Não Haverá Mais Noite

Não Haverá Mais Noite

Sinopse: “Não Haverá Mais Noite” é baseado em gravações de vídeo das forças armadas da França e dos EUA no Afeganistão, Iraque e Síria. O filme desvia das imagens de propaganda e mostra quão longe o desejo de ver pode levar quando usado sem limites.
Direção: Eléonore Weber
Título Original: Il n’y Aura Plus de Nuit (2020)
Gênero: Documentário Experimental
Duração: 1h 16min
País: França

Não Haverá Mais Noite

Imagem Alerta

Não Haverá Mais Noite” é um documentário sobre as novas formas de se fazer a guerra. A cineasta Eléonore Weber usa material de entrevistas com um homem por ela chamado de Pierre V. Porém, se vale somente registros das imagens das câmeras das Forças Armadas dos Estados Unidos e da França. Há duas maneiras que diretamente nos conecta à proposta visual da diretora. A mais abrangente trata das provocações de assistirmos aquele compilado de cenas, com suas limitações que acabam nos aproximando das vivências dos oficiais que precisam utilizar-se delas para tomar suas decisões. A mais específica diz respeito à nossa realidade, principalmente a rotina de quem vive no Rio de Janeiro – e provavelmente em outros grandes centros urbanos latino-americanos.

Muito se fala da estilização da violência pelo audiovisual (extensível divagação a jogos de videogame), mas fato é que a imagem de conflito é banalizada pelos próprios meios de comunicação – hegemônicos, alternativos ou até das bolhas por nós construídas. Se compartilha e divulga muito as manifestações de guerra – uma maneira de prender a atenção pela brutalidade, ao mesmo tempo que traz uma mistura de ansiedade crescente e – ao final da experiência – um respiro por continuarmos vivos. Há décadas nos valemos dessa potencial mensagem de morte iminente, mas não fazemos muito coisa com ela. Pelo contrário, aprimoramos técnicas de captação para criar novas imagens.

Com a possibilidade de operações de guerra serem filmadas, Weber se concentra nas cenas captadas à noite, mantendo uma unidade estética na obra (quebrada apenas nos dez minutos finais). Essa ideia de que a noite é algo que nunca vai passar é permeada por narrações descritivas das imagens, ao mesmo tempo em que se registra as experiências de Pierre V., lida pela atriz Nathalie Richard. No futuro, toda essa compilação incomensurável de arquivos de guerra será revista. Ainda dependeremos de quem atuou diretamente em suas produções (os combatentes) para que se filtrem formas de ampliação de suas leituras. É um terreno que ainda começamos a explorar e é nesse ponto que o paralelo com as operações dos policias militares consegue ser traçado, pois os registros existem – em algum lugar.

A maneira como a diretora expõe esses arquivos é uma mistura de big brother com o sensacionalismo que os programas pseudo-jornalísticos se valem nos finais de tarde na televisão brasileira. É como se aquelas imagens pudessem concentrar as duas formas de hipnose midiática, mas ainda assim dentro de um experimentalismo que se ancora nas falas de Richard. Há condicionamentos de entendimentos, como no esclarecimento sobre a “cultura da dúvida”, que quanto mais vemos, menos acreditamos. A necessidade de gerar um olhar diferenciado, mas que perdura por um longo período, é o grande provocador de erros em uma guerra. Didaticamente, Eléonore traz exemplos em que as imagens se tornam indistinguíveis. Uma ótima forma de relembrar e dialogar com “A Densa Nuve, o Seio“, que – não por coincidência – há momentos em que, aparentemente, usa arquivos militares retrabalhados para compor esse grande mosaico de perdição por ele pensado.

Assim como nas comunidades do Rio de Janeiro, que sofrem intervenções violentas que vitimam inocentes diariamente, moradores segurando qualquer objeto podem ser confundidos com homens segurando rifles também no Afeganistão, no Iraque ou na Síria. É a face mais cruel do conflito, uma vez que a Humanidade esquece (ou sempre lembra de esquecer) que não há guerras sem vítimas inocentes, não há cotidianos que não sejam afetados. Por mais que essa visão surja como elemento complementar em obras ficcionais como “A Hora Mais Escura” (2012) de Kathryn Bigelow, sempre teremos filmes como “Não Haverá Mais Noite” que os levará ao centro do debate. Seja pela manutenção de uma atenção cansativa, seja pelos momentos finais em que traz imagens do cotidiano – ainda sobre o filtro da guerra – até que a escuridão finalmente tenha fim e as estrelas antes alcançadas, agora sejam enxergadas.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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