Sinopse: Dezesseis jovens negros conversam sobre a experiência de passar pela universidade no Brasil após mais de uma década de políticas afirmativas na educação.
Direção: Bruno F. Duarte e Silvana Bahia
Título Original: Quadro Negro (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 3min
País: Brasil
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Na entrevista coletiva de “Doutor Gama“, longa-metragem que abriu a programação da Edição Especial 2020 da Première Brasil do Festival do Rio, o diretor Jeferson De lembrou da importância da pesquisa na composição da obra histórica sobre o abolicionista Luiz Gama. Nela, falou não apenas do resgate de uma narrativa vítima de apagamento, evidenciada de forma específica pela equipe do filme. Estendeu suas homenagens e importância a todas e todos os acadêmicos e pesquisadores que ocuparam seus espaços nos últimos quinze anos – tendo a política de cotas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) uma espécie de pedra fundamental.
No dia seguinte, chega na versão online da mostra – em exibição até o final da noite de amanhã na plataforma InnSaei.TV – com uma repescagem no dia 13, o documentário “Quadro Negro“. Nele, os realizadores Bruno F. Duarte e Silvana Bahia trazem algumas dessas histórias. Concebido em um movimento periférico fundamental nos últimos anos aqui no Rio de Janeiro, que nos permitiu acesso à FLUP – Festa Literária das Periferias, que surge como alternativa à FLIP – Festa Literária Internacional de Paraty (cidade que o ator César Mello, intérprete de Gama, registrou o ar pesado de herança maldita na mesma entrevista).
Contando com a montagem de Natara Ney – outro expoente do Cinema Negro Contemporâneo, celebrada em texto e em conversa com a Apostila de Cinema com o lançamento de “Novo Mundo” (2020), “Quadro Negro” consegue – em pouco mais de sessenta minutos – abarcar uma infinidade de questões envolvendo as ações afirmativas e inclusivas no setor de Educação. Um condução dos diretores que condensam as falas, que permitem em seus depoimentos plurais encontrar norteamentos e um abordagem sintética. Muito porque todos aqueles jovens sabem bem o tamanho de suas realizações.
A câmera busca a frontalidade, colhe aqueles discursos na estética de um cinema possível, carregado de urgência, otimização e olhar panorâmico – e, ao mesmo tempo, aprofundado. Em determinados momentos, subdivide a tela para reforçar o senso de comunidade de todas as pessoas envolvidas. Por se apresentar de forma sucinta, o espectador perpassa inúmeras abordagens e atravessamentos, envolvendo não somente a negritude, mas também questões envolvendo sexualidade, gênero, território e classe social. A chegada a uma Universidade pública quase nunca é o primeiro ou o último passo. Há uma carga envolvida, seja de causa ou de consequência.
Encontrando um grupo que as representa nas diversas formas de expressão, o documentário sai da dinâmica (que ainda não é, em uma nação carente de informação) básica e didática sobre o racismo estrutural. Fala das dificuldades em ascender, mas também de se manter nos cursos que dão perspectiva de carreiras a milhares de jovens. Seja pela questão financeira, seja pela falta de apoio. Uma carência de suporte que surge de casa, de uma geração mais velha que não foi acostumada a acumular emprego e estudo e teme que os filhos fiquem para trás no mercado de trabalho. Mas também surge do olhar de professores que deslegitimam a presença daqueles estudantes.
No que diz respeito a ações afirmativas possíveis nas leis e normas, o grande exemplo é a fala de Maria Clara Araújo, que redigiu um manifesto pela aceitação do nome social quando descobriu que a UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), um exemplo de acolhimento, não o permitia em seu regulamento. Uma barreira quebrada que se estendeu não apenas a outras faculdades, mas que levou foco a uma questão que se tornou uma rede de auxílio educacional para pessoas trans, desde o período do Ensino Médio. Programado em sessão dupla com “Valentina” (2020) – que traz esse tema pela ótica ficcional – o filme acaba se tornando parte da própria rede que documenta.
Em um país que insiste em ouvir as elites, que macula as entranhas do Estado com obstáculos para manter privilégios intactos, vale lembrar o peso que a pressão de um vestibular causa, até para o jovem branco de classe média – aquele que se voltará contra o sistema de cotas como desculpa para o seu fracasso, ignorando que seu discurso promove séculos de uma História que urge por reparação.
Com recorte e duração que parecem pensados para ocupar a aula mais importante das futuras turmas de escolas e pré-vestibulares pelo Brasil, “Quadro Negro” se encerra de maneira ainda mais simbólica, ao mostrar a experiência de um dos depoentes enquanto criador e produtor de imagens. E, por consequência, de memórias. Esperamos que os ataques do atual governo jamais sentenciem vivências como a desses homens e mulheres como algo do passado. Como o recado final do documentário nos diz, ainda há muita luta pela frente.
Veja o Trailer: