Mulan

Mulan 2020 Crítica Disney+ Niki Caro Pôster

Sinopse: Hua Mulan é a espirituosa e determinada filha mais velha de um honrado guerreiro. Quando o Imperador da China emite um decreto que um homem de cada família deve servir no exército imperial, Mulan decide tomar o lugar de seu pai, que está doente. Assumindo a identidade de Hua Jun, ela se disfarça de homem para combater os invasores que estão atacando sua nação, provando-se uma grande guerreira.
Direção: Niki Caro
Título Original: Mulan (2020)
Gênero: Aventura | Ação | Drama
Duração: 1h 55min
País: EUA | Canadá | Hong Kong

Mulan 2020 Crítica Disney+ Niki Caro Imagem

Desagradando a Base

Seguindo nossa maratona de indicados ao Oscar de 2021 que ficaram pelo caminho, “Mulan” foi um dos primeiros grandes prejudicados pela pandemia de covid-19. A produção, dirigida por Niki Caro, prometia subir alguns pontos na escala das versões em live action das animações clássicas das duas Eras de Ouro da Disney. Era a chance de ter um toque de hero movie nessa espécie de franquia requentada da empresa, com potencial para ser outro sucesso de bilheteria.

Adiado em 2018 e depois no Natal de 2019 (para não rivalizar com o nono capítulo da saga Star Wars) acabou servindo de tubo de ensaio para lançamentos sob demanda da nova plataforma, a Disney+. Após um período em que fãs mais empolgados precisaram dispor de uma pequena fortuna para acompanhar a trajetória da guerreira interpretada por Yifei Liu, o filme chegou definitivamente para os assinantes no início de dezembro de 2020.

Ao contrário da versão animada, as canções perdem espaço para uma narrativa mais direta, que encontra sua potência enquanto épico apenas na metade final. A cineasta deixou registrado em entrevista no período anterior à estreia que não via sentido construir um musical no meio de uma batalha sobre a proteção de uma dinastia na China medieval. Quanto a essa opinião, não cabe a nós julgar e sim registrar os traços de autoria da diretora da Nova Zelândia, que teve um início de carreira marcado por dois excelentes dramas. “Encantadora de Baleias” (2002) e “Terra Fria” (2004) garantiram indicações às suas protagonistas femininas, vividas por Keisha Castle-Hughes e Charlize Theron, respectivamente (o segundo ainda foi lembrado na categoria coadjuvante com a nomeação de Frances McDormand).

Ou seja, Caro tem controle sobre a responsabilidade de conduzir uma história de mulheres independentes e fortes. Mulan é uma delas, marcada por desbravar dentro da Disney essa imagem da figura feminina fora do estereótipo de princesa. Antes dela, todas eram, de certa forma. Se não no palácio, na floresta, no mar, no Novo Mundo e por aí vai. A história da jovem que tem um controle de seu chi nunca antes visto traz uma sensação de controle sobre as próprias ações e seu sucesso se refletiu em outras histórias mais a frente. A nova versão tira ainda mais o impacto de uma relação de afeto envolvendo Li Shang (aqui desmembrado em dois personagens), quase tão incabível quanto a cantoria de outrora – e que talvez seja a única âncora de conto de fadas da trama original.

Ao abandonar alguns elementos, a cineasta adiciona desafios ao seu trabalho. Quer trazer ao público uma representação que remonta ao cinema clássico, que divide em blocos a trama, perfeitamente identificáveis. A origem de Mulan até se apresentar como voluntária da família para ir à guerra e proteger seu pai; o treinamento e o combate. Nem todos esses estágios nos envolve da mesma maneira, mas a enxurrada de críticas ao longa-metragem hoje soa excessivo, uma emoção da base cinéfila que acha que usar mestres como referência, de Lean a Kurosawa, precisa chegar a um produto final transcendental, que ultrapasse barreiras. Aqui estamos diante de uma obra que prima pela correção, nos fornece os sobressaltos como forma de crescer a emoção no momento certo. Dosa os acontecimentos – claro, por vezes dosa a ponto de quase nos desconectar.

Veja o Trailer:

A grande questão de “Mulan“, que incomoda a quem busca o clássico e nunca encontrará, é a representação digitalizada de mundo. Falta textura, falta verniz de realidade em quase todas as obras que trocaram cenários e pessoas reais por aditivos de pós-produção. No caso do filme, a diretora até tenta suprir essa demanda, fornece material para que a montagem de David Coulson, parceiro tradicional na filmografia da diretora, faça transições a partir de bonitos planos em cenários naturais. Em nome do entretenimento (ou para não abandonar a cinefilia de vez), é preciso abstrair um pouco tal incômodo.

O tom mais épico da parte final torna tudo mais interessante. A atriz Gong Li (do clássico absoluto “Lanternas Vermelhas“, de 1991) dá peso à sua Xianniang. Aliás, ela foi a imagem que inspirou os traços da protagonista em 1998. Ao se permitirem trocar palavras no meio do que seria um embate entre figuras antagônicas, Mulan começa a se projetar na feiticeira. Vê que a linha entre “guerreira” e “bruxa” é muito tênue, atingindo o universalismo e a atemporalidade. Até hoje a sociedade vira a chave transformando “mulheres de atitude” em “loucas”, com toda a complexidade que o termo evoca. Da China Medieval à Hollywood.

Christina Aguilera que o diga, com sua releitura de “Reflection”, em vinte anos de altos e baixos na sua carreira – boa parte provocada por leituras enviesadas dos outros sobre ela. Sua ausência, por sinal, foi sentida no documentário “Framing Britney Spears: A Vida de uma Estrela” (2021), um dos assuntos da última semana. Aqui ela está presente de forma saudosista, já que a trilha sonora da nova versão repete acordes das principais canções originais. Aliás, a trilha antiga foi, ao lado de Fernanda Montenegro, uma vítima de “Shakespeare Apaixonado” (1998), no Oscar radioativo de 1999.

Na noite de 25 de abril, é possível que “Mulan” apenas cumpra tabela nas duas categorias a qual foi lembrada: efeitos visuais e figurino. Por sinal, dois elementos que dialogam com mais dificuldades na Era de CGI. Apesar de todo o esforço de Niki Caro em trazer mais sentimento à produção, abdicando de uma fantasia exagerada, a frieza do público pode levar futuros longas-metragens do estúdio para outro caminho. Não tem o Mushu, o dragão engraçadinho, por exemplo – e parece que o paladar infantil da turma foi afetado por coisas assim, mesmo com a simbologia de prosperidade repaginada de uma forma muito mais lúdica pelo uso de uma fênix. Desagradou a base e não obteve o respeito da crítica. Ou seja, a Disney adora encontrar zonas de conforto e parece ter deixado seus fãs mais apaixonados sedentos pelo óbvio.

Ouça “Reflection”, versão 2020, por Christina Aguilera:

 

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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