O Farol

O Farol

Sinopse: Dois homens tentam manter sua sanidade enquanto trabalham no farol de uma remota e misteriosa ilha no final do século XIX.
Direção: Robert Eggers
Título Original: The Lighthouse (2019)
Gênero: Horror
Duração: 1h 49min
País: Estados Unidos | Canadá | Brasil

O Farol

Já Conheço os Passos dessa Estrada

Os gêneros de fantasia, terror, horror e derivados sempre se valeram de produtoras e cineastas independentes que substituíram grandes orçamentos por muita originalidade. Foi assim que M. Night Shyamalan precocemente foi alçado a gênio (não que ele não seja, mas vamos deixar essa polêmica para outro dia). Nos últimos anos, a Blumhouse e a A24 têm feito esse papel. A primeira tem conquistado alguns sucessos de bilheteria invejáveis, com as obras de Jordan Peele e filmes de apelo popular como “A Morte te Dá Parabéns” (2017). Já a segunda surpreende a cada lançamento e entregou em 2019 três dos prováveis cinco melhores filmes do ano: “The Last Black Man in San Francisco“, “Midsommar: O Mal Não Espera a Noite” e “Jóias Brutas“. Em 2020, chegou na mostra competitiva do Festival de Berlim com “First Cow” (2020). Talvez isso tenha gerado uma alta expectativa por “O Farol“, primeiro longa-metragem dirigido por Robert Eggers desde “A Bruxa” (2015).

O filme, que teve o brasileiro Rodrigo Teixeira como um dos produtores, merecidamente foi lembrado no Oscar deste ano na categoria de melhor fotografia. Na fase embrionária da Apostila de Cinema fizemos um podcast sobre o assunto (deixaremos uma caixa no final do texto com o episódio). A criação de um filtro próprio e a necessidade de uma luz muito potente, fez com que a equipe de filmagem permanecesse o tempo todo de óculos escuros – inclusive durante as filmagens da cenas. Mais uma maneira angustiante de Eggers aumentar as ferramentas para dois talentosos atores como Willem Dafoe e Robert Pattinson, pudesse compor os dois personagens, faroleiros que tentam manter a sanidade.

Há uma forma de imergir em “O Farol” que o faz uma viagem bem interessante, a partir justamente dessa composição dos atores aliada ao estilismo do cineasta. Visualmente, tudo no longa-metragem remete a final do século XIX. Incluindo a formatação de tela (uma proporção 1,19:1), que nos faz lembrar os primeiros vinte, trinta anos do cinema. Foi objeto de pedido de uma das produtoras, a New Regency, que se reconsiderasse o lançamento “em tela cheia” devido a grandiosidade e beleza das imagens – mas disso nos valeremos mais a frente. Por agora, cumpre dizer que estamos diante de uma obra que possui dois propósitos aparentes: nos colocar nesse ambiente histórico e usar a psique de Thomas Howard, personagem de Pattinson, como um farol próprio para a trama.

O filme tem início com a chegada do novo funcionário para quatro semanas de trabalho ao lado de Thomas Wake, vivido por Dafoe. Os dois não se entendem logo na primeira noite, já que o novato se nega a ingerir bebida alcoólica. Curioso que esse que escreve, atingindo nessa semana 150 dias de isolamento (com saídas a cada duas semanas para repor comida em casa) também optou pela abstinência. É provável que para mim o efeito de se manter são não tenha sido atingido – o que obviamente não dá certo com o protagonista (para mim acredito que seria ainda menos produtivo se continuasse bebendo). Há algo mais do que estímulos químicos e reações do corpo quando se está sob pressão. Robert Eggers (com a contribuição de seu irmão Max, co-responsável pelo roteiro), faz questão de dar grande importância a esta crise de confiança causada logo de início.

Notas de produção denotam que os diálogos dos irmãos Eggers foram inspirados nos textos clássicos de Herman Melville e Robert Louis Stevenson. Não apenas uma retomada a já aludida ambientação do século XIX, mas um registro de um parte importante da construção imagética sobre os perigos do mar, já que o primeiro é autor de “Moby Dick” e o segundo de “A Ilha do Tesouro”. Quando a narrativa fala da lenda sobre o azar herdado a quem mata gaivotas e quando os caminhos dos mitos de Proteu e Prometeu se cruzam, as alegorias de “O Farol” se mostram mais claras. O que o diretor quer é recontar histórias, sob uma ótica particular e usando uma estética própria.

Robert Eggers não será o último a se valer dessas referências clássicas para criar algo novo. Consegue alcançar seus objetivos e entrega aos produtores que lhe confiaram um orçamento de quatro milhões de dólares o que ele imaginou. Voltando ao inusitado pedido da New Regency, talvez não seja exatamente o que alguns dos investidores imaginassem como produto final, posto que não há sentido nessa requisição que registramos. A grandiosidade pensada pelo cineasta, que construiu cenários e promoveu uma incursão de Dafoe e Patterson em seus personagens para decidir na pós-produção como esses elementos se apresentarim, não é algo inédito. “O Farol”, aliás, é um exemplo de como se valer de uma edição de som que transforma as imagens – sendo esse um dos pontos altos do filme.

Já no que diz respeito à história, não há muito além do que o Thomas Howard de Robert Pattinson apresenta. Um ex-lenhador que não se adapta ao novo trabalho, que não compra a forma de pensar o ofício de seu colega, com a qual não cria nenhuma identificação. Encara aquele período como um cumprimento de pena, em virtude do tratamento humilhante dispensado pelo outro. Quando vislumbra que não há certeza que o fim das quatro semanas signifiquem o fim da temporada no farol, ele subverte a recomendação de não matar gaivotas, como se fosse um convite para descumpri-la. Ignora qualquer lógica ou respeito ao que a ancestralidade recomenda, porque foca no emissor da mensagem. Age como se desafiasse seu destino.

Ao fazer isso, mergulha de vez no mundo insano. Como qualquer obra que se propõe a falar da mente, o espectador deve apontar um protagonismo ou entender que, ao menos, há um condutor na trama. Uma escolha importante para encontrar suas percepções sobre a obra. Gosto de entender que Pattinson é quem comanda as ações, principalmente pela forma como os elementos externos à relação entre os dois homens se apresentam – como a boneca é mostrada nos minutos iniciais, por exemplo, para tratar de outra abstinência, a sexual. Isso faz do velho vivido por Willem Dafoe uma grande alegoria, o que dá liberdade para o ator brilhar, em mais um papel marcante em sua carreira – ao mesmo tempo que tira o peso de veracidade de seus atos, deixando a quem vê montar o que dali é idealizado ou fruto de delírios do outro.

Até por isso, o momento mais marcante de “O Farol” é uma fala do veterano ator. Ali é como se Eggers verbalizasse o que muitos podem levar do longa-metragem. Ele diz ao novato: “você fingiu ser um mistério, mas é um livro aberto. Acaba que aqueles que procuram grandes revelações, encontram uma obra que pouco se desconstrói, frustrando expectativas de quem deseja mais do que uma clássica história de horror. Não há mal nisso, mas é mais um elogio da loucura. Só que, inegavelmente, muito bonito de se ver.

Ouça nosso podcast sobre os indicados ao Oscar 2020 de melhor fotografia:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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