Sinopse: A chegada de um caçador de lobos a uma cidadezinha irlandesa é o começo de uma grande aventura para Robyn, quando ela conhece na floresta uma menina com um estranho dom.
Direção: Tomm Moore e Ross Stewart
Título Original: Wolfwalkers (2020)
Gênero: Animação | Aventura | Fantasia
Duração: 1h 40min
País: Irlanda | Reino Unido | Luxemburgo | França
Uma Clássica Ousadia
Quando “Wolfwalkers” começou a despontar como único antagonista possível ao amplo favoritismo de “Soul: Uma Aventura com Alma” entre os indicados ao Oscar 2021, quem não tinha ainda acesso ao serviço da Apple TV+ começou a cogitar qual seria o motivo. Imagens que denotam uma estética de ilustrações da literatura infantil clássica e uma temática que parece se inserir no fim do período medieval, de forte simbologia celta. Mais do que isso, a produção é a única que tenta ser aquilo do que a mera repetição de uma narrativa de aventura contemporânea. Com isso, a comparação com todos os outros quatro longas-metragens ultrapassa a mera diferença estética. Há uma ousadia em resgatar o clássico, ao invés de ser puramente referencial.
A história de passa em Kilkenny, cidade milenar irlandesa. Trata-se do fim de uma trilogia que revisita as manifestações culturais populares e folclóricas do país, promovida pelo cineasta Tomm Moore. As outras duas também foram indicadas pela Academia (“Uma Viagem ao Mundo das Fábulas” de 2009 e “A Canção do Oceano” de 2014). A produtora Cartoon Saloon, desses três trabalhos, tem no currículo apenas mais um, “A Ganha-Pão” (2017) também nomeada – mas bem menos sensível e representativa, ao se deslocar da Irlanda para o Afeganistão. Aqui o contexto parece ser o das guerras confederadas daquela nação, que colocou frente a frente no século XVII ingleses e escoceses, de visões políticas e – sobretudo – religiosas diferentes.
O preço a ser pago em conflitos desta natureza está bem nítido em “Wolfwalkers“: o esmagamento de culturas e tradições de povos. Assim imaginado, Robyn (Honor Kneafsey) é uma menina protegida pela dura realidade por seu pai, Bill (Sean Bean). Porém, o chamado da floresta a coloca em contato com uma matilha de lobos liderada pela jovem Mebh (Eva Whittaker) que aguarda o retorno da mãe, que descolou do grupo e não mais voltou. Ao se tornar uma representante daquela comunidade a protagonista terá que conviver com o hibridismo, será humana enquanto está acordada e assume a forma lupina enquanto a consciência descansa. Sua parceira de aventura (e de resistência aos avanços dos caçadores de lobos) ainda possui importantes poderes de cura.
O grande dilema da narrativa será a incerteza da vida em liberdade na floresta em oposição ao medo de sair de perto do pai. Robyn é uma das melhores personagens desta temporada de prêmios e tudo o que está em volta dela também. Bem construída e com aliados e ganchos narrativos que se sobrepõem de maneira natural – ao contrário da jornada das outras animações, que parecem sair de roteiro de videogame e suas fases e elementos pré-determinados. Nem tudo é efusivamente animador no filme, o ritmo algumas vezes soa irregular e é daquelas produções que deixam na segunda metade a sensação de se prolongar demais em alguns assuntos. Ainda assim, longe de deixar o gosto de “qualquer coisa” ao final da sessão.
De qualidade técnica irretocável, o trabalho dos realizadores Tomm Moore e Ross Stewart é mais um exemplo do uso de ferramentas clássicas em prol de uma boa história. Uso de luz e sombra, a criação de perspectiva, não há nenhuma invenção ou arroubo digital que supere o tradicionalismo. Coerente com a mensagem que se quer passar aqui, com o avanço dos citadinos como vilões materializados e não identificáveis em uma sociedade em que a servidão era a dinâmica aceita. A cantora Aurora ainda contribui com a antiga canção “Running With The Wolves” em uma linda montagem na qual projetamos pela primeira vez a experiência de Robyn em sua nova forma.
Vale ressaltar a canção original de Kíla (“Howls the Wolf“), de forte traço regionalista – e que merecia ser indicada também. Talvez tirando a vaga daquela excruciante experiência de assistir Will Ferrell em pleno 2021 em “Festival Eurovision da Canção: A Batalha de Sigrit e Lars“. Coisas que o Oscar apronta conosco. Deixamos “Wolfwalkers” para a parte final da maratona porque sabíamos que precisávamos de algumas obras que não nos fizessem perder a esperança no cinema comercial, feito para a indústria de lucros e troféus. Que bom que, por trás da velha trama de ir contra injustiças e apagamentos impostos pelo colonialismo e viver uma transformação para viver o próprio destino com muita maturidade, encontramos a mais bonita animação que a Academia foi capaz de reconhecer.
Veja o Trailer:
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