Superalimentos

Superalimentos

Sinopse: Todos os anos, um novo “superalimento” com propriedades nutricionais extraordinárias, é apresentado ao ocidente. Este filme explora os fatos e mitos por trás dos superalimentos. Revela o efeito cascata dessa indústria nas famílias de agricultores e pescadores mundo afora, explorando paisagens e povos da Bolívia, Etiópia e do arquipélago de Haida Gwaii, no Canadá. Divulga ainda os grandes problemas gerados pela globalização dos superalimentos, incluindo efeitos imprevistos na saúde, segurança alimentar, agricultura sustentável e nas práticas de comércio justo.
Direção: Ann Shin
Título Original: The Superfood Chain (2018)
Duração: 1h 10min
Gênero: Documentário
País: Canadá

Superalimentos

Sobre Comidas e Pessoas

Era natural que “Superalimentos“, documentário canadense dirigido por Ann Shin e parte da programação da 9ª Mostra Ecofalante, dialogasse com “O Fim da Carne“, exibido no mesmo festival. Duas obras que falam dos hábitos e da cultura alimentar e como as novas dinâmicas sociais precisam ser analisadas de forma crítica, sob o risco de trocarmos problemas antigos por novos enquanto acreditamos que estamos a contribuir para um estado de bem-estar. O filme, assim como o outro mencionado, passa ao largo das linhas gerais e encontra um foco rapidamente. Aqui ele acompanha a cadeia produtiva de quatro alimentos: quinoa, coco, teff e salmão.

Ao contrário do vegetarianismo, que colocamos em dúvida se resistirá a essa onda de popularidade, alguns desses produtos vendidos como milagrosos para a saúde são, sim, modismos. Precisam constantemente ser trocados desde que sal, açúcar e comidas ricas em carboidratos se tornaram vilãs incorrigíveis. O salmão, último a entrar em cena no longa-metragem de Shin, foi o primeiro grande herói. Popularizado na década de 1980, vinha dos mares gelados da Groenlândia e parecia ser o segredo da vitalidade do povo japonês. Até hoje programas de televisão vespertinos tentam nos convencer que cápsulas de ômega 3 mudarão nossas vidas – quando que, para a maioria de nós, aqueles comprimidos trata-se de simples placebo.

Na verdade, o salmão surge em “Superalimentos” apenas para efeito contextualizante e para demonstrar que, a partir do momento em que esses itens se tornam parte da nossa rotina, as sensações de poderes de cura e transformação deles se esvaem. Sem contar que a possibilidade de produções em locais menos inóspitos tiram o caráter de bem precioso e vindo de uma terra distante – afetando a valoração do mesmo. Sendo assim, o trecho mais impactante do documentário acaba sendo sua primeira parte, que trata da quinoa.

Até porque a cineasta entrega uma direção mais inspirada nas imagens captadas na Bolívia. Usa as belezas naturais do Lago Titicaca e faz lindas composições, principalmente nas representações dos entrevistados. Ali conhecemos os produtores locais, que viram o sucesso de seu produto se transformar no fracasso de suas vidas. O aumento assombroso do consumo de quinoa criou uma demanda que aquele território não conseguiria suprir. Com isso, passou-se a cultivar o grão em regiões da Ásia, na Espanha e nos Estados Unidos. O resultado é um aumento de oferta que tornou a quinoa um produto muito mais barato (não a ponto de substituir o arroz, que na semana da publicação deste texto foi alvo das manchetes dos jornais brasileiros pelo aumento de preço). O que seria a redenção de um povo, se tornou parte do problema.

Essas novas dinâmicas exploratórias vão de encontro ao que falamos em “O Fim da Carne”. As grandes corporações reinventarão formas de potencializar o consumo – mesmo que, à primeira vista, estejamos nos alimentando melhor. Nas Filipinas a produção do óleo de coco traz, além do trabalho infantil (que permeia o setor primário de muitas economias do mundo – não ache que no Brasil não ocorre), uma disputa burocrática pela posse de terras. É uma outra questão, diferente da Bolívia. Aqui a população – que sempre teve sua agricultura familiar respeitada, enquanto o mundo não olhava para ela com a senha consumista – corre o risco de perder suas pequenas propriedades para que sejam atendidos grandes interesses. A relação com o coco em nosso país sempre foi próxima, então não conseguimos dimensionar tanto as consequências da popularização da água e do óleo deste fruto em outras partes do Ocidente – e é fundamental que o filme traga essa realidade.

Por fim, as soluções para os problemas trazidos por “Superalimentos” não são simples. É quando chegamos na Etiópia a partir do teff, o grão miraculoso que veio substituir a quinoa. O governo local, preocupado que acontecesse com os pequenos agricultores o mesmo que ocorreu na Bolívia, tenta criar medidas protecionistas – chegando a proibir a exportação do produto. O que está em jogo é mais do que a economia. É o respeito à cultura local e, principalmente, a grande fonte de alimento de toda uma comunidade. Nas grandes cidades, temos o mundo nas mãos. As lojas que vendem a granel parecem nos convidar a uma realidade em que podemos ingerir saúde em diversas formas e sabores. Só não devemos nos esquecer que a cadeia produtiva existe e nada chega ao nosso prato sem exploração. Não é só sobre se alimentar. É sobre comidas e pessoas.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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