Sinopse: A trajetória de um dos maiores mestres circenses do Brasil, Zé Wilson, em regresso à sua cidade natal, no sertão de Alagoas, quando, junto de sua trupe, ele revisita a própria história e a história do circo no Brasil.
Direção: Paulo Caldas
Título Original: O Circo Voltou (2021)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 26min
País: Brasil
Gente Boa com os Pés na Profissão
Exibido em janela de apenas quatro horas no Itaú Cultural Play, o novo documentário de Paulo Caldas, “O Circo Voltou” (2021) não precisa forçar comparações para mostrar como a Cultura está desguarnecida nesse país. Por sinal, nas três produções que a Apostila de Cinema já assistiu no recorte curatorial da Mostra Brasil da 45ª Mostra SP que foi distribuída pela plataforma do patrocinador, essa ideia de registro de destruição do patrimônio imaterial é algo que perpassa as narrativas.
Aqui, como o título sugere, a secular arte do circo é o fio condutor da narrativa. O longa-metragem acompanhará uma viagem da trupe Spadoni, comandada por Zé Wilson, até a cidade de Major Isidoro para a realização de uma temporada. Localizada no sertão alagoano, é a cidade-natal de José, lembrado por ser bisneto do fundador daquele município. Quem narra a história é seu filho, o talentoso Pedro Moura que, apesar da pouca idade, demonstra ter um longo futuro na carreira artística.
É justamente ao lembrar de talentos que vieram do circo que “O Circo Voltou” emociona. Spadoni sempre fazia parte das falas do ator Domingos Montagner, formado no circo e prova das múltiplas funções sociais de uma arte que vai muito além de algumas horas de lazer para o público do território no qual se estabelece. Parte dessas experiências são brevemente transmitidas oralmente entre a descida de lona em São Paulo e a longa viagem até o Estado do Nordeste brasileiro. Outras, entretanto, são mostradas. Em mais um grande momento da obra, uma apresentação em uma comunidade quilombola é parte de uma jornada de resgate de raízes do protagonista.
Para os trabalhadores da Cultura, as questões envolvendo patrimônio cria diálogos com outras importantes representações baseadas nas pesquisas e produções de memórias, como se deu em “Mateus” (2019), de Déa Ferraz, por exemplo. Nas falas dos agentes envolvidos, as dificuldades atreladas ao nomadismo e à logística de quem vive em constante transição – indo aonde o povo está. Mas, não é apenas isso. Questões envolvendo a captação de recursos e de enquadramento dentro das linguagens artísticas faz do circo uma manifestação em crise permanente.
Dependendo de fomentos específicos e que, à luz do atual governo federal, estão mais longes de chegar ao seus destinatários, abriu-se um gargalo de falta de respeito e apoio que o circo merece. Enquanto isso, Caldas mostra como a chegada dos artistas na cidade é motivo de festa, digna de cortejo, como se a alegria pudesse ser transportada e aplicada como seringa de vacina nas veias de uma comunidade carente de Cultura.
Por conta da viagem, “O Circo Voltou” usa o road movie como gênero induzido, muitas vezes com a câmera presa no carro e a observação da convivência entre os personagens. Destaca-se também, nas passagens pelos locais, aspectos periféricos como o fato do menino Pedro aparecer munido de seu smartphone e os ganhos que a inclusão digital podem trazer à atividade. O ganho da democratização de acesso dentro da programação da Mostra SP é notório no caso do filme, afinal, sua disponibilização de forma gratuita em uma página que reúne produções audiovisuais de todos os tempos, é uma forma de aproximar pessoas alheias ao que acontece no setor atualmente.
E se há algo no documentário de Caldas que é inquestionável é o legado do circo para além do picadeiro – e como a política de destruição em curso no Brasil também o abala.
Veja o Trailer: