Silêncio de Rádio

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Sinopse: “Silêncio de Rádio” nos leva a março de 2015. Devido à pressão política e a falsas pretensões, a principal voz do jornalismo independente mexicano, Carmen Aristegui, acaba demitida, junto com sua equipe, da rádio MVS. No dia seguinte, mais de 200 mil pessoas organizam um ato e assinam uma petição em favor de sua volta e pedindo o fim da censura. Apesar da imensa mobilização, a emissora não cede.
Direção: Juliana Fanjul
Título Original: Radio Silence (2019)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 20min
País: México | Suíça

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Impressões Superficiais

O mexicano “Silêncio de Rádio” foi apresentado no mesmo dia em que “Fico te Devendo uma Carta sobre o Brasil” seria exibido na mostra nacional de longas do Festival É Tudo Verdade 2020. Uma forma do programador entregar duas obras similares na linguagem, com uma narração intimista beirando o existencialismo. Dito isso, por sorte o filme de Juliana Fanjul foi visto antes da produção brasileira. Apesar de provocar importantes questões e tocar em temas que nos interessam muito, posto que relacionados aos países latino-americanos, o documentário possui uma formatação e escolhas de montagem que não se justificam, beirando ao puro estilismo. Deixa a impressão de que a cineasta quer seguir uma tendência sem que o objeto da obra comungue com sua proposta.

Após contextualizar a permanência no poder do México de um grupo político homogêneo, o filme se concentra na perseguição feita contra a jornalista Carmen Aristegui. Uma censura aparentemente velada que a população do país expôs ao se indignar com a demissão da apresentadora, organizando protestos a seu favor. O PRI (Partido Revolucionário Institucional), que nada revolucionou enquanto esteve no governo central da nação, comandou o México entre 1929 e 2000. A ascensão do PAN (Partido da Ação Nacional) surge no eclipse progressista da região no início do século XXI. Ocorreu pelas mãos do empresário Vicente Fox e seguiu com Felipe Calderón. Porém, uma política de combate ao narcotráfico mal gerida deixou um rastro de quase cem mil mortos e fez com que Enrique Peña devolvesse ao PRI a cadeira presidencial em 2012 e seguiu com esse enfrentamento.

Aqui “Silêncio de Rádio” resgata a importância do trabalho midiático. A crise social no México teve como importante símbolo o desaparecimento de mais de quarenta crianças de uma escola do interior. Prováveis vítimas da guerra entre polícia e cartéis de drogas, levando a população a pedir a renúncia de Peña em 2014.  Citando Patricio Guzman, diretor que abriu o festival com “A Cordilheira dos Sonhos“, a diretora lembra que “o futuro do povo está no passado“. Uma forma de celebrar a mobilização da sociedade mexicana, que observou na última década uma movimentação política que gerou nela efeitos muito graves. Boa parte delas justificadas por denúncias promovidas por Carmen.

Ocorre que o documentário quer revelar novos pontos de vista e situações com uma cadencia que o torna bem pouco dinâmico. Muitos criticam o tradicionalismo de documentários que se propõem a serem peças de denúncias ou se pautam por destrinchar uma complexa situação sobre determinado território. Porém, fazer diferente não confere necessariamente uma experiência positivamente alternativa ao público. Fanjul tem um material potente nas mãos. Fatos atípicos, como a reverberação do plágio de uma tese pelo Presidente do país (no Brasil do governo de Jair Bolsonaro isso já foi objeto de debate relacionados a Ministros e nada ocorreu) e decide por pulverizar seus trunfos.

Há uma clara expectativa por um julgamento moral da jornalista ao seu primeiro erro cometido. Um filme que opta por não seguir o caminho de trazer o risco de fazer parte da mídia hegemônica com a aplicação de um olhar crítico. Mas toda essa teia se perde em uma narração modorrenta, pouco objetiva, que adiciona elementos como o sistema de monitoramento dos cidadãos contratado pelo governo mexicano (chamado Pegasus) espalhando narrativas e cortes de imagens de arquivos que mais confundem do que ambientam.

É como se “Silêncio de Rádio” criasse um cerco e não formasse trilha. Carmen Aristegui não deixou de praticar seu ofício, se adaptando às novas mídias e seguindo como uma importante formadora de opinião no México até que a justiça (aparentemente) tenha sido feita a ela. Juliana Fanjul, contudo, é primária em quase todas as assertivas, tanto no registro da trajetória da profissional, quanto nas erupções provocadas pela política local – passando, ainda, por investigações sobre matanças de opositores e um rastro de trinta mil desaparecidos. Parece que a sombra da impunidade, que acaba tornando um ato político o questionamento de algumas decisões institucionais, deixa um rastro de pouca contundência ao seu filme.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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