Festival Ecrã | Curtas Brasileiros

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Dentro da pluralidade de experimentações do Festival Ecrã, é sempre uma difícil decisão encontrar um recorte para segmentar qualquer grupo de obras. Como sempre fazemos na Apostila de Cinema, optamos por compilar análises críticas mais sucintas em um texto único quando se tratam de curtas-metragens, facilitando o acesso e tentando criar um vínculo entre as produções. Sendo assim, nessa mostra específica, optamos por dividir em quatro publicações, conforme o território de origem do realizador – assim como informado na ficha técnica oficial do evento. Por isso, mesmo nos casos em que mais de um país é creditado (e aqui em especial há mais de um em que Brasil e Estados Unidos aparecem juntos), entendemos que o curta dialoga mais com o conjunto nacional. Consideramos, então, esses os catorze curtas brasileiros na seleção do festival.

Quatro delas foram analisados em outras mostras e também estão devidamente linkados. Sendo assim, seguem as catorze produções nacionais em curta-metragem do Festival Ecrã. Basta clicar no nome dos filmes no índice abaixo e ser direcionado ao texto sobre a produção:

Festival Ecrã | Curtas Brasileiros

Índice de Filmes

Céu na Terra
Do Observatório Eu Vi
Duas Imagens de Guerra
Fratura Exposta, Pt. i “a Sonâmbula”
Lyz Parayzo: Artista do Fim do Mundo
Morte Branca do Feiticeiro Negro, A
No Olhar do Outro
Pattaki
Pelano!
Replay
Rio Submerso
Temporal
Terra Teve Problemas De Carregar…, A
Vida Dentro de Um Melão, A

Ficha Técnica dos Curtas Brasileiros no Festival Ecrã


Festival Ecrã | Curtas Brasileiros

Céu na Terra
(Raquel Monteiro, 2020)

Céu na Terra Curta

Obrigado, Raquel Monteiro, por finalmente fazer eu sentir falta da rua. Cinco meses e meio depois de iniciado o isolamento social, “Céu na Terra” lembra ao público carioca do Festival Ecrã que nossas vidas é muito mais do que os quarteirões do nosso bairro, a padaria e o supermercado – para quem segue saindo de casa somente para as necessidades básicas. O Rio de Janeiro é composto por uma estrutura caótica e ilógica – mas é essa estrutura que amamos e mergulhamos a cada verão. O Ecrã, independente da data em que é agendado, parece ter o poder de acontecer na semana mais fria do ano. Quem vai à Cinemateca do MAM sem casaco se arrepende amargamente – principalmente depois que a cafeteria fecha. Isso porque a cidade se habituou com o calor e o usa como um condutor de energia. Basta os termômetros voltarem a encostar nos 40 graus, já na metade de outubro, para todo o planejamento de réveillon, pré-carnaval, ensaio de bloco, de escola de samba, desfile, encontros de final de ano nos jogue para a rua.

Não sabemos como será este processo na virada de 2020 para 2021. Será ruim, de qualquer forma. Se acontecer como todos os anos, aumentaremos os doentes e as vítimas da pandemia. Se a prudência falar mais alto, será uma cidade muito mais triste. O curta-metragem de Raquel resgata a felicidade de uma cidade que pulsa, mesmo que os personagens pareçam não querer encarar essa missão. Nenhum de nós quer, porque todas aquelas representações ali já são por nós entendidas e os prejuízos calculados. Tanto que o casal de idosos programa seu Carnaval na cadeira de praia, imaginando uma viagem que os tire do país. Estão de frente para o mar e de costas para a cidade.

Já Patricia apaga seu cigarro e ignora os sons carnavalescos para jogar em seu notebook, munida de um potente fone de ouvido. Mas as possibilidades que a rua nos traz também nos joga para ela. Com referências ao bloco de Carnaval que dá nome ao filme, passagens na Cinelândia e na Praça Paris, “Céu na Terra” é a prova de que, sempre que chega o verão, a gente parte para sentir o calor da rua. Mesmo com o escape de projetar experiências de terceiros, não apenas no uso de um jogo de simulação da realidade, como a atuação direta neste sentido através de Google Earth em uma Times Square cheia de rostos para serem compreendidos.

O Rio de Janeiro já me deu muita vida. Todos esses desencontros, essas ocupações de espaço, essa sinergia com o DJ. Fica ao final da experiência a saudade. Da lanchonete na Nossa Senhora de Copacabana que todo mundo usa só para ir ao banheiro e até do “Fora Temer”, quando sabíamos que o futuro seria ainda pior. Das fotos que apagamos porque entendemos que relacionamentos são perecíveis e carregam consigo as boas memórias. Raquel Monteiro nos devolve com lembranças que provocam um brilho eterno em nossa mente.

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Do Observatório Eu Vi
(Thaís Inácio, 2020)

Curta Do Observatório Eu Vi

Em “Do Observatório Eu Vi“, além da homenagem a Antônio Faleiro, piorneiro da ufologia no Brasil, a cineasta Thaís Inácio nos faz questionar sobre as possibilidades de comunicação em uma era ultratecnológica como a nossa. Muito foi dito de que a ampliação na capacidade de registros de imagens seria proporcional à queda nos fenômenos estranhos testemunhados, mesmo que nas cidades do interior. Parecemos vivenciar essa tendência, mas o exercício sobre as formas de contato com seres de outros planetas permanecem.

A realizadora, então, cria um desktop movie que propõe o deslocamento não apenas espacial, mas temporal. Faz uma convergência de elementos que nos transporta para a tela de maneira eficiente, apesar de ser raro nessa linguagem. Por lidarmos com uma conversa a partir da observação, a nossa posição de observador acaba criando acidentalmente essa interatividade. Para quem já esteve às voltas com um VLC com os drivers desatualizados, os travamentos da imagem tornam a viagem uma mistura de raiva com um gostoso saudosismo. Onde a trilha sonora é muito mais atraente do que a criada por John Williams em “Contatos Imediatos do Terceiro Grau” (1977). Ela usa os lindos e inesquecíveis acordes de “Quando Te Vi” de Beto Guedes. Daqueles mineiros preparados para os novos tempos, que só nos últimos dias anunciou sua possível primeira live “quando entrar setembro”. Há uma lógica para os ETs quererem aportar em Minas Gerais sempre que possível e ainda tentamos entendê-la.

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Duas Imagens de Guerra
(João Pedro Faro, 2020)

Curtas Brasileiros Curta JP Faro

Em “Duas Imagens de Guerra“, João Pedro Faro nos convida a exercitar frias análises de duas imagens. Um ritual de passagem de tempo, que nos faz pensar sobre passados – inclusive o nosso. O jovem realizador impressiona não apenas por suas críticas, em que une a maturidade do conhecimento com a vigor da juventude. Faro também é um produtor de visualidades, com seus trabalhos gráficos que conseguimos ver nas publicações em suas redes.

Aqui não há nenhuma indefinição de formas, pelo contrário. O cineasta fornece todas as informações possíveis nos escopos selecionados. Para efeito apenas de posicionamento, chamando a primeira parte do seu curta-metragem apenas de “passado”, a urbanidade, o jazz e os passos rápidos são vinculados a uma imagem cinza. Há paz, mas carregada de certo desconforto. A segunda parte, que apesar de não parecer “presente” podemos considerar assim, tem a calmaria do azul, é bem verdade. Mas um azul indefinido, aquele em há paz, mas carregada de certa depressão.

Talvez uma depressão saudosista, um colorido que as possibilidades audiovisuais conseguem recriar apenas artificialmente. Aqui a paz é composta pelos olhos, boca, sorrisos e braços da protagonista, todas ganhando a identificação que Faro entende merecer. E na revelação final, a grande paz concebida do exercício: aquela carregada de tranquilidade, fruto do exercício do imperialismo e seu grande parceiro, o militarismo.

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Fratura Exposta, Pt. i “a Sonâmbula”
(Natália Reis, 2020)

Curtas Brasileiros Fratura Exposta

Assim como a realizadora Helena Frade, que apresenta no Ecrã, “A Vida Dentro de um Melão”, a criadora de “Fratura Exposta, Pt. i ‘a Sonâmbula'”, Natália Reistambém é oriunda da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Pesquisadora de Cinema Experimental, é mais um exemplo da juventude academicista com suas importantes contribuições na produção audiovisual. Seu curta-metragem traz como objeto o fim da vida – aquele de e provocada por animais.

Essas opressões e mortes provocadas entre espécies, nos faz questionar os motivos da Humanidade assim o fazer entre si. E a realizadora, muito diretamente, fala de um dos nossos maiores males: “estamos sentido demais“. Só que um sentimento auto condescendente, sem efeito prático para a comunidade na qual estamos inseridos – e, pior, com danosos efeitos em nosso íntimo.

Antes de entender nossas demandas diretas (lembrando que são elas água, oxigênio e coisas assim – e não o que vem na fatura do nosso cartão de crédito), precisamos entender nossa existência. Natália Reis provoca esse debate sobre a vitalidade dos elementos e, nessa cobertura cruzada do Festival Ecrã com a Mostra Ecofalante, faz lembrar uma pergunta de um desmatador em “Amazônia Sociedade Anônima“. Ele questionava se as futuras gerações querem que nós salvemos a floresta, a troco de um progresso menor. Uma fala surrealista que parecia perfeitamente encaixável no curta-metragem da diretora.

Nessa trajetória de ansiedade daquela que promete ser a parte uma obra maior de Natália, seu devaneio sonambulista encontra um final feliz: o do entorpecimento. Algo que, de fato, passamos todo o tempo correndo atrás – nas mais variadas formas. Uma busca crescente e que tende ao infinito, porque fugas da realidade tão prazerosas como este filme, infelizmente, duram – quando muito – alguns minutos.

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Lyz Parayzo: Artista do Fim do Mundo
(Fernando Santana, 2019)

Lyz Parayzo

Clique aqui e leia a análise de Roberta Mathias sobre o curta, quando exibido na Mostra Outro Rio.

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A Morte Branca do Feiticeiro Negro
(Rodrigo Ribeiro, 2020)

A Morte Branca do Feiticeiro Negroo

Clique aqui e leia a análise de Roberta Mathias sobre o curta, quando exibido no FestCurtas Fundaj.

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No Olhar do Outro
(Fabio Andrade, 2020)

Curtas Brasileiros No Olhar do Outro

No meio de uma maratona de mais de uma centena de filmes, Fabio Andrade e seu curta-metragem “No Olhar do Outro” me fez tirar Clarice Lispector das empoeiradas prateleiras de livros, pouco mexidas desde que o ebook dominou as atenções na casa. O realizador traz uma obra de união de mensagens e momentos. Da escritora radicada no Brasil, celebrada por frases que disse e não disse desde a internet discada, ele pinça o conto “Tentação”, parte da coletânea “A Legião Estrangeira”.

Ali conhecemos uma menina que interage com um cão – mas não consegue efetivar seu sentimento de que foram feitos um para um outro. Este pequeno flerte, contado com a maestria de Clarice, é refeito por Andrade nos colocando na posição de protagonista. Nos momentos que passamos em seu curta-metragem, pensamos em nossas projeções e como a troca com outras espécies (principalmente os cachorros) parecem ser pequenos alentos em nossos dias atribulados.

Potencializado no período da pandemia, há algo de terapêutico nessas interações, o que não é novidade para os pesquisadores de comportamento. Mas o diretor ainda entrega um outro elemento, também terapêutico – mas com poder de alumbramento. Patti Smith, que se prepara para lançar seu terceiro livro de memórias, vem como uma voz capaz de romper as barreiras do tempo. O realizador dedica seu filme à Katrina Dodson, a tradutora dos livros de Lispector para inglês na década que se passou – ela mergulhou no que seria “o mundo de Clarice” e tenho certeza de que fez um grande trabalho.

É como se algumas coisas não mudassem, mas “No Olhar do Outro” consegue nos fornecer uma receita para encararmos desafios de tempos sombrios.

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Pattaki
(Everlane Moraes, 2019)

Curtas Brasileiros Pattaki

Pattaki” é, sobretudo, de construção. A visualidade pensada pela realizadora Everlane Moraes é carregada de uma beleza no uso da sombra que torna o curta-metragem hipnótico. Mas as pessoas ali representadas são as verdadeiras construtoras e a água permeia todas as realizações. Formatado em um ambiente de escassez deste elemento vital, traz a construção em seu conceito concreto, aquele em que a água precisa ser misturada ao cimento com parcimônia e pensada em escala proporcional. Em uma época em que a falta é a regra, Iemanjá surge em seu chamado carregada de serenidade, como o mar faz quando chega na areia.

Baseado na obra poética “La isla en peso” do cubano Virgilio Piñera“, ao nos transportamos para o material origInal, um lindo verso o inicia: “la maldita circunstancia del agua por todas partes me obliga a sentarme en la mesa del café“. Há em seu longo poema uma mistura de cansaço pelas ações não objetivas e uma letargia provocada pelo saudosismo. Aos poucos, a multicultura que une os povos originários e os negros escravizados ganham forma no texto de Piñera. Um artista que rompeu com a tradição ao abordar essa relação de causa x efeito, esse chamado da Natureza e o que a Humanidade faz dele a partir de uma linguagem popular – e carregada de angústia. No conjunto, uma obra que traz a força da ancestralidade como achávamos impensável na década de 1940, quando foi escrito.

Um trabalho de resgate que uma das principais realizadoras do Brasil nos traz a partir de sua experiência na importante Escuela Internacional de Cine y TV, fundada por Gabriel García Marquez em Cuba. Enquanto isso, “Pattaki” se mantém até o fim fiel a uma proposta singela de convocação, como se nos levasse aos encontros das quase seculares palavras do poeta e que reafirma a todos nós (ou, oxalá, apresenta a alguns), público do Festival Ecrã, as fortes expressões visuais de Everlane Moraes.

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Pelano!
(Calebe Lopes e Christiana Mariani, 2019)

Curtas Brasileiros Pelano

Leia aqui nossa análise sobre o curta, quanto exibido na Mostra no Meio da Noite do 2º FestCiMM.

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Replay
(Julio Napoli, 2020)

Replay Curta Ecrã

O interesse pela atividade jornalística e pela teoria da comunicação fatalmente me levariam a “Replay” logo nos primeiros dias do Festival Ecrã. Julio Napoli utiliza somente os programas de retrospectiva de final de ano da TV Globo para cuidar de assuntos gerais, como a sociedade brasileira e a forma como a mídia hegemônica sempre contribuiu para um fantasma nem sempre camarada chamado Opinião Pública – e outros bem específicos, como a linha editorial que o braço jornalístico da empresa se pauta naquele que entende ser o “resumo do ano”.

É incômodo este protagonismo traumático que a mídia institucionalizada gosta de roubar no encerramento de um ciclo que, a grosso modo, nos leva apenas a adquirir novas agendas ou virar ao contrário aquele calendário de papelão que a firma nos dá para deixar em cima da mesa. Por vezes, não há qualquer relação entre um evento que ocorreu em janeiro e outro em dezembro, exceto essa construção temporal que serve de guia. Ao passo em que não resgatar momentos da História recente para tentar explicar o presente, emburrece o debate. A Globo se vale disso para entregar no final do ano um produto que parece exatamente igual – e Napoli prova que, de fato, é. Parece querer exorcizar os demônios das tragédias e das notícias ruins, quando sabemos que no ano seguinte elas continuarão ocorrendo. Convoca o espectador a um exercício masoquista de repetir o choque de acompanhar o noticiário diariamente, mas em uma escala de 365 dias em apenas duas horas.

Se há mudanças na abordagem, podemos dizer que os cuidados com certos termos e expressões, resultado de uma positiva reciclagem da mídia. Só que todo esse pensamento foi por terra, porque no lapso entre a experiência de assistir “Replay” e redigir esse texto, o mesmo canal de televisão chamou a comunidade da Maré de “bunker de bandido“, destruindo qualquer desconstrução que causava estranheza nos vídeos em que a Cidade de Deus é chamada de “um inferno de violência” por Otto Lara Resende e o Rio de Janeiro criticado pelo “aumento da população de marginais e favelados”. Ou seja, permanece a dúvida de que testemunharemos um arcebispo defendendo abertamente a forte repressão policial no futuro, como registrado no curta-metragem.

No mais, escândalos de corrupção evolvendo as mesmas empresas, montagens usando o Rio 40 Graus de Fernanda Abreu, idealização cansada feito na medida para a TV Globo, entre outras abordagens que – se não fosse a diferença flagrante na qualidade e envelhecimento das imagens – não saberíamos identificar em que momento das últimas cinco décadas foram levadas ao ar. Momentos em que a conscientização sobre a violência contra a mulher ganhava espaço, como no final da década de 1970, outros em que o objetificação sob a desculpa do despudoramento como a formadora de caráter década de 1990. A retrospectiva da Globo é a prova de que o conservadorismo é dominante porque as ferramentas fundamentais para que a sociedade se movimente seguem as mesmas. Senta na mesa com o progressismo o ano todo, mas na hora de estourar o champanhe, só falta colocar uma farda militar de gala.

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Rio Submerso
(Ivan Ignacio, Lucas Bártolo, Beatriz Leonardo e Luís Fellipe, 2019)

Curtas Brasileiros Rio Submerso

O conflito de agenda não permitiu que a Apostila de Cinema cobrisse o Recine 2020, festival de cinema de arquivo. Mas “Rio Submerso” nos transporta para o Rio de Janeiro, aquele mesmo que “Replay” – o curta-metragem comentado acima – nos provou que pouco mudou em suas mazelas.

O desafio das chuvas de verão ganhou novos contornos na gestão do atual Prefeito Marcelo Crivella, que cancelou o convênio com a Fundação Cacique Cobra Coral. Independente da fé, todo tipo de conhecimento é válido. Não bastasse a medida, com ares de preconceito, a manutenção básica da cidade fez com que os problemas relacionados às enchentes seguissem tomando conta dos noticiários nos últimos anos.

Quem é carioca sabe que o verão traz a possibilidade de maravilhosos dias de sol, praia, cerveja com os amigos – mas o céu escuro e a sequência de raios é um plot twist manjado. E a gente nunca sabe como – e se – voltará para a casa daquele programa. É quase como a morte de Kenny em um episódio de “South Park”. A diferença é que a democratização da produção de conteúdo em foto e vídeo pelo telefone celular ampliou o acervo do caos urbano a cada temporada.

“Rio Submerso”, portanto, traz registros de um período em que a profissionalização da fotografia e a relevância do jornalismo para disseminação das imagens era muito maior. As obras que revisitam artigos têm esse poder de reencontro com o passado ao mesmo tempo que antecipa as dificuldades que teremos em condensar dados e informações quando quisermos falar lá na frente o que passamos agora. Contudo, a multiplicidade de meios e vozes é muito bem-vinda – desde que recuperemos a História tal qual este filme, entendendo melhor nossa realidade para não perdermos tempo absortos em tragédias repetidas.

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Temporal
(Maíra Campos e Michel Ramos, 2020)

Curtas Brasileiros Temporal

Temporal” é um ótimo exemplo de obra audiovisual que nos remonta ao conceito subjetivo de tempo – aquele que, no nosso modo Mostra Ecofalante, tratamos muito para criticar a tentativa de objetificar (monetariamente, inclusive) um elemento libertador. Maíra Campos e Michel Ramos falam de lembrança e de como nossas percepções nos confundem.

A dor da perda é algo inexplicável – até porque nunca conseguiremos prever a potência desta dor antes que ela se manifeste. Conviver com a ausência, entretanto, é ainda pior. Este exercício de não antecipar sensações é saudável por dois motivos: evita frustrações causadas pelo dinamismo das relações humanas; ao mesmo tempo que evita um auto sufocamento, causado pela cogitação desta perda. A beleza de “Temporal” é que a dor sentida pela protagonista pode ser aplicada a qualquer forma de perda (ou rompimento no sentido amplo). O amor, tão perseguido por todos nós, é celebrado desde a sinopse por seus realizadores. Mas a presença-ausente, aquela em que o cheiro permanece pela casa, o toque ainda pode ser sentido se fecharmos os olhos – mostra que a felicidade vai além da simples manifestação do amor.

“Temporal” também traz a cumplicidade como elemento e como nossa é impactada assim que colocamos o pé na porta de casa. A unidade pelo sentimento, a troca de corpos – e, por fim, a carência pela ausência. O filme é uma linda poesia sobre finitude e porque isso não desvaloriza qualquer relação.

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A Terra Teve Problemas De Carregar…
(Leonardo Pirondi, 2020)

A Terra Teve Problemas de Carregar

A Terra Teve Problemas de Carregar…” usa a experimentação da imagem a favor de importantes fenômenos da sociedade nas últimas décadas. Transformações das cidades, relacionadas à habitação e ao uso da energia, que suscitam debates sobre o “Direito à Cidade”, que não tem nada de jurídico (infelizmente) e foi criado pelo geógrafo David Harvey.

Aqui o realizador Leonardo Pirondi traz um ciclo de destruição que pode ser aplicada tanto à Califórnia e suas constantes queimadas quanto em várias regiões do Brasil – desde a Amazônia, com problemas similares até a Mata Atlântica, aquela que muitos sequer lembram que existe e hoje chamam de Rio de Janeiro ou São Paulo, por exemplo. Por sinal, esta união de avanço tecnológico – que permitiu um registo e acesso de imagens que revolucionou o audiovisual – com reconfiguração cada vez mais voraz das cidades, levou o cineasta a chegar a um título que remonta a esta modernidade, mas nos faz pensar como o conceito de Cidade é algo que traz consigo seu “problema de carregamento”.

Parece que a Terra não sairá deste modo tão cedo, porque a eficiência de suas engrenagens dependem da paralisação das nossas – e não parece que as soluções propostas, de novas configurações, permitam tal coisa.

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A Vida Dentro de um Melão
(Helena Frade, 2020)

Vida Dentro de um Melão

Leia aqui nossa análise do curta, quando exibido no Festival Taguatinga de Cinema.

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Ficha Técnica dos Curtas Brasileiros no Festival Ecrã

Céu na Terra (Raquel Monteiro, 30″ – 2020)
Sinopse: Em pleno Carnaval carioca, Patricia e Paula vivem seus encontros e desencontros.
Do Observatório Eu Vi (Thaís Inácio, 23″ – 2020)
Sinopse: Nigim é um ufólogo da cidade de Passa Tempo em MG que registrou inúmeras aparições de et’s do Planeta de Jov. Mas agora, parece que quem está sendo observado é ele.
Duas Imagens de Guerra (João Pedro Faro, 3″ – 2020)
Sinopse: Duas imagens de autores desconhecidos e de tempos desconhecidos compartilham a guerra.
Fratura Exposta, Pt. i “a Sonâmbula” (Natália Reis, 7″ – 2020)
Sinopse: Primeira parte de uma série de colagens/exposed de um delírio febril.
Lyz Parayzo: Artista do Fim do Mundo (Fernando Santana, 16″ – 2019)
Sinopse: A obra independente acompanha a trajetória artística de Lyz Parayzo, artista visual que através de suas obras e performances, coloca em discussão qual o espaço da arte em um corpo não binário provindo da periferia. Lyz, tem o corpo como principal suporte de trabalho e sua performatividade diária como plataforma de pesquisa revelando o descompasso entre o que se diz, o que se faz, o discurso e a prática. Pela falta de autorização, pela intromissão, pela inclusão não desejada, questionando a escola livre que não permite se libertar, a galeria de arte que não inclui o não vendável, o espaço institucional que assimila a transgressão desde que já incorporada pelo sistema.
A Morte Branca do Feiticeiro Negro (Rodrigo Ribeiro, 10″ – 2020)
Sinopse: Memórias do passado escravista brasileiro transbordam em paisagens etéreas e ruídos angustiantes. Através de um ensaio poético visual, uma reflexão sobre silenciamento e invisibilização do povo preto em diáspora, numa jornada íntima e sensorial.
No Olhar do Outro (Fabio Andrade, 8″ – 2020)
Sinopse: Uma conversa entre iguais.
Pattaki (Everlane Moraes, 23″ – 2019)
Sinopse: Na noite densa, quando a lua ergue a maré, seres presos num cotidiano de escassez de água são hipnotizados por Iremanjá, a rainha do mar.
Pelano! (Calebe Lopes e Christiana Mariani, 12″ – 2019)
Sinopse: Um buraco na camada de ozônio se abre em cima da região nordeste do Brasil. Em meio a isso, Raquel está derretendo.
Replay (Julio Napoli, 30″ – 2020)
Sinopse: Uma perspectiva histórica do jornalismo televisivo brasileiro através de colagens audiovisuais apenas das Retrospectivas de fim de ano da Globo ao longo de cinco décadas.
Rio Submerso (Ivan Ignacio, Lucas Bártolo, Beatriz Leonardo e Luís Fellipe, 7″ – 2019)
Sinopse: Entre ressacas e inundações, o filme propõe uma reflexão sobre a relação do Rio de Janeiro com as forças da água a partir de imagens de arquivo e paisagens sonoras que evoquem aspectos conflituosos, porém constitutivos de uma cidade que, formada por processos de aterramento, parece ter como destino a submersão.
Temporal (Maíra Campos e Michel Ramos, 8″ – 2020)
Sinopse: Ser mulher é um estado de devir. Amar uma, é um estado de estar. E ser uma amando outra é tornar-se potência.
A Terra Teve Problemas De Carregar… (Leonardo Pirondi, 9″ – 2020)
Sinopse: Uma meditação sobre o relacionamento entre humanos, natureza e tecnologia. – “Primeiro construímos as ferramentas, depois ela nos construíram”.
A Vida Dentro de um Melão (Helena Frade, 18″ – 2020)
Sinopse: Uma garota filme o seu redor. Fantasiada de bicho, o desconhecido te assopra quando o coração quer voar.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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