Vulcão da Lama: A Luta Contra a Injustiça

Vulcão da Lama: A Luta Contra a Injustiça

Sinopse: Um tsunami de lama em ebulição soterra 16 vilarejos de uma área industrial e residencial de Java Oriental, na Indonésia, desalojando mais de 60 mil pessoas. Dezenas de fábricas, escolas e mesquitas ficam submersas sob uma paisagem de lama rachada. Cientistas afirmam que a tragédia se deveu às atividades de fracking (extração de gás de xisto), que acidentalmente atingiram um vulcão de lama subterrâneo. Dian, na época ainda criança, é hoje uma jovem ativista que mobiliza seus vizinhos na luta por justiça, questionando o papel do poder e dinheiro de grandes corporações.
Direção: Cynthia Wade e Sasha Friedlander
Título Original: Grit (2018)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 21 min
País: EUA

Vulcão da Lama: A Luta Contra a Injustiça

Jus Enlameandi

O documentário “Vulcão da Lama: A Luta Contra a Injustiça“, exibido na 9ª Mostra Ecofalante de Cinema, como o próprio subtítulo sugestiona, falará da impunidade. Além de tratar um episódio parecido com as tragédias de Mariana e Brumadinho em Minas Gerais, ainda traz um pouco das movimentações políticas da Indonésia. Um país que ganha pouco espaço no noticiário internacional, mas que hoje possui a quarta maior população do planeta (atrás apenas de China, Índia e Estados Unidos). Uma nação que, em tempos de revoltas climáticas, tem um potencial de vítimas alto e, ao mesmo tempo, suas próprias convulsões sociais.

O documentário dirigido por Cynthia Wade e Sasha Friedlander nos apresenta um “acidente” que ocorreu em uma área de extração de gás em Java Oriental. A empresa Lapindo, responsável pelo empreendimento, fez a prospecção sem o dimensionamento de danos corretos e uma das brocas perfurou um bolsão de lama, deixando um rastro de mortes e desabrigados. Uma região consumida pelo barro, assim como a provocada nos dois “acidentes” brasileiros. A Lapindo colocou a culpa do evento em um terremoto – que aconteceu dias antes e teve seu epicentro a duzentos quilômetros de distância.

O que mais chama a atenção no longa-metragem é o deboche do dono da empresa. Entrevistado para que fosse registrada sua versão, ele defende o absurdo de condicionar indenizações àqueles que apresentassem títulos de propriedade – como se os papéis não tivesse sido consumidos pela lama que destruiu suas casas. Refuta a ONU e órgãos vinculados à saúde e à economia (tá ok?) e diz que na Indonésia essa conversa de viver com menos de um dólar por dia não tem nada demais. Lá a média (de acordo com ele) é de setecentas centavos de renda diária – mas que com quarenta centavos é possível ter uma boa vida.

Para termos uma noção do rastro de miséria na região, basta transportar essa realidade para o Brasil. Um país que possui renda média de 252 dólares (R$ 1.406 por dados publicados em maio de 2020 na cotação de R$ 5,58 do dia em que o texto foi publicado). Isso faz com que o brasileiro-médio viva com pouco mais de oito dólares por dia, mesmo em grave crise e com uma moeda desvalorizada. A região Norte, de média menor (R$ 872), tem na conversão atual pouco mais de cinco dólares por dia. Porém, fica a reportagem de alerta para aqueles que não entendem ser o Brasil um país miserável. Por mais que o grande empresário da Indonésia defenda um custo de vida mais baixo, estamos falando de uma renda mensal de R$ 65 nos quarenta centavos de dólar que ele diz suficiente. Só que, aqui, os 10% mais pobres vivem com R$ 112 ao mês (ou seja, 65 centavos de dólar por dia).

Além disso, ele se compadece consigo mesmo dizendo que sua família por muitos anos foi a mais rica do país e hoje não é mais. A verdade é que aquele senhor, que aparece ali como um semi-aposentado jogador de tênis, é um dos grandes políticos de bastidores da Indonésia. Já foi Ministro da Economia e, ironicamente, do Bem-Estar Social – além de chefe do Golkar, partido que se manteve mais de trinta anos no poder sob a bandeira, claro, do anticomunismo. “Vulcão da Lama: A Luta Contra a Injustiça” claudica em sua montagem, exagera na lentidão de algumas representações e até em uma animação contextualizante, necessária mas mal engendrada. Os realizadores apostam pouco na efervescência política na primeira metade, mas ao fazer isso acaba ressaltando os absurdos verbalizados.

Traz uma realidade da Indonésia, mais detidamente na área da tragédia, em que muitos adolescentes não completam seus estudos para complementar renda (justo essa semana em que o Presidente do Brasil chamou de “bons tempos” a época em que o trabalho infantil não era coibido). Mas é tudo brincadeira, gente. O que foi sério para a o povo indonésio se concentrou nas eleições de 2014, onde o voto é facultativo. Aqui o documentário encontra seu foco. A possibilidade de novos ares na presidência do seu país, o que foi visto com esperança àqueles que lutavam por indenização. Usando uma estética parecida com a campanha de Barack Obama, Joko Widodo foi eleito (e permanece até hoje no poder). Prometia uma Nova Política. Assinou carta de compromisso com a população local, em que garantia que lutaria pelas reparações de danos. Recorde de votantes e depósito de confiança no engravatado.

Menos de um ano depois, aderiu à velha política de coalização, a famigerada realpolitik que serve de engessamento de qualquer avanço institucionalizado na sociedade. As indenizações seguem em aberto. Acaba que “Vulcão da Lama: A Luta Contra a Injustiça” propõe uma velha saída, onde a renovação da esperança acontece quando uma das jovens moradoras inicia seu curso de Direito. Acabou o espaço por aqui, então o assunto segue em suspenso para outro momento. Mas o desejo que fica é que aquela moça não leia a Justiça oficializada de seu país da maneira pessimista como enxergamos daqui: um mero paliativo, que permite algumas migalhas de pão depois que a elite já arrotou seu regado café-da-manhã.

Confira aqui nossa cobertura completa da 9ª Mostra Ecofalante de Cinema.

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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