Sinopse: Gepeto é um solitário marceneiro que sonha em ser pai e deseja que Pinóquio, O boneco que acabou de construir, ganhe vida. Seu pedido é atendido, mas a desobediência de Pinóquio faz com que ele se perca de casa e embarque em uma jornada repleta de mistérios e seres fantásticos, que O levará a conhecer de perto os perigos do mundo.
Direção: Matteo Garrone
Título Original: Pinocchio (2019)
Gênero: Fantasia | Drama
Duração: 2h 5min
País: Itália | França | Reino Unido
Mente e Também Sente
Em uma nova adaptação das histórias de “Pinoquio“, criador pelo escritor italiano Carlo Collodi no século XIX, a versão protagonizada por Roberto Beningni se distancia da forma contemporânea pela qual as últimas gerações foram apresentadas ao boneco de madeira durante a infância. Reflexo, claro, da leitura de Walt Disney da década de 1940. Fiel no tempo e no espaço, o diretor Matteo Garrone não deixa o lúdico de lado, mas é bem mais comedido na aventura que a narrativa fantástica em animação usou para envolver os espectadores – e também evita o melodrama, fazendo a trajetória do protagonista ser tão sóbria (e, por vezes, sombria) quanto as representações do filme.
Antes de exemplificar – e tirando qualquer possibilidade de entender qualquer argumentação como uma sentença – podemos dizer que é possível que aqueles que esperam o reencontro com a história que os emocionou no passado se decepcionem. “Pinóquio”, estrelada pelo menino Federico Ielapi, é uma obra que tem uma cadencia muito diferente de um produto feito para entreter. Por outro lado, saber o que nos espera no final da caminhada pode ampliar a sensação de que o longa-metragem é lento. De envolvimento difícil, quem compra a narrativa do cineasta consegue admirar o uso de elementos com uma qualidade técnica que beira a impecável. Não à toa, precisou de pouco lobby em Hollywood para que a Academia indicasse a produção em duas categorias do Oscar de 2021: figurino; e maquiagem e cabelo. Por sinal, o sindicato desta segunda o concedeu nesta semana o troféu de melhores efeitos de maquiagem, o que o deixa no páreo ao lado do grande vencedor da noite, “A Voz Suprema do Blues“.
Porém, não é só essas ferramentas que enchem os olhos. A fotografia amarronzada de Nicolai Brüel e os tons pasteis que compõem a unidade estilística (tanto na mise-en-scène quanto no figurino) parecem nos transportar para um clássico da literatura do século XIX, de fato. Há momentos que emulam as ilustrações feitas à mão para esse tipo de obra e nenhuma das mudanças de cenário e ambientações tira essa percepção. É quase como estar com um livro nas mãos. Outro acerto de Garrone é não exagerar na aposta do carisma e fama de Roberto Benigni como Gepetto. Um risco de perda de foco que seria justificável, estamos falando de um dos raros italianos vencedores do Oscar, o único por atuação em 1999 por “A Vida é Bela” – para desespero de Edward Norton, em uma das três derrotas na carreira, pelo trabalho brilhante em “A Outra História Americana” (1998).
Ele revista o mundo de Pinóquio, papel que já interpretou em uma versão de 2002. Movido por delírios de grandeza após o reconhecimento internacional, seu trabalho seguinte de direção após o estrondoso sucesso de “A Vida é Bela” foi a comédia familiar que segue caminho muito diferente da ambientação de Garrone. Benigni parece ter entendido que escrever, produzir e atuar não era garantia de êxito. Tentou novamente em “O Tigre e a Neve” (2005) e, após nova enxurrada de críticas, tirou o pé na carreira. Aqui ele se adapta bem a uma representação de uma vila italiana marcada pela extrema pobreza e falta de perspectiva que torna quase todas as pessoas em agentes quase tão desumanizados quanto o próprio protagonista.
Ao acompanhar o caminho de Pinóquio, o longa-metragem prima pela regularidade. E, também, pelo equilíbrio entre o drama e a fantasia. Tirando as sequências iniciais, em que a tora de madeira ainda sem forma se mexendo nos leva a uma pequena gag do comediante, Beningni está em cena apenas quando necessário e emociona como o senhor que realiza o sonho da paternidade. Quando o Grilo Falante (Davide Marotta) aparece, outro risco acompanha a produção – a da teatralização. Ao trazer elenco real em todos os personagens e apostar nos efeitos da maquiagem, apenas um personagem que entregasse trejeitos exagerados comprometeria todo o verniz naturalista que o diretor se preocupou em impor. Lembra de “Cats” (2019)? Pois é, poderíamos ter algo bem parecido na execução por aqui. O resultado é totalmente oposto.
Quando Ielapi precisa segurar quase sozinho a história, o faz de maneira excepcional. Com apenas dez anos, ele se adapta bem a um papel que exige precisão de movimentos e reações. Sem contar a dificuldade de externalizar acontecimentos fantásticos, que só se formarão na pós-produção. “Pinóquio” vai nos conquistando a partir do respeito aos aliados que encontra no caminho. O Campo dos Milagres é algo próximo dos objetivos de Dorothy em “O Mágico de Oz“, outra obra que merecia uma releitura mais crua. Isso não impede momentos hilários como o juiz macaco, que ganha viva pelo ator Teco Celio. Ali um aspecto interessante é trazido, o de uma sociedade invertida, onde o inocente é punido e a mentira é uma qualidade. Um dilema na trajetória do protagonista que é sanado apenas quando ele confia nas palavras da Fada.
Isso leva a uma construção eficiente da mensagem de humanização através da estudo e do respeito. A mágica não acontece da noite para o dia, é um processo e Pinóquio nos convida a analisar vários aspectos desta formação. Quando estamos prontos para um clímax fantástico, aqueles que conhecemos do nostálgico desenho da Disney, encontramos uma obra coerente com o caminho que pavimentou. Sem exageros de linguagem, sem um melodrama atravessado que colocaria tudo a perder, mesmo que sensibilizasse diretamente os mais apegados emocionalmente. Para quem se deslumbrou com a estética de “Pinóquio“, os créditos finais ainda nos recebe com uma retrabalho das imagens, em que frames são transformados em desenhos e cores vivas nos mostram como seria aquele mundo se caíssemos na inocente tentação de achar que a a felicidade deve ser apenas forjada no campo da idealização.
Veja o Trailer:
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