Taguatinga 2020 | Sessão 07 da Mostra Competitiva

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Taguatinga 2020 | Sessão 07 da Mostra Competitiva

A Sessão 07 da Mostra Competitiva do Festival Taguatinga de Cinema 2020 traz a marca da identidade como força. Em corpos bem diversos, porém caminhando para uma compreensão de si mesmos, os três curtas escolhidos abordam o final da adolescência e o início da vida adulta de forma poética fazendo com que a complexidade da juventude não seja apagada. Como marca, há ainda de forma central a questão racial que também é abordada ora de maneira sutil ora de maneira mais direta, como em Inspirações. Como uma flashback, a seleção nos faz pensar em nossos traumas e avanços possibilitados pelo choque que é crescer em uma sociedade na qual as possibilidades são reiteradamente restritivas e sinais de uma estrutura excludente.


Dúvidas e Certeza

e o que a gente faz agora

 

O filme “E o que a Gente Faz Agora?“, da diretora Marina Reis, a mesma de “Sair do Armário” que está na Mostra Convida do Festival Taguatinga 2020, mostra a questão da orientação sexual sob outro prisma. Em uma ficção que faz da cidade de Cachoeira sua morada, o curta-metragem universitário, tem a cara da universidade. Assim, a UFRB é também uma de suas personagens principais. Ao conseguir captar esse ar universitário, Marina imprime no curta o tom de dúvidas e inseguranças que fazem parte dessa fase da vida. A personagem Maya, se apaixona por Lane e passa a viver a expectativa e a espera pelo sentimento retornado. Lane por sua vez, carrega em si muito mais dúvidas  e, ainda que pouco apareça no curta, podemos também sentir essa insegurança perpassar pelo não dito durante o filme.

E não há, de onde vejo, nenhuma diferença entre escrever um poema maravilhoso e me mexer na luz do sol junto ao corpo de uma mulher que amo”, a frase de Audre Lord, poetisa negra e lésbica, que Marina escolhe para descrever o filme, tem, então, muito mais a cara de Marina. Mesmo assim, o que insinua Maya em sua ausência presente, é  um sentimento familiar que nos remete aos erros e acertos que todos cometemos durante a juventude. Mais uma vez, a diretora acerta o tom da sensibilidade e traz um curta trazendo, no entanto, uma obra bem mais leve que “Sair do Armário”. O que nos faz ansiar por mais possibilidades de sua narrativa.


Caminhos Possíveis

Curta Inspirações Sessão 07 da Mostra Competitiva

Segundo curta-metragem da sessão e um dos mais marcantes do Festival Taguatinga, “Inspirações” brilha como uma de suas protagonistas. Curta-metragem resultante do projeto Cine Escola adotado em escolas públicas do Rio de Janeiro, traz em sua primeira experiência com a câmera jovens de uma escola da Zona Norte da cidade. Dentre eles, destaca-se Ariany que, além do incrível talento para composição musical, carrega em si uma sensibilidade profunda que é percebida por todos os colegas. Ariany vira, assim, protagonista absoluta e o título vem da própria admiração que desperta em outros alunos. Funcionando quase como uma seta, que aponta possibilidades, mas não deixa de pensar em todas as dificuldades que encontrou em seu caminho, a jovem afirma: “eu sou que sou e ninguém muda isso“.

Com letras fortes que falam sobre autovalorização do corpo e da subjetividade da mulher negra, a menina mostra maturidade tanto no conteúdo quanto na forma. As músicas carregam toda carga emocional projetada pela jovem e também um tanto de sua personalidade. Podemos entendê-las como uma homenagem e como registro de um afeto que poucas vezes Aryane encontrou. Assim , o filme também se apresenta. Que seja apenas o primeiro.


Sobre as Estrelas

Curta Cão Maior Sessão 07 da Mostra Competitiva

Cão Maior” de Filipe Alves encerra a sessão também com poesia. Ao invés de trazê-la efetivamente para o enredo, é nos planos que percebemos a intenção do diretor. Com uma fotografia contrastada, vemos a luz do céu de Brasília criada para fazer com que o curta se aproxime de uma fantasia. A aproximação da estrela Cão Maior traz calor ,mas também aproxima Ícaro do novo vizinho, João. O jovem passa a experimentar sentimentos até então escondidos e explora a sexualidade assim como descobre os nomes das estrelas que aparecem em nosso céu. A paixão pela astronomia faz com que os dois jovens passem grande parte das férias juntos. A descoberta ocorre de maneira lenta e gradual com frases com poderiam ter saído de nossas bocas em algum momento da adolescência. Dessa forma, Filipe faz com que a paixão se pareça como a descoberta de qualquer paixão na adolescência  sem fazer com que a orientação sexual seja o foco. O que sentimos nos planos que seguem é a descoberta de uma amizade inusitada, já que Ícaro prefere o futebol ,enquanto João sempre com roupas coloridas e antenadas, parece ter voltado de uma balada indie. Os dois, no entanto, têm um céu para ser desvendado.


Ficha Técnica da Sessão 07 da Mostra Competitiva

E o que a Gente Faz Agora? (Marina Pontes, 16′ – Brasil, 2020)
Sinopse: “E não há, de onde vejo, nenhuma diferença entre escrever um poema maravilhoso e me mexer na luz do sol junto ao corpo de uma mulher que amo.” Audre Lorde
Inspirações (Ariany e Equipe, 18′ – Brasil, 2019)
Sinopse: A diretora e atriz principal do filme, Ariany de Souza, é uma jovem da Zona Oeste do Rio de Janeiro que encontrou na música e na poesia às inspirações para vencer os obstáculos que a vida foi colocando em seu caminho. o filme se encontra em finalização de áudio e vídeo.
Cão Maior (Filipe Alves, 20′ – Brasil, 2019)
Sinopse: Ícaro é um adolescente que procura matar o tédio nas férias. Voltando de uma partida de futebol ele conhece João e juntos presenciam o aparecimento de uma nova estrela no céu, que torna as noites na terra vermelhas e quentes. tentando lidar com o fato de que estão crescendo, com o tédio e o calor extra nesse verão, eles começam a passar noites juntos pelas ruas da cidade.

Taguatinga 2020 | Sessão 07 da Mostra Competitiva

Em constante construção e desconstrução Antropóloga, Fotógrafa e Mestre em Filosofia - Estética/Cinema. Doutoranda no Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com coorientação pela Universidad Nacional de San Martin(Buenos Aires). Doutoranda em Cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Além disso, é Pesquisadora de Cinema e Artes latino-americanas.

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