Sinopse: A guerra civil sudanesa, a mais longa a ocorrer no continente africano, levou Akuol de Mabior, filha de um dos mártires da revolução, a crescer no exílio. De retorno ao Sudão do Sul, em “Sem Caminho Direto para Casa” a cineasta investiga os atravessamentos entre sua história familiar e a do país, enquanto sua mãe e irmã procuram dar continuidade ao legado do pai. Nesse documentário em primeira pessoa, no qual os conflitos políticos são vistos desde a intimidade, Mabior aposta no cinema como forma de encontrar o seu lugar próprio no mundo.
Direção: Akuol de Mabior
Título Original: No Simple Way Home (2022)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 25min
País: África do Sul | Reino Unido
Para Além da Liberdade
Exibido na mostra Outros Olhares do 11º Olhar de Cinema de Curitiba, o documentário “Sem Caminho Direto para Casa” traz um olhar muito pessoal da cineasta Akuol de Mabior. Filha de John Garang, ela nasceu no exílio da guerra separatista que acontecia no Sudão (e que se mantém enquanto guerra civil). Seu pai foi um dos fundadores do movimento de libertação do povo de seu país e retornou quando um acordo de paz foi selado em 2005. Seis anos depois, seria convocado a contribuir mais de perto com a reconstrução da nação, ao se tornar um dos Vice-Presidentes, mas foi assassinado e hoje é considerado um mártir do povo.
Assim seguiu o jovem país de economia frágil, precisando se entender em suas turbulências. Uma nação africana e árabe, na descrição de um dos personagens da obra, algo que gerou o levante separatista e a criação do Sudão do Sul. Em “Sem Caminho Direto para Casa”, a realizadora mistura a veia política com uma abordagem sobre o legado do pai e seus reflexos na mãe e na irmã. O sentimento de Akuol é flagrante de admiração, tanto na forma como explora a captação das imagens como na narração e nos depoimentos. Há espaço para a reflexão sobre ser a sua família representante de um grupo privilegiado, de protagonismo na sociedade sul sudanesa.
Inclusive, em entrevista ao canal oficial do Olhar de Cinema no YouTube, a cineasta faz questão de dizer que entende que sua experiência não é representativa. Por sinal, a ideia original era focar na questão familiar – que se tornou uma das óticas da narrativa. A preocupação era trazer o equilíbrio, registrar e valorar o legado de sua mãe, que desde os anos 1980 atuava na linha de frente pela libertação do povo com o marido. Aos poucos houve uma abertura temática, até porque existe um grande contingente de sudaneses em diáspora, descendentes de exilados que nunca pisaram no país. Para eles, a obra também possui um caráter informativo (e formativo), uma característica que a repercussão internacional do documentário trouxe à artista.
Na metade do longa-metragem, a diretora traz a dúvida sobre qual seria as reais motivações para fazer o filme. Fica exposta essa tentativa de equilibrar a revisitação e criação de novas memórias afetivas e o registro do legado dos pais e suas consequências. Um trabalho difícil, feito sem qualquer distanciamento e a franqueza com a qual a documentarista trata o espectador nos faz compreender e aceitar como justifica algumas indecisões, imprecisões e até certa claudicância no ritmo da obra.
Até porque a mãe de Akuol, por exemplo, é uma personagem digna de atenção e de protagonismo. É a partir dela que “Sem Caminho Direto para Casa” nos permite paralelo com nosso país, que vive um sentimento de terra arrasada por parte da população. Ao compor um governo de coalizão que reúne militares, antigos líderes populares e até ex-cônsul britânico, o Sudão do Sul parece mais disposto a reunir a sociedade civil em torno de um bem comum. Mensagem de uma nação abalada por uma guerra e por uma separação traumática, no qual a estabilidade e crescimento econômico parecia a última barreira.
Isso porque os minutos finais do documentário mostra que os desafios serão sempre maiores, com o abalo provocado pelo novo coronavírus e as enchentes no final de 2021 que deixaram novos rastros de destruição – com uma gênese nas mudanças climáticas e influência exagerada dos humanos na natureza. Mais tradicional e jornalística do que as digressões afetivas e a celebração da memória do início, a parte final parece querer provar que a forma e a aplicabilidade de certos legados não são tão previsíveis quanto antes. Nunca sabemos, nem aqui e nem lá, o que nos espera enquanto indivíduo e enquanto nação.
Veja o Trailer: