Sinopse: Quando o governo colonial descobriu ouro na África do Sul, coagiu centenas de milhares de nativos a trabalharem nas minas. Parte de um projeto de remoção dos povos autóctones de suas terras, a entrada quase forçada na mineração significou, para a maioria dos operários, o contato com condições subumanas de trabalho e a exposição ao pó de sílica, o que levou a uma das maiores epidemias de silicose e tuberculose no mundo. Em “Ouro da Morte” depoimentos devastadores de mineiros e suas famílias são intercalados com materiais de arquivo chocantes que expõem mais de cento e vinte anos dessa história de opressão.
Direção: Catherine Meyburgh e Richard Pakleppa
Título Original: Dying for Gold (2019)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 38min
País: África do Sul
What You See ia What You Get*
*O Que Você Vê é o que Você Recebe
“Ouro da Morte“, de Catherine Meyburgh e Richard Pakleppa, atinge um objetivo que vai além da denúncia do sofrimento e morte de milhares de trabalhadores das minas subterrâneas de extração mineral. Ao compor o documentário alinhando os fortes depoimentos com imagens de arquivos, quase todas de filmes produzidos entre as décadas de 1920 e 1960, o longa-metragem acaba trazendo um debate sobre a importância da arte audiovisual, seu poder de disseminação de mensagens – e como veio sendo utilizando para corroborar entendimentos não muito humanistas ao longo de sua existência. Até mesmo produções mais modernas, que já aplicam um verniz mais crítico, não deixam de romantizar conquistas e trazer aquela área como terra das oportunidades. “Diamante de Sangue” (2006), Edward Zwick, que trata de outra matéria-prima valiosa e coloca Leonardo di Caprio como um sul-afriano em Serra Leoa, é um exemplo.
O material propriamente dito colhido pelos cineastas se resume a imagens caprichadas de drones e visitas a ex-garimpeiros ou viúvas, dividindo suas experiências traumáticas. Inclusive, a montagem quebra alguns desses depoimentos de forma um pouco abrupta, nem sempre voltando a ouvi-los. O mesmo acontece com algumas informações que são passadas. No meio de um conjunto de obras densas e informativas como as assistidas ao longo dos últimos dias na cobertura da 9ª Mostra Ecofalante de Cinema, fica a impressão de parte dos assuntos não se completam.
Porém, “Ouro da Morte” se revela um poderoso documentário de revisitação de outros produtos audiovisuais formatados ao longo do século XX. Falamos “produtos” sem o risco de ser ofensivamente objetificante. O vocábulo assim se vale porque muitos dos filmes eram encomendados por empresários e governos imperialistas para contribuir com o imaginário popular eurocentrista de que a África era um paraíso e que o homem branco ali estava transformando a vida dos nativos, que enriqueciam trabalhados nas minas. Um dos roteiros, inclusive, foi pré-determinado por uma correspondência daquele que financiaria a obra. Não é novidade que o Cinema é usado para travestir de arte meras peças de propaganda. Mas, olhando em perspectiva, era cruel vender um cenário em que a população local ganhava pouco porque usava aquele trabalho como renda complementar – além, claro, da velha desculpa de que melhores salários e condições aumentaria o custo da extração dos minerais e inviabilizaria os empreendimentos.
Há um outro viés pouco aproveitado no documentário de Meyburgh e Pakleppa. Dentre todos os trechos de filmes que ali aparecem, um chama muito a atenção. Uma peça de propaganda a favor do apartheid chamada “Withe South Africans” (Sul-Africanos Brancos, em tradução livre). Datado de 1965, exibia com orgulho a ideia de que ali uma colônia pronta para receber os europeus brancos estava posta. Poderíamos citar mais de uma dezena de outras produções que “Ouro da Morte” nos traz, principalmente das décadas de 1959 e 1960. Por outro lado, um filme chamado “Dust Kills“, já tratava em 1921 dos potenciais danos à saúde daqueles trabalhadores.
Em certo momento, o longa-metragem parece se lembrar de retomar esse caminho, que seria o objeto principal do seu roteiro. Não fica apenas na África do Sul e nos transporta à Moçambique, Lesoto, dentre outros. Histórias de sofrimento por quem teve ou faleceu de tuberculose e de um tipo de pneumonia ainda mais devastadora, a silicose. Mortes com dor, agonia e sem respaldo nenhum do seu patrão. A África por muitas décadas foi um continente invisibilizado por quem só queria tirar dela proveito econômico. Há muito mais questões no território do que as áreas que sofrem com a seca e com a fome – essas que, validamente, recebem constantes visitas de ONGs e ativistas. A África ainda rende muito ao Capitalismo e ao custo de muitas vidas de seus cidadãos.
Como dito anteriormente, “Ouro da Morte” peca em certos momentos por não conduzir muito bem alguns assuntos. Quando deixa os depoentes mais tempo, sem apelar para uma montagem mais dinâmica que agrade o espectador mais impaciente, entrega duros golpes a nós. Uma senhora fala de seu casamento arranjado ainda bem jovem e como a falta de uma presença masculina na residência amplia muito os riscos de quem ali vive. Outros falam de seu sofrimento e de como é impossível obter indenizações e apoio a tratamentos médicos por parte das empresas bilionárias que sugam as pedras preciosas da África.
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