Sinopse: Em “O Culpado”, um detetive rebaixado a operador de chamadas de emergência tenta salvar uma mulher desesperada em meio a um dia frenético cheio de revelações – e acertos de contas.
Direção: Antoine Fuqua
Título Original: The Guilty (2021)
Gênero: Thriller | Crime
Duração: 1h 30min
País: EUA
Do Erro à Tragédia
Atraindo mais um astro de Hollywood para o seu catálogo, o thriller “O Culpado“, uma das estreias da semana da Netflix, traz Jake Gyllenhaal como Joe Baylor, um policial deslocado para os atendimentos iniciais do centro de emergência do 911 na cidade de Los Angeles. Ele vive a véspera de um dia importante em sua carreira, mas, uma crise provocada pela temporada de incêndios florestais fará o seu turno mais movimentado do que o habitual.
Versão de produção dinamarquesa do mesmo nome (e disponível no momento no Amazon Prime Video), o longa-metragem é conduzido por Antoine Fuqua, que começou a se destacar há exatos vinte anos com “Um Dia de Treinamento” (2001). Aqui ele usa o expediente comum de nos manter concentrados na perspectiva do protagonista, com os outros personagens transitando apenas por ligações telefônicas – tais como “Por um Fio” (2002) e “Enterrado Vivo” (2010). Notas de produção registram que ele dirigiu o filme isolado em uma van, já que teve contato com alguém com covid-19 alguns dias antes e a perda de diária com o isolamento tornaria a produção inviável – já que foram apenas onze diárias em outubro de 2020.
Joe se mostra entediado e descrente em seu ofício. Atende as ligações sem muito empenho, pede detalhes de possíveis cenas de crime e reluta em enviar agentes policiais para as cercanias em um primeiro momento. Com o tempo, os desdobramentos dos dramas pessoais dele revelam uma motivação a mais: ele tem medo de errar – ou de colocar um colega de profissão em situação de possível erro. Tudo muda assim que uma família aparece no horizonte do agente. Isso se dá quando ele tenta seguir os passos de Henry (Peter Sarsgaard), um homem com antecedentes criminais que parece ter sequestrado a esposa Emily (Riley Keough), deixando duas crianças pequenas sozinhas em casa: Abby e Oliver.
Esse envolvimento pessoal é o que tira o personagem do prumo em “O Culpado“. Dali em diante ele não medirá esforços para auxiliar a mulher e seus filhos a se livrarem dos perigos do pai. O espectador precisa realizar seus exercícios de projeção, como é típico desse subgênero de thriller – algo parecido com o brasileiro “Dora e Gabriel” (2021), estreia da semana passada nos cinemas e plataformas digitais. Gyllenhaal já provou que é capaz de liderar um elenco – ou ser quase a totalidade dele, como aqui. Já Fuqua usa bem as ferramentas possíveis para criar tensão, faz intervenções em um desenho de som pouco carregado, desenvolvendo o suspense pela expressividade do ator em cena.
No meio de uma negociação difícil, de um crime em andamento com motivações passionais, o roteiro de Nic Pizzolatto guarda espaço para uma interessada virada na trama. Preso nas convenções de uma sociedade que ele não vê durante um expediente confinado – montando um quebra-cabeça pela tela de um computador – Joe acaba reproduzindo em sua mente o que há de mais comum em casos semelhantes: homem que não aceita a separação da esposa e dos filhos e é capaz de, na tentativa de provar seu ponto, fazer mal àqueles que ama. Uma leitura simplista para quem trabalha com a urgência. Ao se colocar como um potencial agressor, o protagonista pensa na própria mulher e filho e imagina o que deveria ser feito.
O que muitos esquecem é que ser uma autoridade policial, ainda mais atuando nas ruas, é flertar com o erro a cada segundo. Uma profissão de alto risco – e não apenas sob a própria vida e integridade. Não há como tratar como um jogo, mas a necessidade exige tomadas de decisões, escolhas que podem se tornar equivocadas mais adiante. Nem sempre a intuição, aliada com a experiência profissional e as leituras possíveis daquele grupo ou território, são certeiras. Não há uma fórmula exata, ainda mais na constante pressão. Joe acaba levando parte dessa pressão das ruas para aquela cadeira, quando se coloca de forma ativa em um caso. Talvez para equilibrar toda a indiferença dispensada às outras ligações.
No meio dessa dilema, “O Culpado” cria o arco de um homem que faz as pazes com a verdade. Seu ato final, iniciado com a virada de roteiro, revela uma trama em que o corporativismo motivou a polícia de Los Angeles a deslocá-lo para aquele posto. A sua cota de erro foi alcançada e a perspectiva de “último dia” enquanto atendente na central de 911 pode maquiar ou tirar o peso das consequências de seus atos. Usando João 8:32 como abordagem inicial do filme, Fuqua telegrafa essa mensagem, mas a trajetória até ela é bem executada. O caminho para superar a descrença na humanidade é voltar a acreditar em si. E, como passo fundamental, atacar os próprios erros para que voltar a cometê-los não seja apenas mais um tropeço do acaso.
Veja o Trailer: