Sinopse: Em uma remota propriedade rural, uma mulher dorme e está sozinha. É um momento não muito distante do início da imagem em movimento e o obcecado e rico Dr. Epstein cria em “Sono de Outono” uma série de experiências científicas. Ele submete seus filhos adotivos, Pete e Re-Pete, junto com seu querido melindro, Baby Dee, a várias técnicas científicas. As coisas tomam um estranho rum quanto Epstein faz um acordo. Ao fazê-lo, ele abre uma porta para o desconhecido, rompe o tecido do tempo e desencadeia um personagem sombrio, empenhado em reduzir todos que encontra ao pó.
Direção: Michael Higgins
Título Original: Autumnal Sleeps (2019)
Gênero: Experimental
Duração: 1h 11min
País: Irlanda
Experimenta-se
Em “Sono de Outono“, o cineasta Michael Higgins nos leva aos passeios mais clássicos que o audiovisual permite. Dentre eles, a História do Cinema e sua fase embrionária e os caminhos do surrealismo e do onírico, ferramentas transformadoras dessa linguagem. Quase como um filme-símbolo para fazer parte do Festival Ecrã, o longa-metragem irlandês pode ter passado despercebido em meio a grandes companheiros de mostra como as festejadas produções nacionais “Cavalo” e “Sertânia” e a dobradinha James Benning com “Telemundo” e “A Verdade Interior“. Porém, pensando sob uma perspectiva de apresentação para um público menos afeto a experimentalismo, trata-se de uma das obras mais fundamentais da programação.
O filme nos leva a um conjunto de experiências do Dr. Epstein. A protagonista, uma mulher que dorme, está aqui por tanto tempo que nem se lembra mais, permitindo que o espectador forme uma convicção sobre estar dentro dos sonhos, das memórias projetadas ou de um fiel retrato biográfico da personagem. Até que um homem, tal qual um realizador, liga sua câmera e grita “ação!”. Higgins, então, usa aquela figura central como seu próprio timão, comandando através deles todos os movimentos sequenciados na obra. Vai se valendo do início do arco de construções visuais do cinema, nos remetendo diretamente aos primeiros filmes de narrativa ficcional.
Pensado como um horror experimental, “Sono de Outono” didatiza toda a simbologia de gênero. Uma produção deslumbrante nos leva a uma luxuosa mansão, enquanto imagens de animais empalhados e personagens de freak shows transitam pela tela. Parece querer nos transportar a uma nicklodeon do início do século XX, abrindo novas possibilidades para o audiovisual em paralelo ao que foi vislumbrado pelos pioneiros. A digitalização deste fazer artístico serviu a nós quase como uma refundação do Cinema (alguns preferem chamar de morte). É curioso que, cada vez mais, essas releituras das imagens – não somente com arquivos originais, como a partir de recriações – ganham espaço entre os cineastas contemporâneos.
Aqui há passagens de tempo, em um valioso trabalho de figurino e do uso de fotografias. O diretor nos coloca inicialmente em algum ponto do final do século XIX mas, quando nos damos conta, chegamos mais perto dos anos 1920. A linguagem do longa-metragem segue essa “atualização”, passando para um terror mais expressionista. O Dr. Epstein passa atuar como um maestro das imagens, usando o jogo de luz e sombra, momento em que o trabalho de som do filme é ainda mais impressionante.
É como se chegássemos a uma zona de conforto do fruir cinematográfico a qual o grande público parece nunca ter saído. Higgins constrói, então, pequenas gags, um número de foxtrot e termina seu livro de referências oníricas com maquiagens de sombras coloridas e um visual erotizado que nos faz lembrar duas divas pop oitentistas, Cyndi Lauper e Madonna. “Sono de Outono” é um mundo de sonhos, produzidos mais pelo espectador internamente do que a partir das colagens referenciais de Michael Higgins, que se coloca como facilitador da experiência com nosso próprio passado junto à arte.
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