Piedra Sola

Piedra Sola Documentário Crítica Filme Pôster

10ª Mostra Ecofalante de CinemaSinopse: A 4000 metros acima do nível do mar, nas profundezas da Puna argentina, um pastor de lhamas procura a trilha de um puma invisível que está matando seu gado. Após sua busca, ele será conduzido a um encontro místico entre seus ancestrais e a forma mutável do puma.
Direção: Alejandro Telémaco Tarraf
Título Original: Piedra Sola (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 12min
País: Argentina

Piedra Sola Documentário Crítica Filme Imagem

Só Sobrará Pedra Sobre Pedra

Retornando ao circuito de festivais brasileiros pela competição de latino-americana da 10ª Mostra Ecofalante de Cinema, a produção argentina “Piedra Sola” usa bem a construção de imagens a partir do virtuosismo estético para nos provocar em questões contemporâneas. A direção de Alejandro Telémaco Tarraf, já elogiada por quem teve a oportunidade de assistir ao filme durante a 44ª Mostra SP, vai além da simples permanência, em uma caracterização que vem rendido bons trabalhos na região nos últimos anos.

Assim como o brasileiro “A Febre” fala das relações de trabalho e familiares modernas, bem como do legado pela perspectiva da ancestralidade, aqui o cineasta aplica um olhar direto a uma região para mostrar como a ocupação humana aos territórios vem sofrendo abalos pelas novas configurações da Natureza. Uma forma de abordar a situação de emergência climática, em um documentário atravessado, que traz representações conduzidas pelo olhar da câmera.

Com isso, em “Piedra Sola” acompanhamos a história de um pastor de lhamas na região de puna atacamenha, pelo lado argentino. As primeiras imagens carregam a força da visceralidade ao mostrar o corte jugular e a extração total de sangue do animal. O líquido vermelho servirá de ferramenta ritualística, já a carne e a pele tentarão ser comercializadas na cidade mais próxima. Lá ele encontrará resistências ao seu negócio. Seja pela qualidade do produto – é normal em locais de extensas planícies a musculatura do animal gerar um alimento mais duro – até as naturais dificuldades financeiras.

Costumo trazer esse ponto em meus textos, mas sempre que alguém que não consome animais enquanto alimento (e vive um processo de não considerar mais nenhum de seus aspectos um produto) assiste a uma obra assim, torna-se parte da experiência essas reflexões internas. Um teste de limite e de relativização das suas crenças. Portanto, há uma barreira a ser ultrapassada por um grupo que se choca com tais representações – o que é normal quando elas são objetos de uma obra audiovisual.

Sob outros aspectos culturais da região, as curvas sinuosas da estrada do Atacama é uma experiência visual a parte, mesmo que pouco explorada. Nela, a maior preocupação parecer se trazer, de igual forma, parte da ingerência da Humanidade sobre tais paisagens. Tarraf faz um contraste entre a beleza de um grupo de lhamas correndo soltas por aquelas planícies, enquanto o pastor enfrente as dificuldades. Na relação direta com os pumas, caçadores originários (e solitários) daquele território, ele buscará contato com Pachamama, enquanto auxiliadora e a guia na cultura andina.

Ela, que é traduzida inclusive na legenda como a Mãe Natureza (e no texto que deixamos de indicação como Mãe Terra) vem a ele através do fogo ancestral. Independente de crença, é difícil discordar do fato de que estamos vivendo tempos de caos e de múltiplas manifestações de crise. Até mesmo os negacionistas das mudanças climáticas alegam que o planeta vive em ciclos – mas não conseguem ignorar que estamos no que seria, para eles, uma fase aguda de perturbações.

Sendo assim, “Piedra Sola” quer nos levar a questionar nossa responsabilidade e posição em tudo isso – pela forma como julgamos aquele microcosmo. Com uma segunda metade bem mais observatória e apelando para o simbólico, como o filhote de lhama que não sobrevive por muito tempo, terminamos a sessão com a ideia de um futuro ainda mais tenebroso e desolador que nos espera. No recado de um dos personagens: “não se esqueça que você é mortal” e na mensagem de que as verdadeiras testemunhas de nossas desgraças serão as pedras, caminho natural de tudo o que já teve o fluxo da vida correndo dentro de si.

Veja o Trailer:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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