Sinopse: Em “Ted Bundy: A Confissão Final”, no corredor da morte, um condenado aceita revelar os detalhes de seus crimes, mas apenas a um homem. A história real da complicada relação desenvolvida entre eles, enquanto o agente mergulha na mente sombria e distorcida de Ted Bundy.
Direção: Amber Sealey
Título Original: No Man of God (2021)
Gênero: Biografia | Policial | Drama
Duração: 1h 40min
País: EUA
Mortes Perfiladas
Estreando nas plataformas de streaming por locação, “Ted Bundy: A Confissão Final” começa com uma definição. Pelo conceito de perfilação criminal, o longa-metragem dirigido por Amber Sealey nos apresenta Bill Hagmaier (Elijah Wood), um agente do FBI que ganha a confiança de um dos assassinos mais famosos do século XX. Nos crédito de produção da obra também está o nome do autor, que vem usando sua notoriedade em Hollywood para desenvolver projetos de seu interesse.
Aqui no Brasil a expectativa está por conta do que Wood fará com o legado de Zé do Caixão, que é Coffin Joe desde que remasterizações e lançamentos em VHS por distribuidoras de nicho se destacaram nos Estados Unidos e no Reino Unido. Por sinal, outro produtor, Daniel Noah, é parceiro de Wood na produtora SpectreVision, responsável pelo projeto que adapta a criação de José Mojica Marins. O drama biográfico agora disponível para a audiência do país pode ser um bom termômetro. A direção de arte demonstra uma preocupação com a ambientação, mesmo estando diante de uma narrativa simples, de poucos cenários. O roteiro de Kit Lesser busca de forma enxuta apresentar um dilema específico dos últimos dias da vida do serial killer e a caminhada rumo à revelação de seus feitos.
Desta forma, “Ted Bundy: A Confissão Final” exige de Luke Kirby, intérprete do personagem-título, uma abordagem que vincula a psicopatia com o ódio ao poder institucionalizado. Bill será seu contraponto sob todos os aspectos, até o próprio Ted entendê-lo como exceção possível que justifique sua regra. A jornada de autoconhecimento aqui é bem mais de Hagmaier do que de Bundy. O público vai percebendo, ao lado dele, o quão próximo destinos trágicos e bem-sucedidos estão. A partir de leituras generalistas similares é quase por culpa do acaso que chegamos às bifurcações que nos fazem algo entre o agente da lei exemplar e o mais cruel dos assassinos em série.
Não podemos ignorar que toda a construção violenta e neurótica da sociedade norte-americana deu à Criminologia e outras ciências forenses um peso muito maior na sociedade contemporânea. Nos Estados Unidos de meados do século XX, era comum que pessoas como Ted Bundy ganhassem as capas dos jornais. Nem mesmo a boa recepção da opinião pública à pena de morte – muitas vezes de forma também cruel – foi capaz de frear instintos e comportamentos que a perfilação criminal passou a monitorar. Nas últimas décadas os assassinatos em massa, boa parte dentro de instituições de ensino, ganharam as manchetes. É nessa sociedade doente que Kirby vive um ícone. A cultura pop já cooptou sua imagem, tanto em releituras de seus feitos como em base de outras narrativas (outro dia mesmo publicamos aqui crítica de “Sozinha“, cujo assassino ficcional usava tática parecida com a de Ted Bundy).
Enquanto linguagem, Sealey opera em códigos bem parecidos a outros bons exemplares do gênero, como o (já?) clássico “Zodíaco” (2007) de David Fincher. Parece que estamos em meio uma perseguição policial em curso ou o desbaratamento de um sequestro a partir das informações sobre os crimes ainda omitidos pelo réu condenado à morte. A montagem realça a força dos planos fechados nos rostos da dupla de protagonistas e aplica cortes que não apenas amplia a tensão, mas parece nos colocar dentro de uma briga. A arma de Bill neste embate é a confiança. Com isso, ele deixa Ted se valer de seu ar professoral e expor sua inteligência.
Até que o filme ganha uma quebra narrativa importante. Quando o agente está prestes a refazer os passos do criminoso, a obra ganha uma nova dinâmica, mais próxima de um thriller psicológico. Só que o medo está operando na mente do homem vivido por Elijah Wood. Ele repercute internamente a informação de que sua vida teve alguns pequenas detalhes que mudaram de forma inegociável seu destino. Por trás da sensualidade e do erotismo latente de Ted há uma suposta conexão entre a pornografia e a violência, um debate sobre origens comportamentais que reverbera até hoje.
Na parte final de “Ted Bundy: A Confissão Final” temos pontos interessantes se cruzando. Há a cronologia ensaiada do serial killer, que depois que trabalha a confiança age com mais controle em relação às informações que passa. Quase como se as gravações das conversas operassem como a luz da câmera em um documentário, limitando a espontaneidade. Já pelo lado de Bill, seus demônios internos vão aproximando alguns de seus momentos de reflexão em uma espécie de transe.
Por fim, a ideia da execução da pena de morte como algo espetacularizado – e talvez seja neste epílogo que esteja uma base fundante da sociedade doente norte-americana. Pensar este final e rebobinar as fitas de Hagmaier para ouvi-las novamente seria tão esclarecedor quanto o respeito à linearidade do filme de Amber Sealey. Mesmo com pouco ousadia, se valendo de uma simbologia que deixa o público na zona de conforto, ficamos com o bom trabalho de composição de personagens dos dois atores – sendo que, um deles, tem a difícil missão de ser alguém reproduzido de forma insistente pelo cinema de um país que naturalizou comportamentos desta natureza.
Veja o Trailer: