Sinopse: Em “Space Jam: O Jogo do Século”, um parque de diversões intergalático precisa de novas atrações e um poderoso vilão espacial decide que Pernalonga e sua turma são os personagens mais divertidos do mundo e envia um grupo de 5 pequeninos alienígenas, os Nerdlucks, para capturá-los. Eles têm uma arma secreta: roubaram as habilidades dos melhores jogadores da NBA e formaram um time da pesada. Agora, só existe uma chance de Pernalonga e seus amigos ganharem essa partida. Eles precisam de ajuda do maior, melhor e mais famoso jogador de basquete de todos os tempos: Michael Jordan.
Direção: Joe Pytka
Título Original: Space Jam (1996)
Gênero: Comédia | Animação | Esporte | Ficção
Duração: 1h 27min
País: EUA
Capitalizando a Saudade
Há certas coincidências do destino que comprovam que o imponderável é algo mais interpretativo do que real. No meio de uma viagem insana por filmes, séries e todo tipo de equilíbrio entre a produção de conteúdo para a Apostila de Cinema e todo o imenso restante de coisas a se fazer a qual chamamos de vida, minutos antes da experiência de revisitar “Space Jam: O Jogo do Século” – em dobradinha parecida com a que fizemos em “Um Lugar Silencioso” (2018) e “Um Lugar Silencioso – Parte II” (2021), chega uma notícia diretamente dos Jogos Olímpicos de Tóquio. A ginasta Simone Biles, grande esperança de medalhas para os Estados Unidos na primeira edição da competição sem a presença de Michael Phelps neste século, não participaria da final do individual geral no dia seguinte – após o treinador retirá-la da equipe no dia anterior, na final por equipes.
A justificativa é que a atleta deveria priorizar sua saúde mental, iniciando desde já um debate fundamental sobre a pressão imposta a atletas – tema de alguns filmes os quais falamos aqui nas últimas semanas – agravada em um evento gigantesco que ocorro no meio de uma pandemia mundial. A trajetória de Biles se encontraria com a de Michael Jordan de imediato – mas o destino ainda reservava uma última brincadeira antes que desse o play na plataforma da HBO Max, onde o filme está no catálogo desde seu lançamento no início do mês. O jornalista Matt Walsh escreveu no Twitter, talvez deslegitimando os cuidados com a ginasta, que seria como se o astro do basquete desistisse de jogar a partida sete de uma final da NBA.
Ora, Jordan literalmente desistiu de jogar basquete – o que a raiva com temperos de sexismo do repórter talvez não tenha permitido se lembrar – para depois responder como se fosse falso anacronismo nosso e não dele. “Space Jam: O Jogo do Século” nasce a partir do retorno do jogador às quadras. Sua interrupção, retratada na série da Netflix “The Last Dance“, foi uma mistura de drama pessoal com a pressão absurda de ser o melhor. Entre 1993 e 1995 ele foi jogar beisebol, recomeçando do zero a jornada do herói do esporte. Motivado por uma promessa que ele fez ao pai, assassinado no ano em que ele se aposentou pela primeira vez, quando Michael era uma criança.
No filme, dirigido por Joe Pytka – experiente em peças publicitárias como famosos comerciais da Pepsi e de videoclipes, como “The Way You Make me Feel” de Michael Jackson – refaz esses passos no prólogo. Um diálogo entre vida e arte que eu, um menino de dez anos em 1996, jamais poderia conceber quando assisti ao longa-metragem na semana de Natal, quando ele estreou no Brasil. Jordan para mim era um herói ausente, uma figura emblemática a partir de sua imagem vendida do lado de fora do esporte. Muito novo para varar as madrugadas acompanhando seu jogo, ele foi daqueles ídolos que chegavam de maneira simbólica. Sua parceria com a Warner em uma trama que os colocava com a turma dos Looney Tunes, foi um dos projetos mais ousados daquela época – e hoje faz parte do imaginário popular envolta de sua carreira.
“Space Jam: O Jogo do Século” consegue extrair muito de um fiapo de histórias e as limitações que envolvem as interpretações com o vazio das animações e o amadorismo de seu protagonista no mundo das artes. Sua trilha sonora atravessou o tempo, de hoje clássicos do R&B como “I Believe I Can Fly” de R. Kelly, “Fly Like an Eagle” de Seal e a primeira versão de “I Turn to You“, na voz de All-4-One e que se tornou inesquecível na regravação de Christina Aguilera. Sem contar, claro, a faixa-título – capaz de trazer de volta as memórias de criança de uma geração inteira.
Há os anacronismos comuns às releituras. Muitos falam da objetificação de Lola Bunny, que se destaca pela sensualidade – o auge do politicamente incorreto de um desenho que se baseava nessa relações carregadas de violência e abuso entre seus personagens, principalmente na rixa entre Pernalonga e Patolino. Escrevo aqui antes de assistir à nova versão, agora com LeBron James, mas notícias dão conta de que este aspecto foi alvo de um olhar crítico da produção recente. Incomoda bem mais a esquete racista de Bill Murray que, ao lado de Jordan e Larry Bird em uma partida de golfe, reclama que nunca teve oportunidades na NBA por ser branco.
Hoje a liga de basquete se tornou global, sem que falácias como racismo reverso e a realidade de xenofobia ganhassem o tamanho de antes. A internacionalização também se deu a partir da figura midiática de Michael, que ultrapassou o simples sucesso ao fazer cestas e dar assistências em lotes a cada partida. Se tornou uma marca, que se encaixou tão bem nos air jordans da Nike quanto na aventura familiar bobinha que o filme da Warner não consegue deixar de ser. Com uma mensagem sobre o medo de ter os “talentos roubados”, nosso protagonista surge como salvador da pátria da bola laranja e coloca como coadjuvantes sua família (com atores substituindo) e amigos, em uma época em que tínhamos pouco conhecimento sobre a intimidade de nossos ídolos.
“Space Jam: O Jogo do Século” traz um Michael Jordan disposto a retornar para ser ainda maior. Tanto nos anéis de campeão quanto na figura icônica que se tornou. O jornalista que deslegitimou Simone Biles é parte de um grupo que esquece os momentos ruins, as escolhas as quais se arrepende e as derrotas dos grandes heróis. Quer criar símbolos acima de qualquer suspeita para usá-los como elemento de comparação. Não para humanizar os ídolos do presente, mas para ressaltar sua falhas.
Só que nem o próprio Michael Jordan esqueceu disso e fez do tão sonhado comeback esperado pelos fãs uma divertida peça de propaganda de si mesmo.
Veja o Trailer: