertura entre pais e filhos, muitas vezes provocadas pelos dois lados, ocasionalmente gera essa manifestação mais violenta, com ares de indignação. É uma maneira de usar essa história comum envolvendo o recorte de classe dos personagens, para atualizar a narrativa.
Por fim, encerrando a Sessão 2, “Futebol para Todos Nós“, de Rafael Luís Azevedo, é mais um estudo de caso interessante. O próprio cineasta, responsável pelo canal Verminosos por Futebol, admite antes da exibição que o protagonista deste documentário era parte de entrevistados para um outro projeto. Porém, despertou um interesse de transformar a sua história em um curta-metragem a parte.
Trata do processo de invisibilização das pessoas em situação de rua. Uma abordagem parecida com o curta-metragem “Falar Nós, é Mole – Ser Nós é Diferente!“, dos realizadores de Rondônia Joesér Alvarez e Ariana Boaventura e assistido durante o Festival Taguatinga de Cinema. Azevedo foca no programa governamental Mais Inclusão, que procura prover direito a lazer a pessoas carentes levando a jogos de futebol nos estádios. Ao mesmo tempo em que a vida do biografado nos envolve, as possibilidades que faz com que o curta-metragem seja um filme-exercício, de captação de imagens e de montagem, pluralizam a experiência.
Na sessão 5 teríamos novas experiências nessa temática com o documentário “Todos Nós Moramos na Rua”, de Marcus Antonius Melo. Já Rafael Luís Azevedo retornará na Sessão 7 com a produção “Aqui é Flamengo”.
Ficha Técnica da Sessão 2 de Curtas da Mostra Olhar do Ceará
Luna e Sol (2020, Dado Fernandes, Brasil, 16′)
Sinopse: Sol (Larissa Goes) vai a uma sessão de terapia, a fim de relembrar e falar de alguém especial. Na terapia, ela descobre que a sua vida sempre foi pautada por vários traumas, violências e também vitórias. Porém, uma revelação mudará de vez a sua vida e a de sua Terapeuta (Alda Pessoa).
A Gaiola (2020, Jaildo Oliveira, Brasil, 3′)
Sinopse: Uma senhora, viúva, vive sozinha em sua casa tendo apenas a companhia de seu pássaro em uma gaiola. Pelo rádio, ela toma conhecimento que um vírus está matando diversas pessoas e ela faz parte do grupo de risco. Trancada em sua casa, ela vai vivendo sua rotina que se assemelha com a do pássaro.
Aqui Entre Nós (2020, Alexia Holanda e Daniel Sobral, Brasil, 15′)
Sinopse: Lucas retorna à casa de seus pais para comemorar o aniversário de sessenta anos de seu pai, Pádua. Ao ser confrontado com o mundo conservador e burguês do qual havia escapado, Lucas percebe que não pode mais se esconder atrás de sua antiga máscara e decide expressar o que realmente pensa.
Futebol para Todos Nós (2019, Rafael Luís Azevedo, Brasil, 5′)
Sinopse: Um projeto em Fortaleza leva pessoas em situação de rua para momentos de lazer. No estádio Castelão lotado, um homem rejeitado pela mãe e que mora numa praça se sente, durante 90 minutos, parte da sociedade.
Mostra Olhar do Ceará | Sessão 2 de Curtas
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