Sinopse: “Professor Polvo” se passa em uma floresta subaquática na África do Sul, um cineasta desenvolve uma amizade improvável com um polvo e descobre mais sobre os mistérios do mundo submarino.
Direção: James Reed
Título Original: My Octopus Teacher (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 25min
País: África do Sul
Emoções Primárias
Com o passar da temporada de prêmios, “Professor Polvo” parece se transformar naqueles fenômenos silenciosos e inexplicáveis. Daqueles que um vai indicando para outro que possa se interessar pela obra e, dentro do público-alvo, a adesão é absoluta. Isso geralmente ocorre na Netflix, onde o filme estreou em setembro de 2020. Porém, de forma mais instantâneo, de consumo descartável, quase sempre motivado pelas sugestões de navegação de própria plataforma. No momento em que esta crítica vai ao ar, por exemplo, ocorre com o suspense tenebroso (no mal sentido), “Por Trás da Inocência” (2021), fenômeno de audiência na Apostila de Cinema.
O que torna o sucesso do documentário dirigido por Pippa Ehrlich e James Reed inexplicável é que não há nada mais comum e fácil de ser encontrado do que ele. Produções similares são transmitidas vinte e quatro horas por dia nos canais de TV a cabo que passamos direto em nossas zapeadas – mesmo diante da inquestionável qualidade técnica e dos temas interessantes que essas leituras sobre a natureza nos trazem. Mais do que falar sobre o longa-metragem, indicado ao Oscar de melhor documentário, talvez seja interessante refletir sobre essa receptividade. O segredo pode ser a localização deslocada da obra, inserida em um catálogo que se propõe a trazer grandes novidades do cinema contemporâneo.
Só que temos que ir além, já que “Professor Polvo” parecia cumprir tabela na lista dos nomeados do prêmio da Academia. Muitos citavam outros documentários que ficaram de fora, injustiçados pela presença deste filme tão tradicional. Eis que, durante essa semana, ele sai vencedor do prêmio do Sindicato dos Produtores (PGA Awards), aumentando suas chances de derrotar os concorrentes na noite de 25 de abril. O que há por trás desta narrativa que tanto seduz? Ora, o que há por trás é a simplicidade, sob todos os aspectos. Craig Foster, fundador do Sea Change Project, passa um ano encontrando diariamente um polvo solitário (comportamento comum à espécie) em uma floresta subaquática da África do Sul.
Isso você provavelmente já sabia. Mas, e aí? E aí que é só isso mesmo. Uma narrativa linear coloca o entrevistado sentado em uma mesa em uma tarde aprazível, lembrando de todas as histórias que viveu com o polvo. O primeiro encontro, o desenvolvimento da amizade, as aventuras que passaram juntos e – algo sempre frisado por Craig – as lições que ele aprendeu com o professor. A montagem de Pippa, ao lado de Dan Schwalm, insere a narração por cima das imagens captadas pelo mergulhador e algumas reconstituições de chegadas e partidas do mar, caminhadas pela costa e coisas do tipo. Vale o registro da forma como Craig não deixa de seguir com seus registros, mesmo quando a Natureza age de forma violenta e inesperada – reflexo da larga experiência. Por sinal, entender o produto final como algo simples não invalida o tamanho e ousadia de um projeto desenvolvido ao longo de dez anos.
Apesar de uma pesquisa preliminar já demonstrar que o discurso meritocrático dos coachs absorveu o documentário da pior maneira possível, o que ancora a obra são as imagens impressionantes de um ecossistema deslumbrante. O espectador tem suas emoções conduzidas a partir de uma tentativa de poética sobre a pesquisa e a experiência vivida por Foster. Seu filho, Tom, aparece nas duas pontas do documentário para consolidar um laço afetivo. Na linguagem, o puro suco do tradicionalismo de filmes sobre natureza, daqueles que passam na TV. A discussão sobre “Hamilton” (2020) ser ou não “cinema” parece perder ainda mais o sentido quando temos aqui uma experiente equipe de produções para Discovery e National Geographic, entregando um produto exatamente igual, ser indicado ao Oscar por uma migração na plataforma de distribuição.
Ao mesmo tempo que choca o êxito de algo tão simplista quanto esta produção, é compreensível que o público esteja adorando. Há uma carência por naturalidade, por histórias reais, que acabam chegando de forma cada vez mais rara a quem foca suas experiências no mainstream, incluindo as plataformas de streaming. É fácil – e até gostoso – se envolver em algo que te move para a frente, que prima pela linearidade, que mastiga as informações, que usa a câmera lenta para que seu cérebro possa diminuir a frequência. Por mais que considere todos os outros documentários indicados ao Oscar mais relevantes, fundamentais e urgentes que este, foi aqui que pude indicar para pessoas como o meu pai, que além de adorar esse tipo de produção, só quer recomendações que o façam “distrair a cabeça”.
Ou seja, “Professor Polvo” é a subversão da subversão. É o filme que nos faz retornar ao ponto de partida, é o reencontro com a premissa básica, com o objetivo direto, com a vontade de desanuviar. Um animal que nos ensina a nos adaptar aos desafios, a fugir quando for preciso, a saber em que momento priorizamos a sobrevivência e, o que nos toca com mais força nesse período, a saber viver na solidão. Acabou se tornando mesmo um fenômeno silencioso, pois o que muitos querem ver são apenas algumas lindas imagens preenchendo essa inevitável tela que se transformou nossa rotina.
Veja o Trailer:
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