Vicenta

Vicenta Crítica Documentário Argentino Pôster

Sinopse: Vicenta vive em uma casa de madeira e zinco nos subúrbios profundos de Buenos Aires. Ela é pobre, analfabeta e, apesar de ter tudo a perder, dá início a uma guerra contra o Estado argentino para conseguir aquilo que considerava justo: a interrupção legal da gravidez de sua filha.
Direção: Darío Doria
Título Original: Vicenta (2020)
Gênero: Documentário | Animação
Duração: 1h 9min
País: Argentina

Vicenta Crítica Documentário Argentino Imagem

Da Dureza ao Combate

O caso de Laura Avendaño ocorreu em 2006 em La Plata, cidade da província de Buenos Aires e mobilizou ativistas e imprensa à ocasião. A “Vicenta” que dá nome ao documentário de Darío Dora (assistido na Competição Longas e Médias Internacionais do Festival É Tudo Verdade 2021) trata-se da mãe de Laura, que viu sua vida mudar completamente após a gravidez da filha. A jovem com problemas cognitivos foi vítima de um abuso e essa gravidez inesperada revela uma avalanche de outros abusos e negligências por parte do pai, chamado de “tio” (condição que de certa forma aponta sua ausência cotidiana na criação das filhas).

Apesar de ter todo um conjunto de acontecimentos que deveriam ser suficientes para promover a autorização do aborto nesse caso, Vicenta viu esse e os próximos anos se transformarem em um longo, angustiante e cansativo combate. Antes, a diarista cruzava a cidade para trabalhar, mas depois da violência contra sua filha, se viu obrigada a transitar por sala de juízes e advogados que, na maior parte das vezes, dificultavam o processo já doloroso. A burocracia para se chegar à decisão que se mostra a mais justa dentro de toda complexidade do caso é quase sádica.

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Contudo, Dora, a partir de suas escolhas estéticas, cria uma narrativa delicada. A delicadeza está presente nos sons precisos, na utilização de stop motion com bonecos que quase não se movem e na voz que narra a história quase inteiramente em um único tom. Essas características em conjunto nos fazem entrar em uma espécie de transe imersivo que funciona como catalizador de todas as aflições e dores de Laura, sua mãe e sua irmã. O fato é que ocorre alteração na vida de todos os integrantes da família o que implica em deixá-los ainda mais expostos. Exposição e fragilidade ditam o ritmo de “Vicenta” e, talvez, esse embalo hipnótico nos faça transitar melhor por toda precariedade e falta de suporte da realidade que nos foi apresentada.

Assim também, nos é anunciada a incapacidade de alterar o sistema e torna-lo mais rápido dando conta da urgência que carrega. A urgência é somente de Vicenta e sua família que perdem o emprego por conta das faltas necessárias.
Algumas imagens de arquivo também são mostradas nos lembrando o tempo todo de que foi um caso real. Não que essa lembrança se faça necessária porque mesmo dentro do mundo de massinha criado por Dario, a realidade irrompe nos olhares vazios das bonecas.

Vicenta – a real, que atravessa a cidade em busca de trabalho e a animação – nos dá uma grande lição de como promover o debate ao redor das carências sociais, da injustiça e da barbárie sem abrir mão da poesia, que também pode ser combativa.

Veja o Trailer:

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Em constante construção e desconstrução Antropóloga, Fotógrafa e Mestre em Filosofia - Estética/Cinema. Doutoranda no Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com coorientação pela Universidad Nacional de San Martin(Buenos Aires). Doutoranda em Cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Além disso, é Pesquisadora de Cinema e Artes latino-americanas.

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