Sinopse: Ao se mudar para Tóquio, uma escritora brasileira escreve seu novo livro, instigada por experiências no Japão e a cena que presenciou no Rio de Janeiro: uma nadadora rasgando o horizonte em mar aberto. Essas duas mulheres aparentemente não compartilham nenhuma conexão, até que suas vidas começam a interferir uma na outra, ligadas pelo mar. Hannah, escritora, mergulha em uma jornada de autodescoberta no Japão, enquanto Ana, nadadora, tem seu corpo transformado em uma espécie de oceano interior.
Direção: Djin Sganzerla
Título Original: Mulher Oceano (2020)
Gênero: Drama
Duração: 1h 39min
País: Brasil
Imersa em Si
Na mesma semana em que será disponibilizado gratuitamente em janela de exibição da 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes, o filme “Mulher Oceano” chega ao Amazon Prime Video. Escrito, dirigido e produzido por Djin Sganzerla, a trajetória do longa-metragem passa pela Mostra SP de 2020 e pela tentativa de lançamento em circuito comercial. Sua presença no streaming é mais uma aquisição para um catálogo pouco original no mercado no que diz respeito ao cinema internacional. Nesse caso, o Brasil tem salvado os cinéfilos em busca de fuga de sua zona de conforto.
O caminhar da protagonista, interpretada pela própria Djin, traz um pouco disso. Uma escritora em busca de inspiração, tentando equilibrar a aquisição de novas vivências e experiências em um novo país com a potência de ócio criativo. É como sair da zona de conforto habitual, porém buscar uma nova, que te torne produtivo. Quem cria no mundo das artes sempre se preocupou em extrair do olhar maneiras de materializações – um método que parece que vai se estendendo a uma parcela cada vez maior dos habitantes do mundo.
Outro ponto que vai nos unindo é a falsa sensação de controle. A cena inicial de “Mulher Oceano” é um bom exemplo. Um prólogo poético, que nos desafia a mergulhar no onírico muda para mostrar a personagem dormindo toda torta em um sofá. O dia claro e a TV ligada em um programa esquisito demonstra que algumas horas se passaram ali. Ela achou que tinha controle sobre si, aquele imediato, que não nos deixa dormir. Claro, se enganou, Aos poucos a cineasta traça o caminho de se ler enquanto corpo-território. A era pré-isolamento social a permitia transitar pelo território geográfico da cidade de Tóquio, capital do Japão.
O olhar enquanto diretora é cosmopolita, mostrando o que há de mais padronizado de um grande centro urbano, com os destaques de sempre que nos mostram que estamos no Oriente – como os letreiros em outro alfabeto, as cores e as lanternas que enfeitam as entradas das lojas e restaurantes. Na rua, a tentativa de projeção de outra realidade. Em casa, o bloqueio criativo. A primeira metade do filme equilibra o experimentalismo dessa caminhada pelos espaços (e por dentro de si) com uma narrativa mais tradicional. Sganzerla evita ser tão imersiva quanto James Benning em obras como “Telemundo” (2020), mas também não é tão didática quanto “Family Romance, LLC” (2019) de Werner Herzog.
Ela se vale dessa presença do outro, do contraponto de um autor. Homem, que vive do outro lado do mundo e não parece experimentar as dificuldades momentâneas da protagonista. Mesmo assim, eles concordam em uma sentença: “publicar é como morrer“. Aqui está outro ponto de contato com a sociedade que nunca causou estranheza a quem produz arte: a perda da posse e do controle de sua criação. Mais um elemento que observamos dificuldades de muitas pessoas em absorver. A responsabilidade pelo que se diz, pelo que se faz. É ser analisado pelas percepções e vivências do outro.
“Mulher Oceano” jamais chegará a essa seara. Sua criadora (em quase todas as funções de controle de um produto audiovisual) nos deixa na visita ao território internalizado de sua personagem. Aos poucos, tanto a narrativa quanto as imagens vão ficando um pouco mais turvas. O mar ganha o protagonismo e o espectador começa a se questionar se há uma dicotomia entre procurar e fugir. Quando chegamos no terço final, começamos a transitar por outros espaços, que envolvem a fé a a busca pela salvação em vida.
Há momentos em que essa ideia de purificação ganha mais urgência. O artista pode fazer esse trajeto pela arte. Seus delírios de grandeza permitem que a palavra legado o acompanhe por muito tempo. Outros preferem a paz imediata, a sensação de bem-estar espiritual. É quando Djin Sganzerla propõe duas manifestações que parecem se confundir, mas na verdade são duas leituras sobre o mesmo conjunto de imagens. A primeira é aceitar a ideia de que a vida é um sopro. Um sopro de ironia, que pode nos surpreender tanto pelo alcance do impossível quanto pela queda inesperada. Os mais mundanos, aqueles que buscam respostas precisas, se contentarão com essa leitura.
Todavia, é possível viver a experiência do longa-metragem enquanto criação – e recriação. Não podemos negar que é um longa-metragem estilizado (assim como “O Livros do Prazeres” de Marcela Lordy). Se posicionar enquanto representante de uma classe social abastada não desautoriza nenhuma manifestação artística (falamos muito disso nas análises das narrativas das obras de Rafael Gomes, como “Música para Morrer de Amor” e “45 Dias sem Você“). Djin Sganzerla não abre mão de trazer lindas captações de uma cidade como o Rio de Janeiro. Deixa o público à deriva nos momentos finais. É quando ela alastra um tom mais poético e parece querer escrever um novo final para outras vidas – ou ignorar os caminhos que não lhe interessa.
Com isso, “Mulher Oceano” provoca esse sentimento do artista enquanto onipotente. Para alguns, será possível ser o fim do ciclo de uma representação exagerada de si. Pois fiquemos com o compartilhamento daquilo que de melhor a cineasta poderia nos dar: sua criação, carregada apenas de seus próprios julgamentos.
Veja o Trailer:
Ouça a Música: