O Custo do Vício Digital

O Custo do Vício Digital

Sinopse: Consumidores amam – e não podem viver sem – seus smartphones, tablets e laptops. Uma miríade de novos dispositivos inunda o mercado prometendo ainda mais comunicação, entretenimento 24h por dia e informação instantânea. Mas essa revolução tem seu lado sombrio. De funestas condições de trabalho na China a famílias intoxicadas em NY e aos corredores ultra-tecnológicos do Vale do Silício, “O Custo do Vício Digital” revela como até o menor aparelho eletrônico carrega custos fatais para o meio-ambiente e para nossa saúde.
Direção: Sue Williams
Título Original: Death By Design (2016)
Duração: 1h 14min
Gênero: Documentário
País: Estados Unidos

O Custo do Vício Digital

Elemento Vital

Necessidade. É nessa palavra que os primeiros minutos de “O Custo do Vício Digital” se prende. Entrevistando cidadãos norte-americanos, a diretora Sue Williams chega à conclusão óbvia por fazer parte da realidade de todos nós: não conseguimos mais viver sem a tecnologia, sendo nossos smartphones uma extensão do nosso corpo, quase um órgão vital em forma de objeto. Depois disso, o documentário cria ciclos, os mesmos que vão aumentando progressivamente um descarte altamente tóxico no planeta, todo baseado em metal. Fazendo da relação Estados Unidos e China quase uma ponte aérea, o filme é mais um da Mostra Ecofalante que aproxima a relação causa x efeito do espectador, a partir do relato de vítimas de graves doenças oriundas da indústria.

O Vale do Silício conseguiu democratizar os danos ao redor do globo. Uma área que sempre concentrou grandes universidades, assistiu a partir da década de 1960 o desenvolvimento de grandes corporações tecnológicas, como a HP e a IBM. A segunda, já sabendo dos impactos do manuseio das matérias-primas de seus produtos (como o monóxido de chumbo), monitorava seus funcionários. Resultado: o índice de desenvolvimento de câncer de mama era quatro vezes maior do que a média nas trabalhadoras das fábricas. É a prova de que as produções de larga escala sempre se basearam em mentiras. Em “Breakpoint: Uma Outra História de Progresso” (2018) falamos como as usinas de carvão foram vendidas no início da Revolução Industrial como uma solução limpa para o desmatamento. Em “Beleza Tóxica” (2019) como a Johnson e Johnson sabia há mais de cinquenta anos que componentes do seu talco provocavam câncer e, mesmo assim, não deixou de vendê-los. Aqui, temos mais um caso onde a desculpa de que determinada atividade é nova e que ainda estamos conhecendo as consequências, é só invenção de quem foi pego em flagrante.

A solução encontrada foi migrar as linhas de produção para a China, um país pioneiro na ultra precarização do emprego – e que hoje é o segundo maior PIB do mundo por conta disso. “O Custo do Vício Digital” tem um dos momentos de maior destaque do festival ao nos colocar dentro de uma fábrica chinesa – e nos trazer relatos de trabalhadores e ex-empregados. Uma folga no mês, doze horas de trabalho por dia e uma grande quantidade de componentes nocivos à saúde. É assim que nossos aparelhos de celular são produzidos – com agravamentos pontuais quando a Apple está para lançar um novo Iphone. Imagens feitas de maneira clandestinas mostram as condições de labor terríveis as quais – por trás do que as empresas mostram oficialmente – aquelas pessoas convivem.

O governo chinês auxilia o monitoramento até mesmo quem já não trabalha mais nas fábricas. Só que a caixa preta do que está por trás dos nossos aparelhos eletrônicos vai além. Estamos diante de um braço do Capitalismo onde as desculpas da propriedade e segredo industriais tornam ainda mais difíceis a dimensão dos danos. Sequer os fornecedores de insumos são revelados. A cineasta, então, desenvolve a segunda metade do documentário reiniciando o ciclo produtivo para falar da durabilidade desses produtos. Aqui reside o ponto mais delicado de toda a crítica em relação ao objeto desta obra. Estamos presos em uma cadeia de consumo que nos amarrou como nenhuma outra. Nossos telefones e tablets são feitos para durar no máximo dois anos. A Apple inviabiliza até mesmo a troca da bateria – entendendo que, um cliente mais voraz, em dezoito meses terá que adquirir o recente lançamento da empresa.

O grande dilema é que, de fato, não há vida sem as possibilidades tecnológicas. Isso poderia fazer do filme negativista em suas intenções, mas ele propõe solução e apresenta exemplos. A quebra desta cadeia de dependência está no crescimento de uma indústria mais sustentável. Mais adiante teremos obras no festival que tratam de alimentação – e já podemos imaginar que os produtos orgânicos são parte do processo de melhoria. Nos problemas trazidos por “O Custo do Vício Digital” a procura por aparelhos de maior durabilidade, que permitam a troca de peças defeituosas – além de empesas que se preocupem em reaproveitar ou fazer o devido descarte dos resíduos de metal – deve se tornar regra o mais rápido possível. Mesmo que o design seja menos atraente. Por mais que, no curto prazo, a derrocada de gigantes traga uma perspectiva de miséria, a continuidade dessa dinâmica de consumo está nos roubando o ar. O documentário se encerra revelando que aquele metal precariamente manuseado ou descartado na China também faz a ponte aérea com os Estados Unidos e poluirá indistintamente todas as partes do planeta.

E o ar, esse sim, é um elemento vital.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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