“Spiderhead” é um dos destaque da semana na Netflix. Leia a crítica!
Sinopse: Em uma penitenciária de última geração, um detento participa de um experimento com drogas que controlam as emoções para um gênio da indústria farmacêutica.
Direção: Joseph Kosinski
Título Original: Spiderhead (2022)
Gênero: Thriller | Ficção
Duração: 1h 46min
País: EUA
Falsos Arbítrios
O conceito de liberdade e de disposição de nosso corpo sempre foi tema recorrente nas narrativas ficcionais para trazer como mensagem que, não é porque aceitamos algo que nos faça mal que não devemos julgar as ações do outro. A partir de uma ideia de livre arbítrio e de salvo-conduto que atira no lixo qualquer ética de pesquisa, “Spiderhead” costura uma trama que une os códigos de filmes sobre fuga de prisões e intrigantes ficções cujo protagonista está disposto a quebrar todas as regras para atingir seus objetivos.
Baseado no conto “Escape from Spiderhead“, escrito por George Saunders e publicado na revista The New Yorker, o longa-metragem é o grande lançamento da semana na plataforma de streaming Netflix. Com o rosto estrelar do australiano (e asgardiano) Chris Hemsworth – que foi citado há poucos dias na Apostila de Cinema pelo cameo e créditos na produção de “Interceptor” (2022) – deverá ser, com folga, um dos exemplares do catálogo mais acessado nos próximos meses. Com poucas informações sobre a história, o espectador comprará a ideia sobre o que há por trás daquele centro de detenção e pesquisa.
Em “Spiderhead“, condenados por crimes graves aceitam serem transferidos para um novo tipo de ilha construída para cumprimento de pena. Ao invés de ser comandada pelo Estado, eles ficam nas mãos de Abnesti (Hemsworth), um cientista vinculado à indústria farmacêutica. Ao ser possível aplicar alguns fluidos nos corpos daquelas pessoas, ele faz experiências nas quais manipula as sensações das cobaias. Tudo, claro, com a desculpa de que há consentimento expresso em todas as sessões, como se a vulnerabilidade provocada pelo medo de voltar à prisão “tradicional” não fosse o suficiente. Shyamalan deve ter achado graça da forma tão expositiva como tudo isso surge na tela no arco introdutório.
Abnesti possui grande interesse em Jeff (Miles Teller), um dos “voluntários” que parece mais disposto a fazer tudo aquilo dar certo. Ao aplicar em duas oportunidades uma substância que desperta o desejo e a libido, ele registra envolvimentos daquele homem com mulheres diferentes. Passa, então, a investigar as consequências desta manipulação das emoções. Por mais que haja consciência de que as atitudes foram reflexos de um agente externo, o cérebro naturalmente registrará aquele evento e criará vínculos com o outro. O desenvolvimento de sentimentos também não depende somente do livre arbítrio e da autoconsciência.
É a partir daí que Jeff questionará os métodos e objetivos de Abnesti. Chris Hemsworth constrói seu protagonista a partir de uma excentricidade que se revela fundamental para que não o questionem, quase como se tivesse saído de um roteiro dos Irmãos Coen. A forma como o diretor Joseph Kosinski (na boca do povo por ser o nome nos mesmos créditos de “Top Gun: Maverick“), coloca o ator em cena de maneira a caracterizá-lo mais como anti-herói do que vilão. Usa o soft pop contemporâneo, começando com uma música do Supertramp, para trazer certa leveza e até um ar de comédia nos primeiros minutos.
Essa escolha pode aproximar o público da trama, já que muitos parecem pouco dispostos a gastar mais de noventa minutos vendo qualquer coisa que não seja séries que nos enrolam por horas a fio. Todavia, tira força no momento em que o thriller precisa ganhar terreno.
O personagem de Teller em nenhum momento chega à linha de frente da história, parece se manter como cobaia (inclusive para nós) até o final. Talvez eclipsado pelo carisma e presença de Hemsworth ou talvez pela dificuldade que o filme tem, em sua narrativa, de virar a chave e priorizar os objetivos deste agente. Você pode receber “Spiderhead” como uma obra sobre Abnesti, mas na própria maneira de registrá-lo e fazer seu intérprete se expressar, há essa quebra na direção. Deixa, em algum momento, de ser a jornada tirana e antiética de um homem que tem nas mãos formas inéditas de provocar sentimentos e ações de outros humanos.
Em dois momentos essa proposta de manter o foco em Abnesti quase é alcançada. O primeiro é quando ele, finalmente, decide ignorar o consentimento viciado das cobaias na sala de experimentos e aplica algumas doses por conta própria e sem que eles soubessem. O segundo é quando ele expressa parte de sua leitura fascista ao dizer que o grande objetivo daquela pesquisa é “livrar” a sociedade de indivíduos como aqueles. Aqui, leia-se criminosos, em uma sugestão de prevenção parecida com o que Philip K. Dick faz em “Minority Report”. A diferença é que o Estado (ou a indústria farmacêutica, ainda mais poderosa) agiria antes da materialidade com a qual a polícia do livro adaptado por Steven Spielberg faz. Portanto, atuaria na psique.
Essa sugestão de termos humanos com todas as suas emoções controladas, quase como uma expansão das métricas da sociedade de consumo, é um argumento de grande potencial. Mais uma vez o conceito de liberdade é mitigado, até porque você parte de uma premissa na qual não teríamos a plenitude de nossas emoções. A grande falha da pesquisa é mostrar que o cérebro registrará, sim, aqueles fatos manipulados como verdade e construirá novas relações de afeto e nojo a partir disso.
Só que “Spiderhead” é tão tolhido em sua narrativa e se preocupa – ao longo de todo o arco de desenvolvimento – em reiterar a maneira como o protagonista aplica doses em suas cobaias, que o filme acaba não decolando enquanto thriller e nem abarca questões que uma leitura dramática da história permitiria. É intrigante? Um pouco, talvez como um novo saber de chiclete que vemos na vitrine e, depois de cinco minutos, se torna a mesma coisa que consumimos desde sempre. O problema é que parece ser exatamente isso que a Netflix gosta de oferecer.
Veja o Trailer: