Turma da Mônica Jovem: Reflexos do Medo

Sinopse: No primeiro dia de aula do ensino médio, Mônica, Cebola, Magali, Cascão e Milena não demoram muito para perceber que as coisas no colégio andam estranhas. Quando descobrem que o Museu do Limoeiro será leiloado, eles decidem se unir em uma missão para tentar salvá-lo. Enquanto investigam o que está acontecendo, eles se deparam com segredos antigos e assustadores do bairro do Limoeiro que envolvem a centenária Ordem dos Cozinheiros. Toda a Turma logo vai perceber que pode estar lidando com uma ameaça muito maior do que imaginavam.
Direção: Maurício Eça
Título Original: Turma da Mônica Jovem: Reflexos do Medo (2024)
Gênero: Aventura | Fantasia
Duração: 1h 28min
País: Brasil

Turma da Monica Jovem Reflexos do Medo 2024 Critica Filme Apostila de Cinema Imagem

Medo e Delírio no Limoeiro

Recheado de expectativas, muito pelo sucesso das produções anteriores inspirados em graphic novels do universo de Maurício de Souza, chegou às salas de cinema esta semana “Turma da Mônica Jovem: Reflexos do Medo”, o primeiro longa-metragem que aborda a adolescência do grupo do Limoeiro no audiovisual, após sucesso editorial com a coleção no estilo mangá. Dirigido por Maurício Eça (de “A Menina que Matou os Pais” e “O Menino que Matou Meus Pais” lançados em 2021), a obra é carregada de referências e “coincidências” com outros lançamentos do período, o que nos permite concluir que estamos diante de uma narrativa que tenta se aproximar do seu público-alvo a partir de zonas de conforto que superam a mitologia da Turma da Mônica, ao mesmo tempo que faz questionar aspectos de originalidade tão marcantes nas obras que revisitam Maurício de Souza (sobretudo pelas personalidades muito bem construídas de suas personagens).

O roteiro de Sabrina Garcia, Rodrigo Goulart e Regina Negrini é creditado como original, feita com a colaboração de outros quatro profissionais – ao contrário da transposição das graphic novels nas versões infantis. A execução nos permite elencar outras criações das salas de cinema bem sucedidas. De forma um pouco distante – e com grandes chances de não ser proposital – o argumento que coloca adolescentes para se articularem politicamente em sua escola, tirando humor a partir da sabotagem, tem um pouco de “Eleição” (1999), produção que apresentou para grande parte do público o cineasta Alexander Payne. O mesmo que também entrou em cartaz com seu filme mais recente esta semana, o aspirante à indicação ao Oscar de melhor ator de Paul Giamatti, “Os Rejeitados” (2023).

Na trama de “Turma da Mônica Jovem: Reflexos do Medo”, ainda contamos com a adição da inteligente Milena (Carol Roberto, a mais carismática do elenco), além das quatro personagens clássicas. Nos primeiros movimentos na escola, iniciando o primeiro ano do Ensino Médio, temos uma base criada para introduzir a vilania precoce e quase inofensiva de Carmen (Giovanna Chaves). O colégio no Limoeiro é apresentado pela ótica separatista, estereotipada e com pretensão ao bullying de outras obras audiovisuais de sucesso, com uma cena específica que mostra essa fragmentação bem ao estilo “Meninas Malvadas” (2004). Em outra coincidência, um longa-metragem que adapta o musical dos teatros para as telas do cinema da jornada tirânica de Regina George também chegou ao Brasil por esses dias, em uma congestionada maratona de estreias que misturam obras direcionadas às férias do público infanto-juvenil com a já mencionada “corrida do Oscar” (como não se via desde antes da pandemia, por sinal).

Esse caminho da articulação naquela pequena sociedade que constitui o ambiente escolar é pouco explorada – ao contrário do desenvolvimento da militância da protagonista de “Chama a Bebel” (2023), outro longa-metragem brasileiro que chegou aos cinemas nas primeiras semanas de 2024. Em outra coincidência, a jovem Bebel que descortina uma tentativa de greenwashing liderado pelo pai de um colega de escola é vivida por Giulia Benite, a Mônica das produções anteriores da Turma.

Outro ponto frágil do longa-metragem de Eça – e já apontado por críticos e fãs que assistiram nesses primeiros momentos – é justamente o elenco liderado por Sophia Valverde, nova intérprete de Mônica. Após o sucesso na forma como os admiradores das histórias de Maurício de Souza adotaram Benite e as crianças que protagonizaram os dois longas-metragens e a série de streaming dirigidos por Daniel Rezende, há quem defenda a permanência daqueles atores, agora adolescentes. A escolha de produção pela renovação teve o efeito contrário ao pretendido. Por mais que a líder deste elenco tenha saído de um sucesso da TV, “As Aventuras de Poliana” (2018-2020), não há a mesma química, inclusive sobre a tensão amorosa que Mônica e Cebola (Xande Valois) nos apresenta no material original. A sensação é que os grandes protagonistas são Cascão (Théo Salomão) e, sobretudo, Magali (Bianca Paiva).

Seguindo a busca por referência, “Turma da Mônica Jovem: Reflexos do Medo” vai se basear em outras histórias como forma de fugir da reprodução de narrativas do próprio universo onde está inserido. O grande vilão do filme é Licurgo (Mateus Solano), professor com cabelos desgrenhados, narriz esquisito e trejeitos caricatos da escola do Limoeiro. Não é mera coincidência que, além da releitura do Louco original do quadrinhos, um ar de Severo Snape seja promovido por Solano em sua atuação. Boa parte dos objetos, muletas narrativas e aspectos visuais da fantasia criada pelo filme tem como base o universo de Harry Potter. Na maior delas, a grande metáfora do espelho (já requentada) que nos prende a partir dos nossos desejos e revela nossos medos (é você, espelho de ojesed?), base da Pedra Filosofal, primeiro livro da saga de J.K. Rowling.

Justiça seja feita que a referência a outro espelho é explicitada pela direção de arte do filme, ao mostrar um livro com o título do conto de Machado de Assis na biblioteca da escola. Todavia, da ideia original apenas a já citada metáfora de aprisionamento a partir do que percebemos enquanto nosso reflexo é mantido (e que pode ser remetida à ideia original de Platão, sendo tudo um processo gigante de releituras). Não é uma abordagem tão perdida quanto a da articulação política discutida acima, ouso dizer que a busca moral da obra está bem conectada com o excesso de telas (que nos refletem na constante necessidade de postar) que a geração que forma o público-alvo da obra precisa lidar.

Dentre as referências potterianas, também podemos citar a chegada do grupo ao seu “primeiro ano de escola”, as vozes condutoras da Câmara Secreta e uma Ordem da Fênix adaptada pela já citada protagonista real da obra, Magalia partir da Ordem dos Cozinheiros. Na forma como Maurício de Souza alterou aspectos da turminha na chegada da adolescência, a menina do vestido amarelo deixa de ser apenas a coleguinha comilona de Mônica e passa a ser uma promissora chefe de cozinha. É nesse contato com a escola de culinária que a magia do longa-metragem vai se desenvolver – e todos os dilemas, conflitos e soluções passam necessariamente pelo plot criado a partir de Magali.

Só que, com tantas referências a outras criações, o longa-metragem soa mais como uma produção nacional infanto-juvenil do século XX do que do século XXI. É quase como se colocasse a Turma da Mônica a fazer paródias de sucessos recentes do cinema como acontecia com Xuxa e, sobretudo, Os Trapalhões. Até mesmo a versão em animação de filmes como “A Princesa e o Robô” (1984), que chegou as cinemas um ano após a conclusão da trilogia original de “Star Wars“, por exemplo.  Dava muito certo em uma época na qual a relação do brasileiro com o cinema e suas próprias franquias de sucesso (migradas da TV ou dos quadrinhos) era outra – e não necessariamente será abraçada pelo público de hoje.

Por fim, soma-se à ideia da metáfora do excesso de espelhos uma outra, também admirável: a de que a solução dos nossos problemas passa pelo resgate das relações humanas. Sem exceção, ninguém merece ser deixado para trás no filme. As críticas à qualidade técnica de “Turma da Mônica Jovem: Reflexos do Medo” eu acho pouco válidas e credito como consequência de uma obra que não consegue agradar nenhum dos alvos em potencial enquanto público. Não há fanservice, as referências a outras sagas de sucesso soam como requentadas e, o mais grave, abre mão de um recente e do grande patrimônio da Turma da Mônica: o elenco anterior e as características marcantes de suas personagens. Ao querer não errar pela reprodução do universo, pecou justamente pela falta de originalidade.

Veja o trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *